Valor Econômico – Em movimento que surpreendeu investidores e analistas, a Cosan montou posição minoritária na Vale, um dos gigantes globais da mineração, e deixou claro que sua aposta no setor é elevada. Com uma combinação de compra direta de ações e derivativos, o grupo do empresário Rubens Ometto deve chegar a 6,5% do capital da mineradora, equivalentes a investimento de R$ 22 bilhões – dois terços de seu valor de mercado antes do anúncio da operação-, colocando-se entre os grandes acionistas da empresa que tem controle pulverizado desde o fim de 2020.
De partida, a investida não agradou. Segundo fontes de mercado, o racional estratégico da Cosan não ficou claro, há dúvidas quanto ao financiamento da operação e risco de piora da alavancagem financeira do grupo, que em junho já estava um tanto confortável, em 2,4 vezes pela relação entre dívida líquida e resultado operacional (Ebitda) em 12 meses. Enquanto as ações da holding recuaram 8,72% na B3 na sexta-feira, a R$ 16,65, os papéis da Vale ficaram praticamente estáveis, em R$ 75,51, em dia de estabilidade também dos preços do minério, em US$ 95,30 a tonelada, segundo índice Platts, da S&P Global Commodity Insights.
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Ainda assim, foi uma jogada ambiciosa. A Cosan já vinha tateando o setor de mineração, em que o Brasil tem vantagens competitivas e tende a ser protagonista na transição energética, com a procura crescente por metais como cobre, níquel e cobalto, fundamentais a uma economia de baixo carbono. Há pouco mais de um ano, o grupo fez oferta de R$ 720 milhões, e levou o porto São Luís, no Maranhão, que era da chinesa CCCC, e anunciou uma joint venture para exploração de minério de ferro no Pará com o controlador da Aura Minerals, Paulo Brito.
Com o investimento na Vale, disse o CEO da Cosan, Luis Henrique Guimarães, ao Pipeline – site de negócios do Valor -, a holding complementa a estratégia de portfólio para atuar em todos os mercados em que o Brasil detém diferenciais. Antes da mineradora, o conglomerado já estava exposto à logística ferroviária e portuária de commodities agrícolas (Rumo), óleo e gás (Raízen e Comgás), energias renováveis (Raízen) e créditos de carbono (com Raízen e Radar).
Segundo o executivo, a abordagem da Cosan na Vale será amigável. “Não é hostil. Queremos ser bem-vindos”, disse, frisando a capacidade de trabalhar em sociedades com diversos atores, como Shell (sócia na Raízen), o fundo de private equity CVC (sócio na Moove) e Mitsui. Na Vale, o grupo agora quer se aproximar do conselho, validar as teses que justificaram o investimento. A mineradora é um ativo “irreplicável”, ressaltou.
Em teleconferência na noite de sexta-feira, o vice-presidente de estratégia Marcelo Martins afirmou que a Cosan buscou um modelo financeiro para entrar no capital da mineradora que não impactasse sua saúde financeira, nem a posição de seus acionistas. “Compramos uma fatia de 4,9%, chegando a 6,5% após a aprovação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Mas, da forma como a transação como foi estruturada, vamos convertendo uma opcionalidade em participação efetiva”, disse.
Segundo o executivo, a operação não elevará o endividamento do grupo, que contratou, inicialmente, financiamentos que totalizam R$ 8 bilhões junto a Bradesco e Itaú, amortizados com dividendos de Raízen e Compass sem prazo fixado. E não haverá diluição dos acionistas. “Não vamos emitir ações para financiar essa aquisição”, ressaltou.
Tanto Martins quanto o CEO da Cosan reiteraram que, caso a operação chegue ao ponto de comprometer a saúde do grupo, ela não será levada adiante. No extremo, a Cosan poderia zerar sua posição na Vale, mas essa não é a opção hoje, percebido como o momento de “ponto de entrada” na Vale, que ainda luta contra os danos da tragédia de Brumadinho (MG). A Cosan tem uma lista de ativos para vender e financiar a operação, mas não necessariamente participação em controladas. Caso seja necessário, a ideia é vender fatia que não comprometa a posição de controle.
Pela participação que a Cosan que poderá atingir no futuro, vagas no conselho de administração da Vale – hoje uma corporation que tem “poison pill” de 25% -, seriam consequências naturais da aproximação. A estrutura da transação também minimiza os eventuais perdas com oscilações dos papéis da mineradora. O grupo não divulgou o preço médio pago pelas ações – que ficaram abaixo do atual patamar -, mas os contratos de “collar” (pares de opção de compra e venda) firmados com os bancos limitam as perdas em caso de desvalorização do ativo.
“Nossa cabeça está alinhada em ver onde o Brasil tem vantagem competitiva e empresas com ativos únicos. Nossa visão é de associação. Nosso portfólio foi construído com sócios e não será diferente com a Vale”, ressaltou Guimarães, que contou ter entrado em contato com os conselheiros da Vale e teve recepção positiva.
“A Vale não precisa de grandes investimentos para continuar gerando valor. Nosso papel, com muita humildade, é chegar ao conselheiros e garantir que todos tenham o alinhamento necessário para as decisões que alavancam as oportunidades”, acrescentou.
“Foi um movimento ousado da Cosan, por ser uma operação de mito fôlego financeiro, e de sentido do ponto de vista econômico-financeiro”, avalia José Carlos Martins, consultor da Neelix Consulting & Metals. “Vamos ver como evolui para se tornar uma posição acionária estratégica. A Cosan traz uma visão mais operacional para a gestão da Vale”, destaca Martins.
Na sua avaliação, a Vale precisa de um empreendedor. Tem excelentes executivos, mas não são empreendedores, que assumem riscos. Nisso, o Ometto vem somar”, afirma. Lembra que o negócio se dá num momento em que a ação da Vale está subavaliada. “Tem potencial de valorização. O papel está em US$ 14 ou US$ 15, mas deveria estar na faixa de US$ 22 a US$ 23”.
A Vale, diz Martins, é um ativo do setor de mineração que não se encontra outro igual, tem espaço para crescer e um dos minérios de melhor qualidade do mundo.
Os principais acionistas da Vale são Previ, com 8,61% do capital, seguida por Capital World Investor (6,69%), Blackrock (6,33%) e Mitsui (5,99%). A Cosan vem a seguir.
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