Aumenta a oferta dos chamados “empregos verdes”

Valor Econômico – Em 2018, Jo Taylor, de 46 anos, vivia preocupada com a crise climática e atordoada de tanto trabalho como professora de escola do ensino médio. Além disso, não conseguia encontrar um encanador para sua nova casa flutuante. Ela decidiu solucionar os três problemas de uma só tacada. “Acabei aprendendo a fazer minha própria instalação hidráulica e, depois, os amigos começaram a pedir para que eu trabalhasse na deles”, recorda. “Eu gostei disso, então decidi dar meu aviso prévio e fazer uma requalificação [profissional].”

Hoje, Taylor trabalha para a Octopus como engenheira de bombas de calor. Instala os dispositivos para melhorar a eficiência energética que as residências no Reino Unido tanto precisam.

Para que um número cada vez maior de “vagas verdes” possa ser preenchido, muitas outras trabalhadoras como ela também terão que embarcar em trabalhos diferentes. Graças aos investimentos em questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) e a programas governamentais, como a Lei de Redução da Inflação nos Estados Unidos, os mais variados setores empresariais, da energia à construção e ao transporte, têm incrementado os esforços para cumprir as metas de neutralidade de carbono – e a procura pela mão de obra para alcançá-las.

Os empregos verdes, definidos como aqueles com foco em atividades sustentáveis e ambientais, agora representam cerca de 35% das vagas no Reino Unido, segundo o LinkedIn. Entre os cargos que mais têm aumentado em número estão os de gerentes de aquisição de terras, especialistas em gestão de resíduos e analistas de sustentabilidade.

Alguns especialistas nutrem a esperança de que esse crescimento compense os empregos perdidos na transformação verde. A União Europeia estima que apenas pouco menos de 500 mil empregos, em áreas como a de combustíveis fósseis, podem desaparecer ao longo do caminho para atingir as metas de neutralidade nas emissões. Por outro lado, apenas no Reino Unido, já foram criados 250 mil empregos, de acordo com o Comitê das Mudanças Climáticas, um órgão público que assessora o governo britânico. Uma “força-tarefa verde” do governo se comprometeu em aumentar esse número para 2 milhões até 2030.

“Uma das coisas que vimos nos últimos anos é um aumento muito consistente e constante na demanda por cargos verdes”, diz Sue Duke, chefe de políticas públicas globais do LinkedIn. “No ano passado, quando vimos a contratação sendo reduzida na maioria dos setores, vimos a tendência oposta quando se tratava de empregos e habilidades verdes.”

Na Octopus, em Slough [Inglaterra], os recrutas são treinados em duas casas-modelo para instalar bombas de calor, medidores inteligentes, painéis solares e pontos de abastecimento para veículos elétricos. A divisão de serviços de energia da empresa informa ter recebido em 2023 mais de 31 mil inscrições para cerca de 1,1 mil vagas. Os salários iniciais para eletricistas e engenheiros de bomba de calor variam de 32 mil a 38 mil libras esterlinas (US$ 40,6 mil a US$ 48,3 mil) por ano, dependendo da região. A Octopus destaca que a forte demanda do consumidor faz com que não falte trabalho para os novos funcionários. Segundo a empresa, as instalações de medidores inteligentes por semana chegam a 14 mil e há cerca de 50 mil residências que se inscreveram para instalar bombas de calor.

No Reino Unido, “não faltam pessoas interessadas em trabalhar no projeto, fabricação e instalação de bombas de calor e outras tecnologias com baixo teor de carbono”, diz o executivo-chefe da Octopus Energy Services, John Szymik. “Também é uma decisão brilhante de carreira, pois significa proteger suas habilidades [profissionais] para o futuro.”

A demanda também vem crescendo em outros campos. As vendas de veículos elétricos (VEs) aumentaram 40% no Reino Unido em 2022; e nos Estados Unidos, cerca de 50% em 2023. Agora, veículos com dez anos de existência, como os da Tesla, provavelmente exigirão mais serviços de manutenção. No entanto, de acordo o Instituto da Indústria Automotiva (IMI, na sigla em inglês), apenas 39 mil dos 168,6 mil técnicos de veículos no Reino Unido estão qualificados para trabalhar em VEs. Nos EUA, apenas 1,4% dos mecânicos têm certificação em VEs.

“Se houver um longo período de forte demanda e os salários subirem, isso levaria mais pessoas a se reciclarem”
— David Oxley

Os líderes da indústria de VEs dizem que precisam de mais apoio governamental, como financiamento, para requalificar profissionais. “O que tivemos que fazer foi treinar pessoas de outras áreas da engenharia, como aeroespacial e ferroviária”, diz Justin Lunny, executivo-chefe da Everrati, uma fabricante de carros elétricos personalizados. “Mas não há muitos recursos para nos ajudar a fazer isso.”

A procura por trabalhadores administrativos para ajudar a gerenciar e financiar a transição verde também está em alta.

Depois de se formar, Arth Mishra queria trabalhar em finanças, mas, durante entrevistas com gestores de ativos e bancos de investimento tradicionais, ficou decepcionado com a continuidade do financiamento a combustíveis fósseis. Decidiu se tornar um associado na Pollination, especializada em investimentos e em consultoria sobre mudanças climáticas. Seu cargo envolve mobilizar capital privado para instalações de infraestrutura sustentável em países em desenvolvimento e reformar moradias populares no Reino Unido para torná-las mais sustentáveis em termos ambientais. “Há uma diversidade enorme de pessoas aqui, como ex-cientistas de conservação e pessoas que trabalharam em petróleo e gás e tiveram um ‘momento de revelação’”, diz. “(Também) há pessoas que trabalharam em finanças e gestão de ativos tradicionais.”

Ian Culligan trabalhou como fisioterapeuta por dez anos antes de se tornar chefe de saúde e meio ambiente na equipe clínica da firma de seguro-saúde Bupa. Agora, ele ajuda profissionais de saúde a reduzir as emissões, por exemplo, usando menos luvas descartáveis de plástico, desligando a iluminação desnecessária ou atendendo a pacientes de forma remota. O setor de saúde foi responsável por 5% das emissões mundiais em 2020, segundo a revista científica médica “The Lancet”.

Culligan precisou de três anos para mudar de função e ele teve que descobrir um caminho próprio. “Eu sabia como recolocar o ombro de alguém, mas não como gerenciar projetos”, diz. “No que se refere a sustentabilidade [na saúde], não há muito disso por aí.”

A demanda por funções verdes e por treinamento para que alguém possa desempenhá-las é impulsionada por políticas governamentais e investimentos privados. Como parte da Lei de Redução da Inflação nos EUA, por exemplo, há um fundo de US$ 1 bilhão que ajuda empresas a encontrar substitutos neutros em carbono para veículos poluentes e inclui a concessão de bolsas para treinar trabalhadores para a manutenção desses substitutos.

Algumas empresas, como a Octopus, Bupa e Pollination, financiam o aprendizado dos trabalhadores. É comum, porém, que a conta precise ser paga pelos funcionários. O governo do Reino Unido oferece 500 libras a profissionais de áreas relacionadas para cobrir parte do custo para que se qualifiquem para a instalação de bombas de calor, mas o risco de que o investimento não traga retorno afasta alguns.

As políticas governamentais também têm um histórico ambíguo na criação de empregos verdes, sendo que a indecisão dos políticos aumenta a incerteza quanto às vagas. De acordo com a Agência Nacional de Estatísticas do Reino Unido, o número de empregos na área de energia eólica terrestre quase caiu pela metade desde 2015, depois que o governo impôs efetivamente uma proibição de novos projetos.

O Comitê das Mudanças Climáticas advertiu que, no Reino Unido, o governo precisa de planos mais claros “para aproveitar o potencial da transição e gerenciar seus riscos”. “Eu acredito que as dinâmicas do mercado funcionarão ao longo do tempo – se houver um longo período de forte demanda e os salários aumentarem estruturalmente, isso levaria mais pessoas a se reciclarem”, diz David Oxley, da Capital Economics. “Eu só não acho que tenhamos visto sinais fortes o suficiente para permitir que isso aconteça em massa.”

Fonte: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/02/05/aumenta-a-oferta-dos-chamados-empregos-verdes.ghtml

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