Valor Econômico – A Vale, segunda maior empresa brasileira em valor de mercado, depois da Petrobras, também tem sido alvo da cobiça do governo. Nos últimos meses, circularam informações de bastidores, em Brasília, segundo as quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria de fazer o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como presidente da mineradora no lugar de Eduardo Bartolomeo. Mas não existe, no momento, nenhuma discussão no conselho de administração da Vale sobre a substituição do presidente da companhia. “O assunto não está em pauta no conselho”, diz fonte.
Na prática, o governo tem limitações para interferir na Vale dadas as regras de governança corporativa que foram sendo aprimoradas na empresa nos últimos anos. É preciso considerar ainda que a mineradora teve uma grande mudança na composição acionária desde o primeiro governo Lula, em 2003, quando a União ainda tinha participação indireta relevante na Vale, via fundos de pensão e BNDES, que vendeu as ações na empresa.
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A influência da União na Vale hoje se dá sobretudo pela Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com 8,72% das ações da empresa e dois assentos de 13 no conselho de administração, incluindo o “chairman”. Dos 13 integrantes do colegiado da Vale, 8 são considerados independentes. Há uma leitura de que se o governo tentar intervir na Vale, os independentes estrangeiros renunciariam aos cargos, criando uma crise. A Vale tem ações listadas na Bolsa de Nova York (NYSE).
Um executivo observa, porém, que por ser concessionária e explorar riqueza da União (minérios), a Vale tem interface com o governo, mas a relação precisa ser institucional: “Se o governo for usar do poder que tem sobre renovações de concessões e licenças para fazer pressão política sobre a empresa, estará cometendo uma brutalidade que chamará a atenção do mundo.”
Há que se considerar ainda que a Vale se transformou em uma empresa de capital pulverizado, listada no Novo Mercado, mais alto nível de governança da B3. E desde 2020 não tem mais acordo de acionistas. Há ainda investidores de referência locais e estrangeiros no capital, caso de Mitsui, BlackRock e Cosan.
Nesse novo perfil acionário, a governança também foi mudando, sobretudo depois das tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), o que forçou a empresa a avançar mais rapidamente na agenda ESG (sigla para temas ambientais, sociais e de governança corporativa). Nesse contexto, um processo sucessório na Vale precisa atender a uma série de normas e procedimentos internos. Não pode ser imposto de fora para dentro por pressão política, como deseja o presidente da República, sob pena de que a empresa pague, literalmente, um preço com a desvalorização das ações por interferência em uma empresa privada.
Pelas regras de governança da Vale, quatro meses antes da data de término do mandato do CEO, o conselho de administração deve deliberar sobre a necessidade de se abrir um processo de sucessão ou de renovar seu contrato. Se optar pela substituição, o CA deve contratar uma empresa internacional de seleção de executivos, que indicará três nomes. Caberá ao conselho escolher um candidato a partir dessa lista tríplice. Quando o colegiado decidir pela renovação ou pela escolha de um novo CEO, deve publicar comunicado ao mercado.
Bartolomeo tem longa história na Vale: passou por diferentes cargos no Brasil e no exterior. Ele era responsável pelas operações de metais no Canadá quando se rompeu a barragem de rejeitos de Brumadinho, que matou 270 pessoas, em janeiro de 2019. Com a tragédia, o ex-CEO Fabio Schvartsman foi substituído pelo executivo, que tem perfil operacional. Um dos focos principais do atual presidente da Vale foi a reparação de Brumadinho: “Nunca esqueceremos de Brumadinho”, disse, à exaustão.
Em abril de 2024, quando termina o mandato do CEO, ele estará completando cinco anos à frente da Vale, uma das maiores mineradoras mundiais. Não está claro o que vai acontecer, se ele será ou não reconduzido ao cargo. Mas essa discussão tem hora para acontecer, dizem fontes, e o governo, ao falar em Mantega nos bastidores, criou ruídos em uma empresa privatizada em 1997, há 26 anos.
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