Valor Econômico – O governo e o setor privado avaliam que o texto mais recente do novo marco legal das ferrovias, cuja votação está marcada para hoje no plenário do Senado, impõe dificuldades aos investidores e coloca em risco boa parte dos 14 projetos de estradas de ferro apresentados ao Ministério da Infraestrutura nas últimas semanas. Esses projetos somam R$ 80 bilhões em promessas de aportes na ampliação da malha atual em 5.360 quilômetros de trilhos, cruzando 12 unidades da federação.
Os empreendimentos foram protocolados após a publicação de uma medida provisória (MP 1.065), no fim de agosto, permitindo que novas ferrovias sejam construídas pelo regime de autorização – com regras mais flexíveis e sem a necessidade de percorrer o exaustivo trâmite dos leilões.
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Apesar de destravar investimentos, a iniciativa do governo teve forte repercussão negativa no Senado, que vinha discutindo uma proposta com a mesma finalidade desde 2018 e se sentiu “driblado” pelo Palácio do Planalto. As últimas semanas foram dedicadas a uma tentativa de convergência entre o PLS 261, relatado pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), e a MP 1.065. Não deu certo.
Um dos principais impasses está na inclusão, pelo relator do PLS 261, da “reserva de capacidade por concurso aberto” nos novos contratos – por autorização ou por concessão – de ferrovias.
A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) – que reúne as grandes concessionárias do setor – enviou carta ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao relator Jean Paul Prates e aos líderes de partidos na casa chamando atenção para esse ponto.
O dispositivo foi incluído a pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele prevê que parte da capacidade das ferrovias – em montante não especificado – seja reservada a terceiros, como operadores independentes (não os próprios donos das malhas).
Para o governo e investidores, isso descaracteriza o modelo de autorizações e pode encarecer os projetos apresentados, até mesmo colocando em xeque sua viabilidade. Parte dos projetos tem como foco o escoamento de minério de ferro. Se a reserva de capacidade prevalecer, o grupo responsável pela nova ferrovia seria forçado a abrir espaço para cargas de açúcar ou de algodão, por exemplo. Consequência: a construção de estruturas diversas de carregamento e descarregamento, ampliação da capacidade, possivelmente elevando o valor do investimento e alterando o foco original dos projetos.
Outro ponto controverso incluído pelo relator é a exigência de que os investidores apresentem suas “condições de financiamento” ao fazer um pedido formal de autorização para nova ferrovia. Para os críticos do dispositivo, isso só dificulta os empreendimentos. Por dois motivos: não só muitos termos do financiamento (como taxas de juros e prazo do empréstimo) são confidenciais, mas também costumam ser negociados apenas depois de obtida a autorização.
Nenhum desses pontos estava previsto na MP 1.065 e sua inclusão pelo relator despertou preocupações no governo. Segundo uma autoridade que participa ativamente das negociações, algumas empresas já indicaram que devem desistir de seus projetos caso prevaleça o PLS 261, com a última redação que foi dada.
Nos bastidores, Prates avisou que não fará mais ajustes. Ele aceitou uma série de emendas governistas, mas se nega a adequar o texto final ao que estava previsto na medida provisória editada pelo Executivo sobre o mesmo assunto. Por causa disso, o único caminho seria alterar o projeto diretamente no plenário.
O Valor apurou que o governo planeja apresentar vários destaques na votação. Com isso, a expectativa do Planalto é conseguir remover algumas emendas que foram aceitas e incluir outras que ficaram de fora do substitutivo. A definição promete ser voto a voto.
O tema é politicamente sensível. Um acordo foi feito com Rodrigo Pacheco para dar preferência ao projeto de lei em relação à MP. Voltar atrás nesse acordo e priorizar a medida provisória poderia estremecer ainda mais as relações entre Executivo e Senado. Além disso, o marco das ferrovias é uma das únicas pautas de autoria do Senado com condições de ser aprovada ainda neste ano. O PLS 261 foi apresentado pelo senador licenciado José Serra (PSDB-SP).
Outro aspecto é que o assunto tem sido acompanhado de perto pela bancada de Mato Grosso, composta por senadores governistas. Para acalmar os ânimos do grupo, o ministro Tarcísio Freitas foi pessoalmente ao Senado. Os parlamentares matogrossenses têm interesse no assunto porque o marco legal vai destravar ferrovias importantes para a região.
Entre os empreendimentos já protocolados no Ministério da Infraestrutura, a partir da MP 1.065, estão trechos como o Açailândia-Alcântara (MA), Cascavel-Foz do Iguaçu (PR), Maracaju-Dourados (MS), Água Boa-Lucas do Rio Verde (MT). Também faz parte da lista a conclusão do ramal pernambucano da Transnordestina, com 717 quilômetros de extensão, pela mineradora Bemisa, controlada pelo Opportunity.
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