VLT de Cuiabá é exemplo de tudo o que dá errado em obras no Brasil

O Globo (Opinião) – Em 2012, o governo de Mato Grosso começou a construir uma moderna linha de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), uma espécie de bonde, na Região Metropolitana de Cuiabá. Orçada em R$ 1,4 bilhão, a obra era parte do pacote para a Copa de 2014. Mais de dez anos depois, outras duas Copas começaram e acabaram, 2014 é apenas uma lembrança incômoda para o torcedor brasileiro, os trilhos por onde passariam os vagões estão sendo substituídos por pistas, e o VLT se transformou de uma hora para outra num sistema que será operado por ônibus. Mais de R$ 1 bilhão foi gasto, e nada ficou pronto até hoje.

O histórico da obra do VLT Cuiabá-Várzea Grande é um triste exemplo dos descaminhos do dinheiro dos contribuintes, duplamente punidos. Primeiro, ao ser obrigados a pagar por uma obra eivada de irregularidades. Segundo, ao ser privados de um transporte moderno num setor em que o país apresenta carências crônicas. Quando o projeto foi lançado, na gestão do governador Silval Barbosa (MDB), a expectativa era que os trens transportassem 160 mil passageiros por dia numa linha de 22 quilômetros e 33 estações.

Num roteiro desastroso, misturam-se incompetência, megalomania, longas batalhas jurídicas e muita roubalheira. Em 2017, uma operação da Polícia Federal com o sugestivo nome de Descarrilho apontou na obra e na compra de equipamentos indícios de fraudes em licitação, corrupção ativa e passiva, associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Segundo a PF, as empreiteiras pagaram R$ 18 milhões em propina ao governo. Estima-se um sobrepreço de R$ 120 milhões só na compra dos trens. O próprio Barbosa admitiu o esquema de corrupção. As obras foram paralisadas em dezembro de 2014 com 75% dos serviços executados.

Em 2020, o governador Mauro Mendes (União Brasil) decidiu trocar trens por ônibus. O governo alegou que concluir o VLT custaria mais que o dobro. Os trilhos trazidos da Polônia começaram a ser arrancados por retroescavadeiras. Não se sabe o que será feito dos 260 vagões já comprados na Espanha. O novo projeto foi orçado em R$ 468 milhões, com conclusão prevista para 2025. Nesse valor não estão computados os ônibus elétricos, estimados em R$ 200 milhões.

Por mais que a implantação do VLT de Mato Grosso tenha sido um erro de avaliação, é preciso considerar que já foi gasto mais de R$ 1 bilhão. Se houve roubalheira, que se punam os culpados e se peça ressarcimento. Não tem cabimento mudar um projeto quando faltam 25% para sua conclusão.

Do início ao fim, a história do VLT Cuiabá-Várzea Grande mostra tudo o que dá errado com as obras de infra-estrutura no Brasil: planejamento malfeito, contratos superfaturados, promiscuidade entre fornecedores e Estado, corrupção e dinheiro jogado fora em troca de nada para a população. Nas sábias palavras do economista Mário Henrique Simonsen, teria saído mais barato e melhor para todos pagar apenas as propinas.

Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2023/03/vlt-de-cuiaba-e-exemplo-de-tudo-o-que-da-errado-em-obras-no-brasil.ghtml

1 Comentário

  1. Essa história do VLT de Cuiabá é o mesmo drama de mercado desses “novos” investimentos no setor ferroviário brasileiro. Não existe demanda adequada aos investimentos propostos. São projetos, além desse de Cuiabá, que vão terminar igual. O objetivo e importar material ferroviário mesmo que não haja mercado para isso. Esse projeto intercidades do Gov.SP segue o mesmo erro. Ninguém vai sair de Sorocaba pegar um trem para descer na Luz no centro de SP, nem mesmo de Campinas ou Jundiaí. O problema é o mesmo,a inadequação de demanda para esses projetos que querem através de propaganda política colocar
    ferrovias na moda.A imprensa colabora com isso pois que não se ouve ninguém criticar esses projetos ferroviários inviáveis economicamente. Depois que o prejuízo acontece aí aparece críticas. A imprensa é responsável, em parte, por colaborar com essa propaganda política em favor de ferrovias inviáveis economicamente

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