Como lidar com risco cambial em projetos de infraestrutura

— Foto: Unsplash
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Valor Econômico – Muitas economias emergentes e em desenvolvimento dependem de fluxos externos de capital para financiar parte considerável dos investimentos de longo prazo, sobretudo em infraestrutura. Estes projetos são geralmente estruturados como concessões tipicamente com 25-35 anos de duração e remuneradas em moeda local. Se os investidores avaliam o retorno em moeda estrangeira, a volatilidade cambial – a exemplo da observada no Brasil nos últimos 25 anos – introduz um risco adicional que pode levar o nível de investimento abaixo do socialmente ótimo, na medida em que a oferta de hedge cambial no mercado é cara ou mesmo inexistente. A alternativa de mobilizar recursos públicos no Brasil e em muitos outros países enfrenta fortes restrições fiscais, aversão ao aumento da carga tributária e necessidade de priorizar esses recursos para gastos em educação, saúde e segurança.

Em artigo recente1, propomos um mecanismo que mitiga o problema do risco cambial em projetos de longo prazo e protege os investidores sem incorrer em custos para o governo, ajustando o período de concessão por meio de fórmula (ou regra expressa algebricamente) divulgada e definida no início do contrato, e dependente da variação da taxa de câmbio. Para fins de ilustração, se a concessão possui um período proposto de 25 anos, um câmbio depreciado estenderia a concessão para, digamos, 27 anos; e, inversamente, um câmbio apreciado reduziria a concessão para 22 anos (ou geraria compensação financeira equivalente para o governo).

O mecanismo é desenhado de forma que o risco seja simétrico para investidor e poder público, e de modo que um governo neutro ao risco seja indiferente às implicações financeiras de fornecê-lo. Na medida em que tal proteção não implica custos adicionais para o governo, mesmo sendo oferecida a custo zero a fornecedores de capital expostos a flutuação cambial, sua oferta atrairia mais recursos e um maior número de concorrentes dispostos a oferecer seja uma tarifa mais baixa aos consumidores e/ou maiores outorgas ao governo.

É importante ressaltar que o mecanismo é apresentado como uma opção antes da competição pelo ativo, e cabe ao investidor decidir se opta ou não pela proteção, que porcentagem do projeto deve ser segurada e a moeda de referência. Na realidade, a garantia permite um número arbitrário de sócios protegidos em diferentes moedas.

No artigo, propomos três tipos de garantia distintos, a depender do modelo de concessão adotado no país e de sua solidez regulatória. Para a maioria dos projetos no Brasil, o governo poderia, por exemplo, garantir a igualdade de retorno entre os sócios. Neste modelo, o investidor que provê recursos em moeda estrangeira é assegurado que a concessão lhe renderá o mesmo valor em sua moeda que rendeu para o investidor em moeda nacional. Assim, o governo elimina o risco cambial da concessão sem eliminar o risco de demanda e de construção.

Para compreender como esta garantia se daria em um projeto no Brasil, simulamos o seu emprego usando os dados da CCR NovaDutra (1996-2020), tratando essa concessão como se tivesse sido executado em um de 7 outros países – México, Peru, Chile, África do Sul, Moçambique, Indonésia e Filipinas. Os resultados das simulações por país levando em conta o desempenho de suas moedas com respeito ao dólar se encontram na tabela.

No caso do Brasil, considerando os 25 anos de concessão, a taxa interna de retorno do projeto é de 5,88% ao ano quando medida em moeda nacional, e 5,56 % ao ano em dólar, o que indica um câmbio em média desfavorável ao investidor estrangeiro. Nesse caso, o mecanismo proposto estabelece a extensão da concessão por 16 meses, de forma a garantir o retorno correspondente ao investidor estrangeiro. Se, ao contrário, o câmbio fosse favorável ao investidor estrangeiro, este ressarciria o governo em valor equivalente ao encurtamento da concessão que compensaria seu retorno excepcional.

O caso brasileiro de variações relativamente curtas no período de concessão está em concordância com o resultado do teste nos outros 7 países. As variações na duração da concessão resultantes de uma hipotética garantia são relativamente pequenas em todas as simulações. Dada a linha de base de 25 anos, o ajuste é igual ou inferior a 16 meses (ou seja, 5,3% da duração do projeto) para todos os países, e a extensão média de pouco mais de meio ano (6,5 meses).

Proteção cambial por ajuste no período de concessão mitiga uma das barreiras de entrada de recursos externos

Finalmente, chama a atenção que o mecanismo funcione de maneira tão similar em países com níveis díspares de desenvolvimento econômico, cujo único denominador comum é o regime cambial, ou seja, que operam com intervenção muito limitada do Banco Central.

Acreditamos que o mecanismo, ao oferecer proteção cambial ajustando o período de concessão, poderá vir a ser um poderoso instrumento para atrair recursos voltados à modernização da infraestrutura econômica e social de países emergentes, inclusive do Brasil. Mesmo países que não enfrentam restrições fiscais duras, a melhor governança e gestão associados ao investimento privado geralmente trazem ganhos de eficiência e bem-estar significativos.

O mecanismo proposto mitiga o que é frequentemente considerado como uma das barreiras à entrada de recursos externos mais relevantes, e traz ganhos sob a forma de maiores investimentos a um menor custo, e melhores serviços para toda a sociedade.

  1. How to Deal with Exchange Rate Risk in Infrastructure and Other Long-Lived Projects, disponível em: papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4192164.

Luciano Irineu de Castro é da University of Iowa.

Cláudio R. Frischtak é da Inter.B Consultoria e International Growth Centre.

Arthur Rodrigues é da Inter,B Consultoria.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/como-lidar-com-risco-cambial-em-projetos-de-infraestrutura.ghtml

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