Valor Econômico – A reforma tributária se apresentou como uma mudança de tributação sobre o consumo, estimulando dentre outras coisas a alimentação básica e de qualidade e a inovação científica. No rol de seus objetivos estão o crescimento econômico de forma sustentável, gerando emprego e renda, a redução da carga sobre o setor produtivo e a defesa do meio ambiente; a simplificação de todo o processo de prestação de contas; etc.
Apesar do texto da reforma ter bastante enfoque e benefícios para o setor industrial, verifica-se que o setor do agronegócio foi um dos contemplados na redação final aprovada, tanto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/19 quanto da Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 e, mais recentemente, do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024.
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Vale dizer que o agronegócio sempre foi estigmatizado como “um setor com muitos benefícios fiscais”. Para quem opera na área, sabe-se que os chamados “benefícios tributários” são e sempre foram ajustes fiscais objetivando viabilizar o tipo de negócio. Pelas inúmeras intempéries próprias da atividade rural e sua função social e econômica estratégica para o país, o setor exige um tratamento mais específico afim de viabilizar, em especial, fluxo de caixa e crédito para financiamentos diversos necessários ao custoso processo produtivo como melhoria de maquinário, de grãos, sementes ou sêmens, assim como implementação de maquinários que aumentem a produtividade.
Partindo desse pressuposto, verifica-se da EC 123/23 e do PLP 68/24 um sistema “reformado” que traz vários tipos de exceções e diferenciações para o setor tais como não incidência constitucional ou legalmente qualificadas; redução de alíquotas ou alíquotas zeradas (30, 60, 100); alíquotas e bases de cálculo específicas para o setor, podendo incidir inclusive sobre a receita/faturamento; regimes especiais/específicos com manutenção de crédito; crédito presumido de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)/Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); regime opcional para ingresso no IBS/CBS para produtor; etc.
Para o IVA Dual (IBS/CBS), tem-se alguns avanços frutos de uma histórica briga judicial, tais como o cálculo do IVA por fora, marcando o fim do gross up sobre os produtos. Confere redução de 100% da alíquota a produtos hortícolas, frutas e ovos e produtos da cesta básica nacional (conforme listado no Anexo XVI do PLP 68/24). Reduz em 60% a alíquota de alimentos para consumo humano (conforme listado nos Anexos I e VIII do PLP 68/24) bem como produtos e insumos agropecuários, pesqueiros e florestais (conforme listado no Anexo X do PLP 68/24), deixando para uma nova lei complementar definir quais são, dando início a um emaranhado legislativo. Lembrando que, na forma do artigo 127 do PLP, a redução só vale se os produtos “estejam registrados como insumos agropecuários ou aquícolas no órgão competente do Ministério da Agricultura e Pecuária”, outro potencial caminho de limitação prática à redução.
Da leitura dos produtos listados em cada anexo do PLP 68/24, depreendem-se alguns pontos que deixam a desejar e preocupam, especialmente quanto aos poucos NCMs que foram beneficiados. Para exemplificar o reduzido rol elencado para a alíquota de 60%, o Anexo X do PLP 68/24, que trata de insumos agropecuários reduzidos, não prevê nenhum produto do Capítulo 25 (corretivo de solo agrícola) ou do Capítulo 31 (fertilizantes), o que mostra que a redução para o agro é bem pontual e nem sempre atenderá os insumos efetivamente necessários e consumidos dentro da porteira, absorvendo os processos produtivos rurais ou agroindustriais originadores das commodities. Naquilo que a redução não se aplica e há efetivo uso no processo produtivo, o setor internalizará a conta ou repassará no preço, o que ensejará de qualquer forma aumento no custo dos produtos primários resultantes.
Por fim, verifica-se da não cumulatividade “plena” do IBS/CBS exemplos já presentes de limitações indicando que ela tende a não ter tanta plenitude assim na prática. Por exemplo, ela é excepcionada no texto atual do PLP quando prevê que as isenções (nível legal) ou as imunidades (nível constitucional) não geram crédito para compensação na operação seguinte e implica em anulação do crédito às operações anteriores. A exceção da regra de não creditamento pode ser prevista de forma expressa em lei complementar, o que gera nova necessidade de quórum qualificado de aprovação no Congresso Nacional e, logo, dificuldades políticas para obter qualquer mudança legislativa no sentido de garantir o crédito operacional.
Diante disso, até o momento, verifica-se para a bancada do agronegócio que a reforma olha pouco para esse importante setor produtivo, especialmente considerando suas nuances particulares. Oferece uma solução parcial para o equilíbrio da nova carga fiscal, redutora dos atuais benefícios ao setor e mediante um sistema legislativo engessado e complexo, especialmente no que toca a regulação do crédito, fator importantíssimo para regular a carga tributária total da operação e produtos finais. Assim, dentre outras coisas, é preciso acompanhar de perto o rol dos produtos dos Anexos X e XVI do PLP 68/24, afim de que não haja um aumento de carga num setor de produtos primários, cuja repercussão na cadeia tende a resultar em um final aumento efetivo de preços em produtos essenciais.
Florence Cronemberger Haret Drago é sócia da área fiscal do NHM Advogados, com pós-doutorado em Direito Econômico e Financeiro na USP
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/a-reforma-tributaria-no-setor-do-agronegocio.ghtml
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