Valor Econômico – Concessionárias de infraestrutura estão enfrentando muitas dificuldades para utilizar precatórios como forma de pagamento de outorgas adquiridas junto à União. A Rumo Logística, por exemplo, teve que acionar a Justiça para garantir a validade da quitação de parcela de R$ 197 milhões referente ao contrato de concessão da Malha Paulista.
O uso de precatórios para esse tipo de pagamento está previsto na Emenda Constitucional 113, aprovada no final de 2021 e regulamentada no ano passado. O dispositivo autoriza a União a receber precatórios em pagamento por outorga em concessões ou alienação de participação acionária em estatais. A operacionalização, contudo, está travada.
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Segundo o Valor apurou, além da Rumo, do setor ferroviário, pelo menos três concessionárias de aeroportos estão tentando, sem sucesso, realizar, as operações, entre as quais a Inframerica, administradora dos aeroportos de Brasília e de São Gonçalo do Amarante (RN) — este último em processo de devolução à União.
No caso da Rumo, em julho do ano passado, a empresa apresentou R$ 125 milhões em precatórios como parte do pagamento da terceira parcela da outorga do novo contrato da Malha Paulista — ferrovia de 2 mil km que cruza o Estado de São Paulo. O restante da prestação, outros R$ 72 milhões, foram pagos em dinheiro.
Acontece que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não aceitou imediatamente a “moeda” e o caso foi parar na Justiça. A Rumo ingressou com mandado de segurança na Justiça Federal em Brasília para garantir a validade do pagamento e se proteger contra eventuais punições por inadimplência, como multa e juros.
Mandado de segurança
Na peça, a concessionária alega que foi a mercado comprar precatórios federais e os apresentou à ANTT como parte do pagamento. Como não houve resposta imediata e entrega de um termo de quitação por parte da agência reguladora, a Rumo optou pelo mandado de segurança.
“Saliente-se que a eficácia do referido § 11º do artigo 100 da CF é plena e imediata, não dependendo, portanto, da edição de qualquer norma regulamentadora porque o próprio constituinte derivado indicou expressamente que a referida norma é autoaplicável em relação à União”, argumenta a empresa.
Procurada, a ANTT confirmou que o caso está em análise pela Advocacia-Geral da União (AGU) e o Tesouro Nacional. A AGU havia se manifestado até o momento da publicação e a Rumo preferiu não comentar o processo. Nos bastidores do governo, a explicação é de que o dispositivo é novo e que ainda levará tempo até que comece a rodar como esperado.
“Novo bitcoin”
“Quando a emenda constitucional foi aprovada, falava-se que o precatório seria o novo bitcoin”, conta Fábio Carvalho, CEO da Aeroportos do Brasil, entidade que representa os aeroportos concedidos. “Infelizmente, a expectativa de que os créditos seriam usados com facilidade está frustrada”, admite o dirigente.
Um dos problemas enfrentados pelas concessionárias é que o governo também não dá garantias de que vá aceitar os precatórios. O argumento apresentado às empresas é de que é preciso conhecer antes a qualidade do papel. Já as empresas não conseguem se comprometer com os vendedores a adquirir os precatórios no mercado sem saber previamente se eles serão aceitos.
Saulo Puttini, sócio do Levy & Salomão Advogados, explica que a regulamentação da emenda constitucional prevê que o governo não pode se opor ao recebimento dos precatórios. Ele reconhece, contudo, a complexidade do tema. “Precatório não é dinheiro, mas, nesse caso, é como se fosse. Para ser aceito, são necessárias diligências para saber se ele é ‘líquido e certo’ ou se há alguma pendência. Isso toma tempo, ainda mais em se tratando de um instrumento novo”.
A possibilidade de pagamento com precatórios interferiu em operações feitas recentemente, como as privatizações da Eletrobras e da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), administradora do Porto de Vitória.
No caso da empresa de energia, decidiu-se por vender apenas participações do BNDESPar e da própria Eletrobras. Isso porque uma eventual oferta de ações da União poderia abrir a possibilidade de pagamento com precatórios. A emenda constitucional não obriga as estatais federais a aceitar precatórios. Por esse motivo, os novos donos da Codesa abandonaram o plano de usar o instrumento para a outorga.
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