BNDES vai executar dívida de R$ 1,3 bilhão da Supervia diante de impasse com governo

O Globo – O BNDES pedirá à Justiça, nesta sexta-feira, a execução de uma dívida de R$ 1,3 bilhão da Supervia junto ao banco público de fomento, disse ao GLOBO o diretor jurídico da instituição, Walter Baère. O movimento tende a agravar a situação financeira da concessionária de trens urbanos do Rio, que vem alertando para risco de falência e trava queda de braço com o governo do Estado sobre o futuro da concessão.

A decisão do BNDES, explica Baère, é consequência da “clara deterioração das condições para uma solução negociada.” Segundo o executivo, o banco se vê na obrigação legal de executar a dívida por falta de clareza sobre o prosseguimento da concessão, o que “prejudica fortemente as perspectivas de recebimento da dívida pelo BNDES.”

— Do ponto de vista da governança, não nos resta alternativa senão executar a dívida. Esta diretoria do BNDES negocia o tema há um ano e sete meses. Fizemos uma série de reuniões com a Supervia, com a Secretaria de Transporte e também com o governador. Mas somos apenas um credor, e quem tem competência para agir é o governo do Estado, poder concedente. E, até agora, não observamos um plano estratégico por parte do Estado do Rio para resolver essa questão — afirmou o diretor jurídico do BNDES.

Impasse

Baère citou especificamente o impasse sobre a renovação da concessão da Supervia, que está em recuperação judicial desde 2021 e é controlada pela japonesa Mitsui (a Novonor, antiga Odebrecht e ex-dona da Supervia, tem fatia minoritária no negócio). Assinado em 1998, o contrato venceu oficialmente no ano passado, mas um aditivo prorrogou a concessão até 2048, exigindo como contrapartida investimentos no sistema por parte da empresa.

Para o diretor do BNDES, a prorrogação do contrato permitiria a reestruturação da dívida da concessionária com o banco, mas o contrato está hoje em suspenso. O governo tem dito que um edital posterior não foi assinado pela Supervia, revogando aquela prorrogação. Para piorar, a própria Supervia disse recentemente que quer devolver a concessão e, em paralelo, processou o governo estadual cobrando mais de R$ 1 bilhão em supostos débitos devidos à concessionária.

— A solução seria o reequilíbrio financeiro da concessão por meio de um novo aditivo ou a relicitação do contrato. O que a gente lamenta é que o Estado não tenha um plano factível. Formalizamos ofício à Secretaria de Transporte alertando para o risco de colapso, mas não tivemos resposta. Houve, da parte deles, uma falta completa de planejamento que apontasse ao BNDES um caminho sólido para a recuperação do serviço — acrescentou Walter Baère, diretor do banco.

O que diz o governo

Procurada pelo GLOBO a respeito da concessão, a Secretaria Estadual de Transporte e Mobilidade Urbana disse que “o governo do Estado entende que a Supervia não pode continuar operando o sistema, diante da incapacidade da concessionária de oferecer um serviço digno e de boa qualidade.”

A pasta afirmou que o modelo de concessão em vigor não permite “ferramentas de medição de qualidade dos serviços prestados” e que, por isso, o governo “trabalha para que o sistema tenha um novo modelo de contrato, baseado em mecanismos de performance mais modernos e eficientes.”

“Mesmo com o aporte financeiro realizado pela Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade Urbana, após a pandemia, a concessionária não foi capaz de recuperar o equilíbrio financeiro, diferentemente de outros modais”, afirmou a pasta, em nota, acrescentando que vai “apresentar, em breve, uma solução definitiva” para o problema.

Na tarde desta sexta-feira, após a publicação desta reportagem pelo GLOBO, o governo do Rio enviou nota dizendo que “o governador Cláudio Castro nunca participou de reunião no banco para tratar da dívida da concessionária.”

“É preciso evidenciar que a referida dívida foi celebrada entre o banco e a empresa, sem qualquer interveniência do Governo do Estado, portanto, não cabe, nesse contrato, qualquer responsabilidade do ente público”, acrescentou.

Questionada pela reportagem sobre o atual estágio de sua negociação com o BNDES, a Supervia disse que “por conta do atual cenário financeiro da companhia, já comunicado ao juízo da recuperação judicial, ainda não foi possível formalizar a repactuação da dívida com o banco.”

Linha de crédito

A dívida que será executada está relacionada à linha de crédito de R$ 1,65 bilhão aprovada pelo BNDES em 2013. Daquele total, cerca de R$ 1 bilhão foi efetivamente liberado para a Supervia, segundo o mais recente balanço da concessionária. (O total em aberto, em valores atualizados, é da ordem de R$ 1,3 bilhão hoje.)

O empréstimo financiou parte significativa do plano de investimento que a Supervia mantinha em conjunto com o governo do Rio àquela altura, com valor total que somava R$ 2,15 bilhões à época. Segundo o BNDES informou na ocasião, o crédito do banco financiaria especificamente a compra de 30 trens, além de investimentos na rede aérea, no sistema de sinalização e nos trilhos.

O prazo total era de 20 anos, mas a pandemia enxugou o volume de passageiros e desequilibrou o fluxo de receitas da Supervia, que garantiam o empréstimo. Quando a concessionária pediu recuperação judicial em junho de 2021, com R$ 1,2 bilhão em dívidas, o BNDES precisou executar a fiança do empréstimo, recebendo R$ 58,1 milhões do Itaú, que atuava como fiador.

Insolvência

A cifra bilionária em aberto faz do BNDES o maior credor da Supervia, mas, dada a natureza das garantias previstas em contrato, a dívida é considerada extraconcursal — ou seja, fica de fora da recuperação judicial. Dessa forma, seu pagamento exigiria negociação direta entre o banco e a devedora. (Por questões regulatórias, diante da RJ, o BNDES já lançou o valor como prejuízo no seu balanço, explicou o diretor jurídico do banco).

Só que a Supervia argumenta que, hoje, sua situação é de insolvência. A pedido da Justiça, laudo pericial comprovou no mês passado que a concessionária só tem condições de operar os trens urbanos do Rio até o fim de agosto. Como noticiou O GLOBO, de acordo com o documento, a companhia precisaria de um aporte financeiro de R$ 120 milhões até o fim do ano e mais R$ 220 milhões em 2025.

Como a execução depende de decisão judicial, não estão claras quais serão as consequências da decisão do banco sobre o caixa da Supervia. Mas o diretor do BNDES diz que a instituição continua aberta a uma solução negociada.

— Ao contrário de outros bancos, nossa primeira preocupação como instituição de fomento é com a própria manutenção do modal. Somos obrigados a fazer a execução, mas o movimento funciona como um alerta sobre o risco de colapso — concluiu Walter Baère.

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/post/2024/07/bndes-vai-executar-divida-de-r-13-bilhao-da-supervia-diante-de-impasse-com-governo.ghtml

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