Desafios do licenciamento ambiental diante do novo marco legal

IVAN BENEVENUTO
Analista ambiental e coordenador-geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Lineares Terrestres no Ibama

Recentemente, em 23 de dezembro de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.273 – o Novo Marco Legal das Ferrovias – que representa uma importante transformação no modus autorizativo do modal ferroviário e que promete atrair bilhões em investimentos para o setor.

Em suma, o novo Marco Legal simplificou o sistema de autorizações para exploração de ferrovias e deve facilitar a entrada de empresas privadas no negócio, visto que estas poderão planejar, instalar e operar ferrovias sem um processo licitatório prévio, diferindo de como ocorria até então. Vale esclarecer que as mudanças se restringem à autorização do governo enquanto ente regulador de transportes, não tendo ocorrido qualquer mudança no procedimento de licenciamento ambiental.

Antes de prosseguir, convém uma breve introdução ao tema “licenciamento ambiental”, pois, embora tão relevante, a matéria não é de amplo conhecimento da população em geral.

O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente autoriza a realização de empreendimentos potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental, dentre eles, as ferrovias. É o espaço onde são propostas e discutidas medidas e programas para evitar, mitigar e/ou compensar os impactos socioambientais relacionados à instalação e operação desses empreendimentos. O instrumento possibilita, portanto, tornar atividades degradadoras em projetos ambientalmente mais sustentáveis, os quais precisam passar pelo crivo do órgão ambiental desde a sua concepção (fase de planejamento) até as fases de instalação e operação, assim como em eventuais ampliações.

Assim, no campo da administração ambiental, o que tende a ocorrer a partir do novo Marco Legal é uma enxurrada de novos processos de ferrovias privadas e um rebatimento em questões de competência para execução do licenciamento desses projetos, com provável sobrecarga dos já assoberbados órgãos ambientais.

Sobre a questão da competência, introduz-se que a Lei Complementar nº 140/2011 traz a localização como o principal critério para definir qual esfera de governo é responsável por conduzir o licenciamento de dado projeto. Contudo, a experiência anterior ao novo Marco Legal das Ferrovias demonstra que os empreendimentos ferroviários, por serem até então, via de regra, bens da União, eram sempre licenciados pelo Ibama, devido a um dispositivo legal previsto no Decreto nº 8.437/2015, que atribuiu ao órgão a competência para licenciar as ferrovias federais, independentemente de sua localização. De agora em diante, com a esperada onda de ferrovias privadas, muitos desses projetos ficarão a cargo, também, dos órgãos estaduais de meio ambiente.

Vale ressaltar que, independentemente de quem licen cia ou da natureza do empreendedor (público ou privado), os desafios do ponto de vista socioambiental são similares. Os licenciadores precisam examinar os projetos com zelo e os empreendedores precisam ser diligentes com a avaliação, monitoramento e efetivo tratamento dos impactos inerentes à implantação e operação ferroviária, cujos desafios são muitos: fragmentação de habitats, atropelamento de fauna, gerenciamento de impactos em grandes extensões (controle de processos erosivos, manutenção de drenagens, gestão resíduos de via), emissões de ruídos, recuperação de áreas degradadas, conflitos urbanos/sociais etc. Obviamente, há impactos positivos também, a exemplo da geração de emprego e renda e da menor emissão de poluentes atmosféricos em comparação ao modal rodoviário, mas são os impactos negativos que exigem maior atenção, pois demandam medidas para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los. E o licenciamento visa justamente essa ponderação na análise da viabilidade do projeto e na busca pela alternativa técnica e locacional que seja ambientalmente menos impactante.

Como dito, os desafios independem do órgão licenciador ou da natureza do empreendedor. O ponto é que, seja qual for a esfera competente para licenciar, é fundamental que os órgãos ambientais sejam fortalecidos para que sejam capazes de responder dentro das expectativas de prazo do setor produtivo. A estrutura de governo envolvida no modelo autorizativo precisa ser considerada no planejamento estratégico de uma agenda desenvolvimentista, sob o risco de haver recursos, haver viabilidade, mas não haver capacidade de análise e resposta por parte de quem precisa autorizar. É a lógica do possível.

Afinal, para se construir um grande prédio é necessário, antes, se fazer uma boa fundação.

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