Estado de Minas – Agora vai? Essa é a pergunta que paira sobre o metrô de Belo Horizonte desde o leilão que concedeu o modal à iniciativa privada, em 22 de dezembro, dois meses depois do aniversário de 20 anos da última estação inaugurada na capital mineira.
Uma série de anúncios que nunca saíram do papel nessas duas décadas, quando outros estados brasileiros viram sua rede metroviária se expandir enquanto a de BH permanecia estagnada, e as polêmicas que envolveram o certame do fim de 2022 justificam a interrogação sobre qual será o desfecho desse novo capítulo na história do modal .
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Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, a concessão para a iniciativa privada é o caminho para que a ampliação do sistema finalmente vire realidade. Se tudo sair como o previsto, a Linha 1 será modernizada e expandida e a uma nova, a 2, implantada. Pelo planos, novas estações começam a funcionar em 2026, quando a primeira operação comercial do modal completa 40 anos.
Atualmente, o metrô opera com a Linha 1 (Eldorado – Vilarinho), que tem extensão de 28,1 quilômetros (km). De acordo com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos de Belo Horizonte (CBTU-BH), que administra a rede, são 19 estações e seis terminais integrados rodoviários, anexos às estações Vilarinho, São Gabriel, José Cândido da Silveira, Central, Lagoinha e Eldorado.
O modal atende cerca de 100 mil usuários por dia na capital e em Contagem. Fora da pandemia, o fluxo era de 150 mil usuários por dia. Cada um dos 35 trens é composto por quatro carros, totalizando 140 vagões de passageiros. A estação Eldorado, com quase 6 milhões de usuários por ano, é a que registra o maior fluxo de passageiros.
As obras do sistema de Belo Horizonte foram iniciadas em 1981 e a operação comercial começou em 1º agosto de 1986. À época, eram três trens em operação e seis estações, ligando o Eldorado à Lagoinha, com 10,8km de extensão. A Linha 1 passou a contar com 12,5km, após a conclusão das obras da Estação Central. Entre 1992 e 2002, foram concluídas as demais estações e terminais. A última a ser inaugurada foi a Estação Vilarinho, em setembro de 2002.
A empresa paulista Comporte Participações S/A arrematou o modal em dezembro por R$ 25.755.111. O valor representa um ágio de 33% sobre o lance mínimo, estabelecido em R$ 19.324.304,67 no edital. A concessionária já tem empreendimentos no transporte rodoviário e na construção civil. Controla também a empresa VCB Transportes, na cidade de Formiga, na Região Oeste de Minas.
A Comporte Participações S/A será agora operadora da CBTU-BH e responsável pela gestão, operação e manutenção da rede, incluindo a Linha 1 (Novo Eldorado-Vilarinho) e Linha 2 (Nova Suíça-Barreiro). Entre as obrigações da concessionária está a modernização completa da Linha 1 – já em operação – , e sua expansão até a nova estação Eldorado, com mais um quilômetro de trilho.
Os investimentos obrigatórios incluem, ainda, a construção da Linha 2, que já havia começado em 2004, mas foi paralisada. A nova linha deve ligar o Bairro Calafate ao Barreiro, com 10,5km de extensão e sete novas estações. A previsão é que as novas estações sejam inauguradas a partir de dezembro de 2026 e que todas estejam operacionais em 2028.
Segundo o governo do estado, após investimentos, o sistema poderá beneficiar cerca de 270 mil passageiros, sendo que 50 mil devem usar a nova Linha 2. A previsão é que sejam investidos cerca de R$3 ,8 bilhões, sendo R$ 2,8 bilhões de recursos do governo federal, R$ 430 milhões do governo de Minas, e o restante pela concessionária. Com a concessão, a MetroMinas – empresa criada pelo governo do estado para administrar o transporte ferroviário da capital – será desativada, segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra).
Polêmicas
A privatização do sistema foi conturbada. Em novembro, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) recomendou a paralisação do processo de privatização. A equipe de transição do governo federal também entrou com um pedido na Justiça Federal para suspender o leilão. Porém, dias após enviar um ofício ao Ministério da Economia com o pedido, o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), que tomou posse no último domingo, entrou em acordo com o governador Romeu Zema (Novo) e deu aval à concessão.
Insatisfeitos com a concessão do serviço, metroviários entraram em greve na semana que antecedeu o leilão. Após a realização do certame, a presidente do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG), Alda Santos, afirmou que o modal foi vendido a “preço de banana” e que “o governo federal deu de presente o metrô de BH” ao vencedor do leilão. Ela disse ainda que pretende procurar a gestão atual, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para negociar o futuro dos 1,6 mil empregados da CBTU-BH.
Procurada pela reportagem para falar sobre expectativas e desafios a serem enfrentados nos próximos anos, a Comporte informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que por questões jurídicas não pretende se pronunciar sobre o negócio pelo menos até março.
Já o governador Zema, em discurso na cerimônia de recondução ao novo mandato, no domingo, disse que está “criando condições” para que nos próximos quatro anos a capital tenha um metrô mais amplo. Zema aproveitou para criticar os governos anteriores que, segundo ele, não deram a devida importância para “demandas históricas” de Minas Gerais. Além do metrô, o governador citou o Rodoanel Metropolitano.
Rota da modernização
Apesar dos questionamentos no decorrer do processo, especialistas ouvidos pelo Estado de Minas apostam na privatização como saída para o metrô de BH deslanchar, como ocorreu em outras capitais (leia texto abaixo). Sócio da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, empresa que presta consultoria para projetos de mobilidade urbana, o advogado Raul Borelli acredita que delegar a execução dos serviços de transporte metroviário para a iniciativa privada é o caminho mais interessante e consistente para a modernização e expansão do sistema de metrô de BH.
“Há que se considerar que União e estados, de maneira geral, vivem um contexto de restrições orçamentárias. O investimento privado se apresenta, então, como uma das principais alternativas de longo prazo para melhoria da infraestrutura de transporte não somente no setor metroviário, mas também em outras áreas fundamentais para o desenvolvimento do país”, defende.
Ele destaca que, no caso da proposta de desestatização apresentada para o metrô da capital, o fato de os governos federal e estadual realizarem aportes de recursos investimentos é uma medida interessante e que pode atrair recursos complementares e necessários vindos do setor privado. “Em qualquer cenário, para que isso ocorra de forma consistente, é preciso criar um ambiente de investimentos dotado de segurança jurídica e previsibilidade”, completa.
O especialista em transporte e trânsito Márcio José de Aguiar, concorda que o caminho para a expansão do metrô de BH é entregar a operação do sistema para a iniciativa privada. “Infraestrutura é responsabilidade do governo, mas para ter eficiência é preciso ter a iniciativa privada trabalhando nisso. Metrô é uma infraestrutura cara e a iniciativa privada trabalha principalmente na operação.”
Na avaliação dele, o governo, principalmente federal, tem dificuldade em fazer essa gestão. “Os funcionários públicos não têm metas para prestar um serviço de qualidade com custo razoável. Onde há atuação da iniciativa privada, o padrão de serviço é melhor.”
Aguiar acredita que a ampliação da rede metroviária não avançou na capital nos últimos anos por uma questão política. “Não tivemos nenhuma melhoria. Em todos os locais em que houve ampliação, a iniciativa privada assumiu a expansão.”
Últimos investimentos
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra) e com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos de Belo Horizonte (CBTU-BH) para questionar por que o metrô de BH não se expandiu nesses 20 anos. Em nota, a CBTU-BH listou investimentos nos últimos anos, nehum deles de ampliação de linhas.
Segundo o texto, o último foi em 2021, de cerca de R$ 6 milhões, usados na compra de um sistema de Rádio Digital para a operação do sistema. “O antigo modelo analógico era de 1984 e foi todo modernizado com o investimento, garantindo melhor operacionalidade e segurança ao sistema.”
A empresa citou ainda que entre 2015 e 2016 adquiriu uma frota de 10 TUEs (Trens Unidades Elétricos) Série 1000BH e quatro carros de passageiros. O valor do contrato era de aproximadamente R$ 140,8 milhões. Já entre 2005 e 2007, uma obra no terminal rodoviário de Vilarinho envolveu a construção de toda a infraestrutura e estrutura dos dois terminais de integração (setor norte e sul), como lajes, prédios administrativos e sistema viário. Foram gastos R$ 33 milhões na ocasião.
Metrô em números
28,1km
Percurso da Linha 1 do metrô de BH, única em operação e que liga o Eldorado ao Vilarinho, em 19 estações e seis terminais rodoviários integrados
10,5km
A nova linha deve ligar o Bairro Calafate ao Barreiro, com 10,5km de extensão e sete novas estações
100 mil
Total de passageiros transportados atualmente pelo metrô de BH a cada dia
270 mil
Total de passageiros a serem transportados após a construção da Linha 2
R$ 25.755.111
Lance da Comporte Participações S/A, que arrematou o modal em dezembro, com ágio de 33% sobre mínimo estipulado no edital
R$ 3,8 bilhões
Investimentos previstos para expansão do modal, sendo R$ 2,8 bilhões de recursos do governo federal, R$ 430 milhões do governo de Minas e o restante da concessionária
Evolução em outras capitais
Enquanto a expansão do metrô de Belo Horizonte permanecia no papel nos últimos 20 anos, os investimentos no modal prosseguiam em outras capitais brasileiras, tanto em sistemas operados por empresa pública quanto pela iniciativa privada.
O Sistema de Trens Urbanos do Recife tem, atualmente, 71km de extensão e é operado em três linhas férreas, que passam por 40 estações: duas são eletrificadas (Centro e Sul) e uma é de composições a diesel (VLT).
Ele atende os municípios de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho, transportando 161 mil passageiros por dia. É operado pela CBTU/STU REC, empresa pública. Entre 1998 e hoje, houve quatro expansões.
O metrô de Salvador, por sua vez, tem 33km de extensão, duas linhas, 20 estações e oito terminais integrados e opera nos municípios de Salvador e Lauro de Freitas. A Linha 1 (Lapa/Pirajá), tem 12km e oito estações, já a Linha 2 (Acesso Norte/Aeroporto), tem aproximadamente 19km e 12 estações. O sistema conta ainda com um ônibus do tipo shuttle, que faz ligação direta entre a Estação Aeroporto e o Terminal de Passageiros Aeroportuário.
A operação é feita pela concessionária CCR Metrô Bahia. A inauguração ocorreu em 11 de junho de 2014, em fase de testes. Já a operação comercial teve início em 2 de janeiro de 2016. Segundo a concessionária, o metrô transporta cerca de 330 mil pessoas por dia.
O metrô do Rio de Janeiro tem 54,4km de extensão, três linhas (1, 2 e 4), 41 estações e 64 trens. É administrado pela concessionária MetrôRio e transporta, em média, 610 mil pessoas por dia útil. Ele é um dos quatro sistemas de transporte público ferroviárioda Região Metropolitana do Rio de Janeiro — os outros são a SuperVia, o VLT Carioca e o Bonde de Santa Teresa. Três estações foram inauguradas entre 2003 e 2009, uma nova linha em 2010 e outra em 2016.
O metrô do Distrito Federal tem duas linhas, que somam 27 estações e cerca de 42,38km de extensão. O sistema é administrado pela Companhia do Metropolitano do DF e atende as regiões administrativas de Brasília, Guará, Águas Claras, Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. O sistema começou a operar em 1998 e, de lá para cá, inaugurou estações em 2006, 2008, 2009 e 2010.
Freios e aceleradores na gestão
As razões que explicam os diferentes níveis de evolução dos sistemas metroviários em outras capitais são complexas e dificilmente podem ser reduzidas a um único aspecto, avalia o advogado Raul Borelli.
“A meu ver, os locais em que houve um desenvolvimento mais consistente do transporte metroviário de passageiros, como, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro, foram aqueles em que ocorreu mais cedo a transferência da gestão e da execução dos serviços da União (que normalmente atuava por meio de empresas federais) para os respectivos estados”, pontua.
Ele lembra que a CBTU ainda faz a gestão de sistemas de transporte metroviário em diversas regiões metropolitanas, ao herdar passivos da antiga Rede Ferroviária Federal. Segundo Borelli, a empresa se caracterizou, “de modo geral, por uma operação deficitária, o que dificultou e ainda impede, nos estados em que atua, a realização de novos investimentos e a modernização do setor”.
O especialista afirma que em Belo Horizonte, a transferência dos serviços da CBTU para o estado ou para uma entidade de caráter metropolitano não ter ocorrido até então dificulta “uma gestão mais atenta às necessidades locais.”
Para Borelli, outras circunstâncias ajudam a explicar os diversos estágios evolutivos dos sistemas de metrô das capitais, entre elas, a própria diferença de qualidade no planejamento de longo prazo da evolução do sistema de transporte, especialmente o de caráter metropolitano e a existência, em alguns locais, de uma organização institucional e regulatória mais madura, que permitiu uma conexão de esforços entre estados e municípios diretamente interessados e uma integração mais eficiente entre modais de transporte.
Além disso, aponta, historicamente, alguns estados ou capitais tiveram acesso diferenciado e privilegiado a fontes de custeio ou de financiamento para a expansão da rede. Ele destaca os recursos federais destinados ao Rio de Janeiro em razão dos Jogos Olímpicos de 2016. Alguns ainda recorreram mais cedo ao apoio da iniciativa privada para modernização e expansão de sua rede, como o Rio de Janeiro e, mais recentemente, a Bahia (Metrô de Salvador), completa. (MA)
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