Valor Econômico – Enquanto o mercado de crédito privado vive um momento de euforia, com forte demanda pelos títulos isentos de Imposto de Renda, dezenas de emissões estão represadas à espera da regulamentação da lei que criou as debêntures de infraestrutura, cujo incentivo fiscal vai para o emissor, e não para o comprador, como acontece nas incentivadas. A própria redação da lei 14.801, editada em 9 de janeiro, dava prazo de 30 dias para que esse decreto normativo saísse, ou seja, um atraso que já passa de um mês.
Segundo Alberto Faro, sócio do Machado Meyer Advogados, esse vácuo está fazendo muitas empresas segurar suas operações, para decidir qual instrumento usar. Além disso, vem afetando as autorizações necessárias às captações via debêntures incentivadas. Levantamento feito pelo escritório mostra que a liberação desses documentos pelos ministérios caiu 64% frente a 2023.
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A nova lei eliminou a exigência da autorização projeto a projeto, prevista na lei 12.431, que criou as incentivadas em 2011. No entanto, essa mudança também está à espera de regulamentação. Em teoria, a legislação antiga está valendo – mas, na prática, a engrenagem não está funcionando.
O levantamento do Machado Meyer revela que, entre 1º de janeiro e 11 de março deste ano, apenas cinco autorizações, emitidas por meio de portarias, foram publicadas, sendo três do Ministério de Minas e Energia e duas dos Transportes. Em 2022, no mesmo período, foram 39 e, em 2023, em meio à grave crise de Americanas e Light, 14. “Vários projetos precisam seguir e não conseguem. Estamos num lapso temporal, o que é um ambiente indesejado”, diz Faro.
Fontes ligadas às conversas na Casa Civil em torno do decreto que vai regulamentar a lei afirmam que o atraso reflete uma espécie de queda de braço, com a resistência de ministérios que querem de alguma forma continuar definindo os projetos prioritários. Do outro lado, emissores, originadores e investidores receberam muito bem a possibilidade de eliminação dessa etapa, que costuma durar de 30 – caso dos mais ágeis, como o de Minas e Energia – a 90 dias (Saúde, Educação e Comunicações, por exemplo). De acordo com Celso Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados, a partir da autorização, montar uma operação leva até 60 dias. “Liberar das portarias é um grande avanço.”
Como as emissões têm prazo médio de cinco anos, as empresas que podem estão esperando. No entanto, esse represamento, combinado com as restrições às emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs), adotadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no início de fevereiro, acaba tendo impacto maior, porque as duas alternativas isentas estão mais difíceis no cardápio. O advogado conta que há ao menos seis projetos, que somam R$ 1 bilhão, parados em seu escritório. “Estamos sentindo o efeito real de o mercado de capitais não estar caminhando como deveria por conta desse atraso”, comenta Contin. No Machado Meyer, Faro estima que são três estacionados, num total de R$ 1 bilhão.
“Estamos sentindo o efeito real de o mercado de capitais não estar caminhando como deveria”
— Celso Contin
No Barreto Veiga Advogados, a cifra chega a R$ 1,2 bilhão em três operações. Segundo Marcelo Ikeziri, chefe da área de bancos, serviços financeiros, DCM (dívida) e ativos digitais do escritório, no quadro geral do mercado, a maior parte das empresas que estão segurando seus projetos é dos setores de energia, saneamento, transportes e logística, os principais emissores de 2023. “Enquanto o decreto não sai, não temos visibilidade sobre qual caminho tomar”, avalia.
Ikeziri cita outro ponto nebuloso da Lei 14.801, que descreve que a empresa poderá deduzir do lucro líquido, para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), 30% do total de juros pagos pelas debêntures. Como os títulos geralmente pagam um indexador mais a taxa, como IPCA mais 3%, por exemplo, a dúvida é se o índice de correção entra na conta. “O mercado espera esse posicionamento para destravar a debênture de infraestrutura”, diz uma executiva de uma asset forte em crédito. “Se não puder incorporar o IPCA ao cálculo, para as companhias não vai fazer sentido. Elas vão preferir continuar na incentivada, porque o custo não vai compensar”, acrescenta. Como o incentivo fiscal da nova debênture é dado ao emissor, o chamariz para o investidor será a taxa mais alta.
Outra expectativa é em relação à inclusão do segmento de geração distribuída de energia, em ampla expansão no Brasil mas até agora excluída dos benefícios da 12.431. Contin, do Vieira Rezende, explica que o entendimento do ministério até agora é que não há amparo legal para esses projetos entrarem na lei. Atualmente, estão previstos como setores passíveis de emitir debêntures incentivadas logística e transporte; mobilidade urbana; energia; telecomunicações; radiodifusão; saneamento básico; irrigação; educação; saúde; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos e unidades de conservação; equipamentos culturais e esportivos; e habitação social e requalificação urbana. “Há dois anos temos a expectativa de a geração distribuída entrar nas incentivadas, mas até hoje nada. Nas de infraestrutura esperamos que seja incluída”, comenta Ricardo Stuber, sócio do TozziniFreire Advogados.
Procurada pelo Valor, a Secretaria da Casa Civil respondeu apenas que a proposta de regulamentação está “em tratativas finais”. “Temos visto um ‘pipeline’ [operações em preparação] crescente em debêntures desde a mudança do CMN, mas aquém do que o mercado gostaria”, ressalta a executiva da asset. Dados da Anbima mostram que de janeiro a fevereiro as emissões de incentivadas chegaram a R$ 8,5 bilhões frente aos R$ 3,9 bilhões do mesmo período de 2023.
Fabio Jacob, diretor da área de estruturação de crédito do BNP Paribas Brasil, conta que o banco tem conversado com várias companhias à espera da regulamentação. “Estamos na expectativa das normas complementares, porque temos um pipeline represado não só de debêntures de infraestrutura como de incentivadas.”
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