Valor Econômico – É improvável que o Banco Central faça o financiamento de obras de infraestrutura, com a compra de títulos públicos de longo prazo emitidos pelo Tesouro Nacional. Além de encontrar forte resistência no corpo técnico e direção do BC, essa alternativa não impediria o aumento da dívida pública.
A ideia de forçar o Banco Central a comprar títulos públicos surgiu nos últimos dias como um balão de ensaio dentro das alternativas supostamente em discussão na equipe de transição do presidente eleito, Lula Inácio Lula da Silva, para financiar investimentos públicos, diante da falta de espaço no Orçamento.
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Não há nenhuma confirmação oficial de que o assunto esteja mesmo em estudo, mesmo porque apenas hoje devem ser definidos os nomes dos economistas que vão compor a equipe de transição da nova administração. De qualquer forma, causou reações negativas nos últimos dias entre participantes do mercado.
Dentro do Banco Central, não há um consenso de que o governo possa comprar títulos de longo prazo do Tesouro Nacional. Mas a discussão é apenas sobre a possibilidade de adquirir esses papéis para a execução da política monetária. O entendimento é que a lei impede, de forma clara, o financiamento do Banco Central ao Tesouro Nacional.
Sobre a compra de títulos públicos para a execução da política monetária, há dois entendimentos entre o corpo técnico do Banco Central. Uma corrente diz que a lei é absolutamente clara apenas sobre a compra de papéis em operações até um ano, como forma de controlar o dinheiro em circulação na economia. Outra corrente entende que o Banco Central tem permissão para comprar papéis com prazo mais longo, superior a um ano.
Diante dessa controvérsia, em 2020, na crise econômica causada pela pandemia, foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a chamada PEC do Orçamento de Guerra, permitindo temporariamente a compra de títulos públicos de longo prazo pelo Banco Central.
Alguns técnicos do Banco Central entendem que, para comprar títulos longos, seria preciso uma nova autorização legal. Sem ele, seria difícil ter o respaldo do corpo jurídico da autoridade monetária para esse tipo de operação.
Outro problema para a compra de títulos públicos é a oposição manifestada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao uso desse tipo de medida. Na pandemia, apesar da autorização temporária, a direção do BC não comprou títulos longos para reduzir os juros longos.
O entendimento naquela época foi de que, se o BC tentasse reprimir o risco na curva de juros, provavelmente ele se manifestaria em outros ativos, como a taxa de câmbio. Um economista ouvido pelo Valor nota que isso vem ocorrendo, por exemplo, no Japão.
Campos Neto tem mandato fixo até o fim de 2023 e, portanto, seria difícil aprovar na direção do Banco Central uma eventual compra de títulos públicos no mercado, mesmo que haja autorização legal para isso.
Do ponto de vista prático, por outro lado, essa forma de financiamento não alcançaria os efeitos desejados – ou seja, bancar investimentos sem que a dívida pública aumente. Na hipótese de o BC comprar títulos diretamente do Tesouro, haveria em seguida um aumento do endividamento, seja capturado nas estatísticas oficiais ou percebido pelo mercado.
Nesse tipo de operação, o BC transfere recursos para a conta única do Tesouro, que, em seguida, faz pagamento pelas obras, aumentando o volume de dinheiro em circulação.
O Banco Central, nessas circunstâncias, teria que recolher esse excesso de dinheiro, para evitar que a taxa Selic efetiva do mercado caia abaixo da meta definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom).
Em tese, o Banco Central teria duas opções para enxugar a liquidez. Uma delas é fazer operações compromissadas, que no fim acabam sendo contabilizadas nas estatísticas da dívida bruta calculadas pelo próprio BC.
Uma segunda opção seria enxugar o excesso de dinheiro com os chamados depósitos voluntários. Nesse caso, o instrumento não faz parte da dívida bruta, mas a tendência seria o mercado adotar como termômetro fiscal um indicador de dívida bruta ajustado que inclua também os depósitos voluntários.
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