O desafio do seguro-garantia na infraestrutura

Valor Econômico – O setor de infraestrutura é grande consumidor de garantias de seguro. Nesse pacote encontram-se diversas modalidades securitárias, como o seguro-garantia, que promete ser a vedete em 2023, agitando o setor, bem como o mercado segurador.

Não bastassem as sucessões nos governos federal e estaduais, logo a partir do primeiro dia do próximo ano as seguradoras não mais poderão celebrar contratos de seguro-garantia sem observar a recente Circular Susep nº 662/2022, que trouxe significativas modificações em relação à regulamentação anterior.

A nova regulação tornou o seguro-garantia uma espécie de seguro “all risks”, com cobertura abrangente

Muito embora a própria Circular Susep nº 662 preveja que, no caso de seguros vultosos – isto é, seguros com limite máximo superior a R$ 15 milhões ou cujos tomadores possuam, no exercício anterior à contratação, ativos superiores a R$ 27 milhões ou faturamento bruto anual acima de R$ 57 milhões (Resolução CNSP nº 407/2021) -, é facultativa a adoção de grande parte das regras da nova regulamentação (parágrafo único do artigo 34), espera-se que o mercado segurador, que não costuma se preparar com antecedência, encampe as novidades nos contratos celebrados a partir de 2023, ao menos por período relativamente longo.

Além disso, a administração pública e os diversos players do mercado de infraestrutura devem ter dificuldades para lidar com um número grande de clausulados, estabilizando-se a prática, que já se encontra sedimentada, de utilização de textos contratuais conforme diretrizes regulamentares.

E as novidades trazidas pela atual regulamentação são consideráveis. O processo de subscrição de riscos, por exemplo, deverá ser amplamente reavaliado pelas seguradoras, com reflexos para o mercado de infraestrutura, pois o seguro passa a ter um vínculo umbilical com o contrato principal, cujas obrigações são garantidas.

Necessitando respeitar as “características, dispositivos e legislação específica” aplicável ao contrato principal, o seguro será celebrado e, portanto, interpretado à luz desse contrato, uma vez que ele deverá ser considerado pela seguradora inclusive para a definição do clausulado do seguro (parágrafo único do artigo 4º).

A nova regulação vai muito além, ademais, tornando o seguro-garantia uma espécie de seguro “all risks”, com cobertura abrangente, para todos os riscos exceto aqueles expressamente excluídos na apólice. Isso porque a Circular, no parágrafo único do artigo 5º, dispõe que “[n]a hipótese de o seguro garantia não garantir todas as obrigações do objeto principal, a apólice deverá destacar esta informação”, descrevendo, “de forma clara e objetiva, as exatas obrigações garantidas”.

O processo de subscrição de riscos deverá antever, ainda, algumas alterações no contrato principal ao longo de sua execução, pois, conforme dispõe o artigo 11º da Circular, a seguradora deverá acompanhar tais modificações, adaptando a apólice, “caso tenham sido previamente estipuladas no objeto principal, em sua legislação específica ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora”.

As modificações do contrato principal, aliás, mesmo que não comunicadas à seguradora, não mais poderão fundamentar recusas de pagamento de indenização, caso não fique cabalmente demonstrado que agravaram o risco garantido pelo seguro (parágrafo 2º do artigo 11). Ou seja, para se desobrigar da indenização, a seguradora deverá provar que a alteração no contrato, que não lhe foi comunicada, implicou alteração substancial, extraordinária e duradoura no risco, sendo ela, a alteração, a causa do inadimplemento do tomador (parágrafo 2º, “a”, do artigo 11).

Além dos impactos que a nova regulamentação do seguro-garantia causará já no primeiro dia de 2023, pouco meses depois, em abril, terminará o período de transição previsto na Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações, que vem permitindo que a administração pública utilize a antiga legislação para licitações.

A partir de abril, portanto, ficará integralmente revogada a Lei nº 8.666/1993, devendo a administração pública valer-se unicamente da Lei nº 14.133/2021, que trouxe modificações relevantes, devendo afetar consideravelmente a operação do seguro-garantia.

Além de ter aumentado o limite da garantia para 30% do valor do contrato, a lei prevê a possibilidade de a seguradora, caracterizado o sinistro, exercer o chamado “step-in”, ou seja, retomar a obra pública no lugar do tomador inadimplente, prática que, embora não constitua propriamente uma novidade, é bastante rara do país.

O fato de a nova legislação prever que, caso não exercida a retomada, a seguradora deverá pagar a “importância segurada indicada na apólice” (artigo 102, parágrafo único, inciso II), aliado ao estímulo que se espera de adoção do limite de 30% do contrato – como proteção importante para a administração pública, diante das centenas de obras paralisadas no país -, deverá catalisar o fortalecimento de parcerias entre os players do setor de infraestrutura e do mercado segurador (consideradas também as contragarantias para resguardo de eventual ressarcimento em caso de sinistro), pois, como já destacou Modesto Carvalhosa, no seguro-garantia “a sinistralidade perseguida como condição à emissão da apólice deve ser zero”.

Assim, considerado o relevante papel que o seguro-garantia exerce, é enorme o desafio que se avizinha para setor de infraestrutura, devendo ser reavaliada sua relação com o mercado segurador, ambos de mãos dadas para o desenvolvimento nacional.

Carlos Eduardo Staudacher Leal de Carvalho é sócio de seguros do Toledo Marchetti

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/11/22/o-desafio-do-seguro-garantia-na-infraestrutura.ghtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*



0