Regulação ainda é fraca em Estados e municípios

Valor Econômico – Apesar da proliferação das concessões nos Estados e municípios do país, a qualidade das agências reguladoras locais – responsáveis por fiscalizar, promover reajustes de tarifa e arbitrar conflitos – não tem avançado no mesmo ritmo, avaliam especialistas e empresas. Esse descompasso se traduz em riscos de instabilidade regulatória, para os investidores privados, e de má qualidade dos serviços e tarifas elevadas, para os usuários.

“A regulação no Brasil melhorou nos últimos 25 anos, especialmente no âmbito federal. Mas nos Estados e municípios, a situação ficou muito para trás”, afirma Paulo Furquim, professor e coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Insper.

“Vemos todo o tipo de problema, de governança, autonomia decisória, independência financeira, transparência. É difícil apontar, nos Estados e municípios, uma referência que tenha conseguido superar esses desafios”, afirma Joisa Dutra, diretora do FGV Ceri (Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura).

Mesmo nos governos mais maduros, há fragilidades. Em uma análise dos cinco Estados e municípios com mais concessões vigentes – segundo dados da consultoria Radar PPP, são os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e o município de São Paulo -, é possível constatar a ausência de alguns critérios [considerados básicos.

Na capital paulista, a SP Regula, criada em 2020, não tem diretoria com mandato fixo nem área técnica concursada, fatores que garantem mais independência e qualidade à tomada de decisões.

Na Bahia, a Agerba (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia) e a Agersa (Agência Reguladora de Saneamento) tampouco têm diretorias com mandato fixo. Na Agersa, uma resolução interna determina que algumas decisões devem ser submetidas ao governador.

Mesmo no Estado de São Paulo, que é referência positiva no mercado, são apontados problemas. Hoje não há órgão regulador para os contratos de metrô, que são orientados pelo Executivo, por meio da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões de Serviços Públicos dos Sistemas de Transportes de Passageiros (CMCP) – criada como provisória em 2006, e vigente até hoje.

Situação semelhante acontece nas concessões de rodovias de Minas Gerais, que são reguladas por um comitê de transportes.

Na Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), uma queixa do setor privado é que historicamente houve interferência do Executivo.

Um exemplo recente se deu em meio à eleição de 2022, quando o governo adiou o reajuste de pedágios para dezembro, após o resultado das urnas.

“Nos últimos 25 anos, a regulação melhorou no âmbito federal, mas ficou para trás nos Estados e municípios”
— Paulo Furquim

Apesar das críticas aos órgãos desses cinco governos, empresas e analistas apontam que a situação é ainda pior no restante do país.

Os desafios citados são diversos. Dutra aponta a falta de transparência e participação, dado que as discussões raramente são traduzidas para uma linguagem acessível. Para Frederico Turolla, sócio da Pezco Economics, um fator problemático é o número excessivo de órgãos reguladores no Brasil, o que dificulta que todas tenham qualidade técnica.

Outro problema recorrente é a demora para resolver conflitos, diz Marco Aurélio Barcelos, presidente da Associação de Concessionárias de Rodovias (ABCR). “Há uma dificuldade de enfrentamento de passivos regulatórios. As discussões completam aniversário. Um exemplo são os reequilíbrios econômico financeiros da pandemia. A agência federal trouxe resposta rápida, mas não temos resposta definitiva em nenhuma agência infrannacional.”

Todos essas fragilidades na regulação trazem um impacto direto na capacidade dos governos de atrair investidores. “É um típico fator que mata projetos. Em boa parte do país, os investidores não disputam leilões porque a regulação não é adequada”, diz Turolla.

Porém, a maior preocupação é sobre a prestação do serviço. “O risco de uma regulação mal feita é não trazer tarifas módicas, não melhorar a qualidade do serviço, não atuar na universalização do serviço e permitir comportamentos anticoncorrenciais e práticas indevidas”, diz ele. “O maior risco é não ter o serviço. É o que vemos, por exemplo, em companhias de saneamento com tarifa cara e baixo índice de coleta de esgoto. Ou quando vemos pessoas dormindo na praia de Niterói por interrupção da energia”, afirma Dutra.

Nos próprios Estados, há a percepção de que melhorias são necessárias. O governo paulista planeja criar um órgão regulador para metrôs e trens. “A ausência de uma agência de trilhos afasta investidores. Estamos estudando qual a melhor solução, se é criar uma nova agência ou incorporar à Artesp”, afirma Rafael Benini, secretário de Parcerias em Investimentos. Ele diz que haverá alguma definição ainda em 2024.

Já em relação à Artesp, ele rebate as críticas. “Fui por 4 anos da agência e dei todos os reajustes, de 2016 a 2019, completos, sem interferência. Em 2022, o reajuste não foi dado, mas o reequilíbrio foi concedido de forma concomitante.” Ele também afirma que o governo planeja concursos para ampliar o corpo técnico das agências. Procurada, a Artesp diz que o adiamento dos reajustes em 2022 foi postergado para depois da eleição “devido à sensível conjuntura econômica na ocasião” e afirma que é “independente e não sofre influências de setores públicos ou privados”.

O governo de Minas também se prepara para criar uma agência reguladora para substituir o comitê de transportes, diz o secretário de Infraestrutura e Mobilidade, Pedro Bruno. “O tema da regulação é prioridade. Criamos uma subsecretaria de regulação e estamos preparando a criação da agência, o que depende de aprovação legislativa. A meta é encaminhar no primeiro trimestre o projeto de lei.”

O Rio Grande do Sul também planeja fortalecer a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) por meio de projeto de lei. “Queremos modernizar e dar mais capacidade à agência. A ideia é trazer os avanços que foram feitos pela lei federal das agências em 2020”, afirma o secretário estadual de Parcerias e Concessões, Pedro Capeluppi. A Agergs também destacou o projeto de “fortalecimento institucional e das carreiras da agência, de modo a fazer frente a diversos serviços novos regulados, como rodovias e aeroportos”.

Procurada, a SP Regula afirmou que “não identifica problemas” quanto à lei de criação da agência reguladora, que “estipula que a agência deve ter seus diretores selecionados com base em perfil técnico, em regime especial no gabinete do prefeito”.

A reportagem não conseguiu contato com a Agerba e a Agersa. Procurado a respeito, o governo da Bahia não se manifestou.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/02/05/regulacao-ainda-e-fraca-em-estados-e-municipios.ghtml

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