Aposta do governo de arrecadação com ferrovias parece cada vez mais distante

Valor Econômico – O Ministério da Fazenda cortou pela metade as receitas previstas para 2024 com a repactuação de concessões ferroviárias, diante das incertezas a respeito dos acordos fechados ou em negociação com as empresas responsáveis, mas o valor apresentado não convenceu economistas. A percepção é que o governo entendeu a situação apenas como uma postergação dos pagamentos e os valores esperados serão divididos entre 2024 e 2025, mas continuam acima do montante que deve entrar em caixa principalmente considerando que o acordo final com a Vale caminha para ficar bem abaixo do que chegou a ser previsto.

Desde 2023, o Ministério dos Transportes discute com as operadoras ferroviárias a renegociação dos aditivos firmados no governo passado, por entender que a gestão anterior fechou acordos excessivamente vantajosos às empresas. Ao todo, três companhias firmaram a renovação antecipada de suas concessões por mais 30 anos, em troca de novos investimentos: a Rumo (de sua concessão da Malha Paulista); a Vale (da Estrada de Ferro Carajás e da Estrada de Ferro Vitória-Minas); e a MRS.

Quando as conversas tiveram início, já havia a percepção de que os valores inicialmente previstos pela atual pasta de Transportes estavam inflacionados, o que tem se confirmado.

A Rumo, primeira a assinar o acordo, deverá desembolsar R$ 1,2 bilhão a mais do que o originalmente previsto. Porém, desse montante, apenas R$ 670 milhões de fato vão para o caixa do governo, em pagamento reconhecido como “adicional de vantajosidade”. Os demais R$ 500 milhões serão aplicados em novos investimentos na própria malha.

A negociação com a Vale tem sido a mais difícil. O acordo final deverá ficar em torno de R$ 15 bilhões no total, segundo duas pessoas a par do tema, que falaram sob condição de anonimato. A previsão inicial no orçamento era de R$ 25 bilhões.

Além disso, uma das fontes diz que, tal como no caso da Rumo, nem tudo necessariamente vai para o caixa do governo, porque parte do montante pode se referir, por exemplo, a investimentos adicionais em obras ou reequilíbrios econômico-financeiros do contrato que a Vale deixará de pleitear. A fonte estima que o pagamento em si deve ficar por volta de R$ 9,5 bilhões. Apesar dos embates duros travados entre governo e empresa desde o ano passado, o acordo está perto de ser anunciado, dizem fontes.

No caso da MRS, o acordo divulgado em fevereiro prevê adicional de R$ 2,6 bilhões. O aditivo, porém, ainda será formalizado e não há detalhes sobre quanto desse total virá em forma de pagamento.

Antes da primeira revisão bimestral das receitas e despesas, em março, o governo esperava receber R$ 34,5 bilhões só com a repactuação das ferrovias em 2024 – R$ 44,4 bilhões com concessões e permissões no total. Reportagem do Valor mostrou que houve divergência entre os ministérios da Fazenda e dos Transportes em torno da estimativa para a conta das ferrovias.

Na época, o Tesouro pediu ao Ministério dos Transportes uma atualização dos valores, mas a pasta manteve a cifra, alegando impossibilidade de refazer o cálculo. A Fazenda optou, então, por cortar o valor pela metade, reduzindo em R$ 17,2 bilhões a projeção anteriormente informada. As concessões e permissões totais passaram para R$ 31,6 bilhões.

Em despacho, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, escreveu que a medida foi tomada por prudência, “até que tenhamos informações mais assertivas sobre tais acordos e cronograma de pagamento”.

“Quando eles foram questionados se estavam esperando que fosse entrar menos recursos, eles responderam que estavam deslocando no tempo. Então, os cerca de R$ 34 bilhões viraram mais ou menos R$ 17 bilhões e a sugestão é que a outra metade vai entrar no ano que vem”, diz Fábio Serrano, economista do BTG Pactual.

Ele observa que ainda não é possível enxergar isso no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, entregue pelo governo em abril, porque o documento não é tão detalhado quanto o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que só será conhecido em agosto. Mas Tiago Sbardelotto, economista da XP, tem a mesma interpretação. Os números, segundo ele, continuam superestimados.

“Houve um ajuste para reduzir o valor que entraria neste ano, tendo como justificativa um diferimento do pagamento, já que as empresas e o governo estão negociando, mas a gente sabe que, na verdade, a arrecadação potencial tende a ser muito menor do que o governo está colocando na conta”, afirma.

Sbardelotto estima que o governo receba de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões pelas repactuações neste ano. Do acordo de R$ 2,6 bilhões com a MRS, por exemplo, ele prevê que metade pode entrar nos cofres do governo e, ainda assim, em um prazo de quatro anos. “Não seria nada muito significativo em 2024, talvez algo próximo de R$ 600 milhões, R$ 700 milhões”, diz.

“A gente sabe que, na verdade, a arrecadação potencial tende a ser muito menor”
— Tiago Sbardelotto

No caso da Vale, se o governo conseguir algo entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões do acordo contabilizado como resultado primário, nas contas da XP, já será bastante.

Na reportagem do Valor de abril, o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, disse que a pasta apresentaria à Fazenda estimativas atualizadas das receitas no próximo relatório de avaliação bimestral, que será divulgado neste mês.

Ainda que os cerca de R$ 17 bilhões com repactuações em 2024 não parecem factíveis, por enquanto, o governo deve manter o cálculo porque depende dessas receitas para fechar o Orçamento do ano, afirma Sbardelotto. “Mas, à medida que esse processo for avançando, se tiver acordo assinado, é provável que o governo tenha de rever esse número para baixo.”

Embora o governo não tenha trazido isso tão explicitamente no ano passado ao abordar as medidas para aumentar a arrecadação de 2024, a repactuação era uma das principais ações que ajudariam a fechar o orçamento e chegar à meta de primário zerado proposta, diz o economista da XP.

Para ter uma ideia do que representam esses recursos, segundo Sbardelotto, sem os R$ 17 bilhões na próxima revisão bimestral, teria de haver contingenciamento de despesas e não seria possível abrir os cerca de R$ 15 bilhões em créditos adicionais, cuja antecipação foi aprovada no Congresso e que poderiam ter uma parcela direcionada à tragédia no Rio Grande do Sul.

O governo tenta, a cada revisão bimestral, fechar as projeções de 2024 sem precisar contingenciar, observa Serrano. “Ele conseguiu fazer isso na primeira revisão e parece que tem uma chance razoável de conseguir fazer na segunda de novo, mas ele precisa contar com os R$ 17 bilhões que sobraram de ferrovias, para manter suas projeções em pé e, enquanto isso, ir buscando novas fontes de recurso.”

Em um momento em que “não há uma grande bala de prata”, afirma Serrano, “todos os projetos são importantes”, mas, para ele, “é bem baixa” a probabilidade de os recursos com ferrovias caírem na conta do governo Neste ano. “E, dentro da linha de concessões, não me parece ter nenhum ‘plano B’ para substituí-los. A agenda de concessões deste ano é bem tímida, muito do que está previsto [em receitas] vem de projetos aprovados no ano passado”, afirma.

Para Sbardelotto, a divisão dos ganhos com as repactuações entre 2024 e 2025 seria um “meio do caminho” encontrado pelo governo “para não abrir mão dessa projeção, mas também reduzir a dependência dela no ano”.

Além da percepção dos valores superestimados, há dúvidas sobre o quanto os recursos ajudarão no resultado primário. A pasta de Transportes anunciou em abril que o valor arrecadado das repactuações vai financiar um plano nacional de ferrovias, com previsão de R$ 20 bilhões de novos investimentos. Uma ideia é usar os recursos como aporte público em novas concessões patrocinadas, como a da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) e da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste).

Serrano lembra que, no caso recente da Eletrobras, parte dos recursos adquiridos com a privatização não passou pelo Orçamento e entrou em alguns fundos “por fora”, para financiar, por exemplo, a revitalização da bacia do São Francisco. “Mesmo no caso da Rumo, existe uma dúvida se isso será contabilizado no resultado primário, que é a vontade da Fazenda, ou se vai ser fora do Orçamento”, afirma.

Além das renegociações dos aditivos firmados na gestão passada, o ministério também discute a renovação antecipada da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), da VLI, em troca de novos investimentos. As discussões têm sofrido altos e baixos, mas atores próximos ao tema acreditam que o acordo sairá. Segundo uma fonte, a dificuldade de acordo com a Vale, uma das acionistas da VLI, vinha sendo um entrave adicional, então o avanço das conversas com a mineradora também facilitam um acordo para a FCA.

Porém, o ministério já afirmou que eventuais outorgas obtidas a partir dessa renovação também seriam convertidas em novos investimentos no setor.

Procurado, o Ministério dos Transportes não se manifestou. A Vale diz que “está em discussões avançadas com o Ministério dos Transportes” sobre o tema e que os contratos “são regularmente executados” pelo grupo.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/05/13/aposta-do-governo-de-arrecadacao-com-ferrovias-parece-cada-vez-mais-distante.ghtml

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