A gestão metropolitana da mobilidade urbana

Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

Imagine, caro leitor, uma cidade como São Paulo. 11 milhões de habitantes espalhados por 1.521,1 quilômetros quadrados. A administração de São Paulo está dividida em 32 subprefeituras, algumas das quais administram população superior à de muitas cidades médias brasileiras. Essa divisão dá-se especialmente em termos de zeladoria. Cada subprefeitura faz a gestão da limpeza pública, manutenção de vias etc.

Vamos agora imaginar que a cidade decida descentralizar a gestão de seu transporte público. Cada subprefeito será responsável por planejar seu sistema de transporte público, trânsito e gestão da logística urbana. O subprefeito da Sé irá planejar as linhas de ônibus da sua área, definir o sistema de bilhetagem, o preço da tarifa, as velocidades máximas de cada uma das vias e, ainda, o horário de entrega de mercadorias, bem como o padrão dos caminhões que serão aceitos em sua área. Os outros 31 subprefeitos terão as mesmas competências.

Não é difícil imaginar o tormento que seria a vida do cidadão paulistano em uma cidade assim. Teria que ter o cartão da Sé, pagar uma tarifa cheia para ir até São Miguel Paulista. Lá chegando, com outro cartão, pagaria uma segunda tarifa cheia para embarcar no ônibus daquela subprefeitura. E as linhas intersubprefeituras? Essas ficarão a cargo do prefeito, que estabelecerá o 33º cartão, com outras tarifas não integradas. E, como cada qual cuida do seu espaço, as linhas acabarão competindo entre si, uma tomando passageiros das outras.

O custo será muito mais elevado e a qualidade, muito inferior. Além disso, haverá uma infinidade de tarifas, cartões, regras e integrações. Em pouco tempo, os usuários descobrirão que comprar uma motocicleta é mais barato e mais eficiente para os deslocamentos. Um caos total.

Pois é, paciente leitor. Abra um pouco o foco do nosso objeto de observação, aterrisse do mundo imaginário descrito nos parágrafos anteriores e se aproxime da realidade das regiões metropolitanas brasileiras.

Sigamos, pois, com o exemplo da megalópole da região metropolitana de São Paulo. São 39 municípios, onde vivem 23 milhões de pessoas, num tecido urbano já completamente conurbado. Sempre desafio alguém a me apontar, com exatidão, as divisas entre as cidades. Viraram ficção político-administrativa.

Apesar disso, a mobilidade urbana dessa área é administrada da mesma forma como a descrevi nos primeiros parágrafos, quando convidei o leitor a imaginar a cidade de São Paulo com uma gestão descentralizada. São 39 prefeitos com autonomia plena para desenhar suas linhas, definir tarifas, sistemas de bilhetagem, velocidades máximas e regras para a logística urbana. O Governo do Estado responde pelo transporte de passageiros sobre trilhos e pelas conexões intermunicipais. Ou seja, 40 autoridades, cada uma agindo de acordo com seus próprios interesses. Não há como ser eficiente, econômico e ter qualidade.

Sequer temos um órgão colegiado no qual o planejamento e determinados padrões sejam discutidos e aplicados pelas prefeituras e pelo Governo do Estado. No Brasil, não contamos com nenhuma Autoridade Metropolitana de Transportes, tal qual vemos em cidades como Nova York, Paris ou Madrid. Recife e Goiânia são exemplos de embriões de gestão metropolitana, com iniciati vas louváveis e bastante interessantes, mas ainda tímidas do ponto de vista de integração completa.

Quando fui secretário de Transportes e Mobilidade em São Paulo, criamos, com outros colegas da região metropolitana, o Fórum Metropolitano de Secretários e ainda reativamos um comitê integrado com o Governo do Estado. Contudo, as iniciativas não foram suficientes para levar à frente a criação da Autoridade Metropolitana. Cheguei a dar entrevistas dizendo que estava defendendo a extinção do meu próprio cargo em favor da criação de um organismo metropolitano.

As iniciativas ao redor do mundo, referidas acima, demonstram, com dados e números, as inúmeras vantagens, para o poder público, para os operadores e, fundamentalmente, para os usuários, da unificação do planejamento, gestão e operação dos sistemas de trânsito, mobilidade e transporte em áreas conurbadas.

Não é difícil entender: fim da competição entre linhas, unificação dos sistemas de bilhetagem, política tarifária integrada, unificação dos recursos de investimento, da política de segurança viária e das regras para distribuição dos produtos.

Entretanto, tais benefícios, mostra a experiência, não cairão do céu. É preciso um trabalho árduo para trazer esse debate à sociedade e sensibilizar os agentes políticos e privados. Eu vejo a crise que se abate sobre o transporte público, especialmente a crise de financiamento, como a oportunidade para alavancar a implantação da metropolitanização da mobilidade.


2 Comentários

  1. Ótimo artigo com bom exemplo!
    Mas o conceito de gestão metropolitana morreu e quem sofre é a população.
    Agora prisioneira do feudalismo municipal!
    Com senhores feudais que obedecem aos barões empresáriais…
    Aos
    Forte abraço

  2. Pois é Avelleda,
    Como faz falta sermos ouvidos e compreendidos nessa matéria
    Aqui no DF (caso incomparavelmente mais simples do que a RM de São Paulo) decidiram juntar o Entorno com o DF sem pensar nisso e já sabemos no que vai dar !!!!!

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