Descarbonizar transporte público vai além do ônibus elétrico

Valor Econômico – Governos, empresas e instituições ao redor do mundo buscam reduzir a dependência econômica do uso de combustíveis fósseis para fazer frente aos danos cada vez mais intensos associados à emergência climática. No setor de transportes, globalmente a segunda maior fonte de emissões de CO2, a transição tem como principais protagonistas os veículos elétricos, que, em um país como o Brasil, com geração de eletricidade majoritariamente limpa, contribuiriam muito para a meta de neutralidade em carbono até 2050.

A cidade de São Paulo possui a maior frota de ônibus urbanos do país, em sua quase totalidade movidos a diesel. Essa frota é uma das maiores contribuintes para a baixa qualidade do ar na cidade. Nesse cenário, os ônibus elétricos passaram a ser entendidos como uma possível solução pois, além de emitirem menos gases de efeito estufa, também contribuem com a melhoria da qualidade do ar e para a redução da poluição sonora.

A adoção de ônibus elétricos no município está sendo incentivada no contexto da Lei n° 16.802/2018, a “Lei do Clima”, que determina redução nas emissões de CO2 de 50% até 2028 e de 100% até 2038 durante o uso de veículos, em relação aos níveis de 2018. A prefeitura obteve um financiamento de R$ 2,5 bilhões (via BNDES) para adquirir 1.600 veículos, parte da meta municipal de ter 2.600 veículos elétricos (ou 20% da frota total) até o final de 2024.

No entanto, atrasos na implementação da infraestrutura de carregamento de baterias devido a dificuldades nas negociações entre prefeitura, operadoras de ônibus e a Enel X, empresa responsável pela infraestrutura, já devem comprometer o cumprimento das metas propostas, evidenciando a complexidade envolvida na substituição da frota a diesel por uma 100% elétrica.

Uma vez que a Lei 16.802/2018 não determina qual a tecnologia “mais limpa e sustentável” deve substituir os ônibus a diesel, aliado ao fato de o Brasil ser protagonista na produção e uso de biocombustíveis, outras soluções tecnológicas deveriam ser consideradas como opções viáveis para um transporte público coletivo de baixo carbono.

Para contribuir com o debate, o Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade da Universidade de São Paulo, o Mobilab/USP (sites.usp.br/mobilab), realizou um estudo que aponta caminhos nesta direção. Comparou-se as emissões de CO2 de ônibus com diferentes tecnologias de motorização e combustível para a cidade de São Paulo. Para um ônibus de referência do tipo Padron, foram avaliados motores a combustão interna, híbridos e 100% elétricos. Para os primeiros, os combustíveis selecionados foram diesel, biodiesel, etanol, gás natural fóssil ou biometano. A operação dos motores híbridos foi considerada a partir do diesel ou do biodiesel, sendo que os elétricos abastecidos eletricidade nacional.

Utilizando a metodologia Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), foi possível analisar as emissões considerando toda a cadeia de valor, incluindo as fases de extração de matérias-primas, manufatura de componentes, produção dos veículos, combustíveis e eletricidade, queima dos combustíveis, manutenção e descarte dos veículos. Esta abrangência da ACV torna a quantificação de emissões mais realista do que o adotado pela prefeitura por meio da Lei do Clima, que inclui somente as emissões relativas à circulação dos ônibus.

Os veículos e combustíveis também foram avaliados do ponto de vista econômico a partir da análise de seus Custos Totais de Propriedade (CTP), que englobam todos os custos ao longo do ciclo de vida dos veículos (aquisição, operação, financiamento e descarte). Esta dimensão é necessária à análise pois a Lei do Clima exige que qualquer custo adicional associado à transição da frota de ônibus mantenha o equilíbrio dos contratos de concessão.

Os resultados indicam que, nas condições operacionais de São Paulo, ônibus 100% elétricos são os menos emissores, seguidos dos movidos a biometano. Para um mesmo combustível, os motores híbridos apresentam maior eficiência energética do que os convencionais, com redução de 20% nas emissões. A fase de produção e consumo das fontes energéticas possui a maior participação nas emissões para todas as alternativas, com exceção da 100% elétrica, cujas emissões na fase de produção e manutenção do veículo representam 60% do total.

No que diz respeito à análise econômica, o estudo aponta que a maioria das tecnologias alternativas de ônibus apresentam um menor CTP do que os convencionais a diesel. No caso dos elétricos, apesar de possuírem um custo de capital três vezes superior aos a diesel, suas economias operacionais o tornam menos de 1% mais caros do que os a diesel. Para os ônibus a etanol, a baixa eficiência energética acarreta um elevado custo de abastecimento, sendo que seu CTP destes foi o maior entre as alternativas avaliadas. Já para os ônibus híbridos, a maior eficiência energética justifica um CTP pelo menos 15% menor do que os convencionais.

Embora as alternativas elétricas sejam menos emissoras nas condições analisadas, o biometano desponta como boa alternativa para a descarbonização do setor de transporte público coletivo. As matérias-primas para sua produção provém de resíduos agroindustriais, estrume animal e resíduos urbanos, ou seja, 100% nacionais, constituindo sinergias com estes setores econômicos.

Além disso, ônibus a biometano possui custo de capital não muito diferente dos modelos a diesel, pois, além da produção localizada, aproveita a infraestrutura de distribuição do gás natural. No momento, a principal barreira para a adoção é sua baixa oferta, sendo que atualmente apenas seis plantas comercializam este biocombustível. A expectativa da Associação Brasileira de Biogás são de que este número suba para 87 até 2029.

A opção de ônibus híbridos deve também ser considerada, uma vez que esta não necessita de uma rede de postos de recarga o que, na situação atual da cidade de São Paulo, configura uma opção para acelerar o processo de descarbonização.

Em resumo, os resultados do estudo corroboram o potencial verde da eletrificação da frota de ônibus, sendo a tecnologia menos emissora. Por outro lado, estes veículos apresentam maior complexidade para a sua produção, elevado custo de capital e desafios na implementação e gestão da infraestrutura de carregamento.

Além da consideração das várias alternativas tecnológicas, o planejamento visando uma mobilidade urbana sustentável precisa considerar tarifas acessíveis, conforto durante as viagens e um redesenho de rotas e frequência dos ônibus que leve em conta a real demanda de viagens pela população. Descarbonização, qualidade dos serviços e tarifas acessíveis devem ser consideradas de forma conjunta e integrada pela a autoridade municipal.

Tiago Zillio é engenheiro de produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP)

Roberto Marx é professor do Departamento de Engenharia de Produção da USP, coordenador do Mobilab USP e diretor de operações da Fundação Vanzolini.

Adriana Marotti de Mello é professora do Departamento de Administração da FEA-USP e coordenadora do Mobilab USP.

Juliano Pelegrina é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEA-USP.

Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/descarbonizar-transporte-publico-vai-alem-do-onibus-eletrico.ghtml

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