O Globo – Desde o início do atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, no ano passado, conversas de bastidores apontam que o presidente gostaria de emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na presidência da Vale. Nas duas últimas semanas, o Planalto voltou à carga com a ideia, mas a influência do governo na mineradora diminuiu em relação ao que era nos governos anteriores do PT.
Hoje, o presidente usou as redes sociais para criticar a empresa, cujo Conselho de Administração tem que decidir até o fim deste mês se reconduz o atual presidente da empresa, Eduardo Bartolomeo, ou abre um processo para contratar um novo executivo como CEO.
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Lula gostaria que o substituto fosse Mantega, mas o nome dele não é bem-visto entre os sócios privados da empresa e investidores no mercado.
A principal mudança na correlação de forças na Vale se deu no fim de 2020. A empresa, uma das maiores mineradoras do mundo, passou por uma reestruturação societária e se tornou uma corporação (corporation, como preferem os analistas de mercado), ou seja, uma companhia aberta de capital pulverizado, sem um controlador definido. Nenhum dos sócios tem poder suficiente para, sozinho, dar as cartas na mineradora, privatizada em 1997.
Essa reestruturação encerrou o acordo de acionistas que deu as cartas na companhia por pouco mais de 20 anos, após sua privatização.
Esse acordo acomodava os interesses dos sócios privados, o banco Bradesco e o conglomerado japonês Mitsui, com os do governo – que manteve participações relevantes via BNDES e fundos de pensão de estatais, com destaque para a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil (BB), e mantém, até hoje, ações especiais com direito de veto em decisões sensíveis, como a venda de minas.
Representado principalmente pelo BNDES e pela Previ no acordo de acionistas, o governo conseguia influir mais diretamente na gestão de Vale, até mesmo na escolha do presidente da empresa, como ocorreu em 2011, quando Roger Agnelli deixou o cargo por pressão do governo Dilma.
Foi substituído por Murilo Ferreira, cujo nome voltou a correr nos bastidores como uma alternativa a Mantega palatável para o governo.
Após o fim do acordo de acionistas e a operação de troca de ações que pulverizou o capital, muita coisa mudou na correlação de forças na Vale. Nos últimos anos, o BNDES zerou sua participação, e a Previ reduziu sua fatia. O poder direto do governo sobre a Vale diminuiu.
A Previ segue como maior acionista da companhia, mas com uma participação direta de 8,7%. A quantidade de votos está longe de ser suficiente para eleger grande número de membros no Conselho de Administração ou de aprovar nomes de presidentes executivos numa assembleia de acionistas.
Regras rígidas para definir CEO
Para dificultar ainda mais o caminho de Mantega, como uma corporação, a Vale adotou uma série de regras de governança corporativa para a indicação do presidente. Nenhum dos observadores da gestão da mineradora crê que o ex-ministro teria currículo suficiente para passar por esse crivo.
Isso não quer dizer que a influência indireta do governo seja pequena. Em qualquer país, a última coisa que uma mineradora precisa é de problemas com governos. Minas são concessões da União e sua exploração depende de licenças estaduais.
Ferrovias também são concessões, e elas são a forma mais eficaz de chegar aos portos, por onde boa parte da produção mineral é exportada. Por isso, a habilidade para se relacionar com governos é um atributo destacado no perfil dos presidentes da Vale.
Reparação por rompimento de barragens pesa
Um importante foco de pressão são os acordos bilionários de reparação pelas tragédias de Mariana – rompimento de uma barragem da Samarco, da qual a Vale era acionista – e Brumadinho – desmoronamento de uma barragem da própria companhia, que completou cinco anos nesta quinta-feira. Esses acordos são firmamos com o Ministério Público, o Judiciário e os governos.
Em meio às pressões sobre a sucessão da empresa, Lula publicou hoje críticas à Vale nas redes sociais: “5 anos e a Vale nada fez para reparar a destruição causada”, diz uma postagem feita no X (antigo Twitter) nesta quinta-feira.
Outro foco de pressão são as concessões ferroviárias. No governo Bolsonaro, a Rumo – controlada pela Cosan, agora acionista da Vale – e a Vale firmaram com a União a renovação antecipada de concessões, com investimentos em obras e pagamentos à União como contrapartidas.
O novo governo do PT começou a renegociar essas renovações – com a Rumo, a revisão da Malha Paulista renderá um adicional de R$ 1,2 bilhão ao governo, segundo o Ministério dos Transportes.
Na Estrada de Ferro de Carajás, do Pará ao litoral do Maranhão, e na Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Vale, a revisão “ainda está em processo de negociação”, informou a pasta ao GLOBO no fim de 2023, ressaltando que há indicação do Tribunal de Contas da União (TCU) para as renegociações.
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