
Prestes a realizar mais um leilão de concessão ferroviária, o governo de São Paulo vai poder medir o apetite do mercado com os projetos bilionários da carteira de mobilidade urbana do estado. As linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade dos trens metropolitanos vão a pregão no próximo dia 28 de março, data quase adiada pela Secretaria de Parcerias em Investimentos de São Paulo (SPI), em função da complexidade do contrato, que envolve R$ 14,3 bilhões.
Nessa entrevista, Augusto Almudin, diretor da Companhia Paulista de Parcerias (CPP), vinculada à SPI, não só confirmou a data, como também se mostrou otimista com o resultado do leilão. “Estamos com boas expectativas de ter competição nessa licitação. Sabemos que pelo menos três grupos estão estudando muito a fundo o projeto. Claro que não depende só da gente, mas estamos fazendo a nossa parte”, disse, admitindo, no entanto, que a atração de players continua sendo algo desafiador para o programa de mobilidade urbana sobre trilhos do estado. No leilão do TIC Eixo Norte, realizado há um ano, houve apenas um participante, o Grupo Comporte/CRRC, que acabou vencendo o certame.
As francesas Keolis e Transdev (que já está presente no estado com a futura operação da Linha 6-Laranja, do metrô), além de construtoras italianas, são alguns dos players internacionais que vêm estudando a carteira de projetos ferroviários da SPI. Em breve, a secretaria planeja também rodadas de apresentação do pipeline de mobilidade para operadores asiáticos. “Esse é o nosso cotidiano, estruturar bons projetos e ir atrás de grandes players que tenham know-how para operar na Região Metropolitana de São Paulo”.
Os desafios, porém, vão além do engajamento de players. Os projetos das linhas metropolitanas estão dentro do modelo de concessão patrocinada, ou seja, exigem do governo de São Paulo um volume significativo de aportes e, por consequência, um sistema de garantias robusto. Nas linhas 11, 12 e 13 serão quase R$ 10 bilhões de recursos do governo, para pagar as obras de extensão e requalificação do sistema. Os outros R$ 4,3 bilhões que completam o capex do projeto deverão ser pagos em forma de contraprestações fixas até o final da concessão, que tem prazo de 25 anos. Mais duas contraprestações públicas estão inseridas no contrato. Uma relativa ao opex e outra referente ao pagamento por disponibilidade (o estado vai pagar à concessionária por km de trem rodado).
A origem desses recursos ainda não é conhecida. Há, segundo Almudin, conversas em andamento com o BNDES que, pelas regras, pode financiar até 90% do aporte. O único contrato de operação de crédito firmado até o momento é de US$ 100 milhões com o Banco Mundial, que será destinado às contraprestações. A partir do ano 10 da concessão, a previsão é que o estado desembolse cerca de R$ 1,5 bilhão/ano em contraprestação para o projeto das linhas 11, 12 e 13.
Ainda este ano, a SPI pretende lançar o edital de outro projeto complexo: a concessão das linhas 10-Turquesa e 14-Ônix, essa última greenfield. O capex inicial é de R$ 19 bilhões, com aporte público de cerca de R$ 14 bilhões. O período de consulta pública, encerrado no último dia 3 de março, foi cercado por dúvidas em torno da escolha do modal VLT para a Linha 14. “Ela terá um perfil alimentador, com muitas integrações, por isso se adequa às características de VLT”, afirmou Almudin.
Responsável pela estruturação do programa de parcerias de mobilidade urbana do estado de São Paulo, Augusto Almudin é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP. Possui experiência em escritório de advocacia especializado em infraestrutura. Trabalhou na Autoridade Portuária de Santos, na Empresa de Planejamento e Logística (EPL) e na Infra S.A., na estruturação de projetos de parceria de infraestrutura em diversos setores.
Revista Ferroviária – A data do leilão de concessão das linhas 11,12 e 13 da CPTM está mantida?
Augusto Almudin – Sim. No dia 3 de dezembro de 2024, publicamos o edital com a data do leilão marcada para o próximo dia 28 de março. No final de janeiro deste ano, republicamos o edital com algumas alterações, mas mantendo o cronograma, inclusive de entrega das propostas, no dia 25 de março.
RF – Qual é a expectativa do governo de São Paulo para esse leilão?
AA – Estamos com boas expectativas de ter competição nessa licitação. Claro que não depende só da gente, mas estamos fazendo a nossa parte. Desde que assumimos nessa gestão, temos procurado melhorar a regulamentação do programa de mobilidade urbana de São Paulo, sobretudo dos trilhos. Aprendemos muito com as linhas 8 e 9, e também sobre o desenvolvimento do programa de concessões ferroviárias. Temos melhorado bastante desde o leilão do TIC Eixo Norte, que contemplou a Linha 7-Rubi.
RF – O que foi aprimorado desde então?
AA – Questão de contrato, anexos, os anteprojetos referenciais. Quanto mais a gente melhora o contrato, mais atraímos os players, inclusive internacionais, porque isso dá uma visão de longo prazo. Nenhum player internacional, por exemplo, vai apostar todas as suas fichas apenas em um projeto, porque estudar apenas um projeto é muito custoso, demanda muito tempo. Então, a intenção é sempre que possível ir melhorando de modo acumulativo a regulamentação dos projetos. É o que a gente fez nas linhas 11,12 e 13 e o que pretendemos fazer para as próximas também.
RF – O que foi melhorado em relação ao edital do TIC Eixo Norte?
AA – Alteramos o regramento de transição de operação, agora para 24 meses. No TIC foram 18 meses. Melhoramos de forma geral a redação de todos os anexos e do próprio contrato. O projeto do TIC Eixo Norte é muito complexo, abrange três serviços. É um contrato muito extenso, detalhista, difícil de ser interpretado pela contraparte e até pelo próprio estado. Fizemos com as linhas 11, 12 e 13 um esforço de melhor a redação jurídica do contrato e dos anexos, aprimorando também a matriz de risco, por exemplo, os anexos de penalidades e de indicadores de desempenho. Tudo foi melhorado. E sempre pretendemos melhorar para os próximos.
RF – Os últimos leilões ferroviários tiveram pouca ou nenhuma concorrência. O que leva a crer que os das linhas 11,12 e 13 será diferente?
AA – Os projetos são muito grandes. Eles exigem muito capital da concessionária. São complexos e também arriscados em termos econômicos se compararmos com outras concessões. Então são os projetos tecnicamente mais complexos que temos hoje na carteira hoje. E também um dos investimentos mais relevantes do portfólio inteiro da secretaria. Achar players é um desafio para o programa de mobilidade urbana sobre trilhos do estado. Mas sabemos que tem pelo menos três grupos estudando muito a fundo o projeto de concessão das 11, 12 e 13.
RF – Falta um leque de operadoras ferroviários dispostos a entrar nessas disputas. O governo chegou a fazer excursões à Europa para engajar novos players. Podemos ver surpresas nesse sentido?
AA – Sempre temos tentado atrair players tanto nacionais quanto internacionais. Os investimentos são muito representativos, dezenas de bilhões de reais, além de serem projetos tecnicamente complexos, talvez os mais difíceis do nosso pipeline. Alguns players internacionais estão estudando nossos projetos, posso citar como exemplo, as francesas Keolis e a Transdev, essa última já tem um contrato aqui com a Linha 6-Laranja. São empresas que estão estudando com muito afinco os projetos de mobilidade como um todo. Construtoras italianas também estão estudando o nosso pipeline. Em breve a gente devera marcar uma rodada de conversas na Ásia, para conversar com operadores e consultores asiáticos. Esse é o nosso cotidiano, estruturar bons projetos e ir atrás de grandes players que tenham know-how para operar na Região Metropolitana de São Paulo.
RF – Para as linhas 11,12 e 13, esses players internacionais deverão chegar?
AA – Não dá para descartar, mas, claro, não temos certeza ainda sobre quem efetivamente vai entrar ou não.
RF – Da concessão das linhas 8 e 9 até aqui, o que mudou?
AA – A começar pelo modelo. As linhas 8 e 9 foram concessões comuns. Desde o TIC Eixo Norte, tratamos os projetos como concessão patrocinada, porque levam aporte do governo. Fazer uma concessão comum equivale a ter que pagar uma tarifa técnica muito representativa, o que não faz sentido porque o impacto seria relevante e ainda assim precisaria de aporte público para fazer qualquer tipo de obra que estamos prevendo.
RF – Não caberia mais um modelo de concessão comum?
AA – Nosso intuito não é apenas fazer a concessão da operação atual do jeito que está hoje. Queremos fundamentalmente um binômio: requalificar e expandir. Isso dificilmente você consegue fazer com uma concessão comum, porque a tarifa não consegue pagar todos esses investimentos ao longo do prazo de concessão. A não ser que você estabeleça uma tarifa técnica muito significativa por passageiro transportado, e isso teria um impacto severo. Como isso não é recomendável, a gente optou por transformar esse modelo num programa de concessão patrocinada, em que podemos prever os aportes públicos necessários enquanto as obras do capex principal são feitas, dessa expansão e requalificação das linhas.
RF – O que mais mudou?
AA – Outra alteração importante que vem desde o projeto do TIC Eixo Norte é o pagamento por disponibilidade. Nos contratos anteriores do estado, a concessionária é remunerada por passageiros transportado, ou de forma exclusiva ou de forma integrada. Quanto mais integração, mais tarifas técnicas o estado tem que pagar para diversas concessionárias. No pagamento por disponibilidade, a gente paga por trem rodando, por km percorrido dos trens. Isso é bom para a concessionária porque o risco de demanda passa a ser atribuído 100% ao estado. Por outro é benéfico ao estado porque a receita derivada do incremento de passageiros fica com o estado, porque o risco de demanda é do estado e, além disso, a gente não precisaria pagar mais tantas integrações.
RF – O projeto das linhas 11,12 e 13 está avaliado em R$ 14,3 bilhões. O que ele contempla?
AA – Esse projeto engloba a requalificação das linhas 11,12 e 13 da CPTM. Na Linha 11, a gente tem muitos investimentos importantes em estações. Vamos reconstruir três das quatro estações de Mogi das Cruzes, na ponta da linha 11, obras que são aguardadas há décadas pela população. Fizemos visitas técnicas em todas para verificar o que precisa fazer para elevar a qualidade de serviço prestado. Temos também o fechamento de todas as passagens em nível, que é outra diretriz importante do estado. É inconcebível a gente ter em pleno século XXI cruzamento de trem de passageiros com pedestre e veículos, como existe na Região Metropolitana de São Paulo.
RF – Que mais?
AA – Precisamos prever investimentos bilionários em via permanente, em sistema de sinalização de pátio, veículos auxiliares, em reforma de material rodante, quando for necessário. Tudo para que a gente consiga, além de expandir o sistema, reduzir o intervalo entre os trens. O que importa para a população? Não é a titularidade do CNPJ, se é público ou privado, a população quer um serviço de excelência, bem prestado, que os trens passem num menor tempo possível, com trens limpos, com ar-condicionado, confortáveis, que a linha não pare sempre que chova. Esse é o nível de serviço que estamos exigindo da concessionária, colocando como obrigação de contrato.
RF – Do valor total do projeto, qual será o aporte do governo? E como está a questão das garantias, uma preocupação latente dos investidores?
AA – Cerca de 70% de aporte do governo. O estado quer financiar o aporte, ou seja, fazer uma operação de credito com banco público para isso. No TIC Eixo Norte isso foi um grande case de sucesso, porque esse contrato de operação de crédito, o próprio financiamento do estado para pagar o aporte serve como se fosse uma garantia para o parceiro privado, que não vai depender de orçamento público para fazer o aporte.
RF – E as contraprestações?
AA – Se somarmos a partir do ano 10 da concessão, quando elas ficam mais estáveis, o estado precisará desembolsar quase R$ 1,5 bilhão por ano de contraprestação no projeto das 11, 12 e 13. Para esse contrato, a gente tem previsto um esquema de garantias robusto, por exemplo com o Banco Mundial, que foi a primeira celebrada no Brasil para esse fim, já aprovada pelo Cofiex, do governo federal, no valor de US$ 100 milhões, que poderá ser reposta se houver execução da garantia ao longo do prazo de vigência dela.
RF – A contraprestação vai existir porque é uma prerrogativa de uma PPP patrocinada?
AA – Isso. A gente separou a contraprestação em três, o que também é uma novidade em relação ao projeto do TIC e das linhas 8 e 9. O capex total do projeto é de R$ 14,3 bilhões. O aporte pagará 70% do capex (cerca de R$ 10 bilhões). Cada vez que a concessionária termina um marco de obras e o certificador e agência reguladora aprovam, o estado libera o percentual de aporte público. Isso será feito nos primeiros sete anos de concessão. Os 30% do capex (R$ 4 bilhões) que faltam pagaremos ao longo do período de concessão (25 anos) por meio de uma contraprestação fixa que paga o capex, que estamos chamando de contraprestação fixa 1.
RF – Existem outras contraprestações?
AA – Sim. A contraprestação fixa 2, que paga o opex, ou seja, os custos de operação e manutenção fixos da concessionária, que começa a receber quando inicia a operação. E uma terceira contraprestação, que estamos chamando de variável é justamente o pagamento por disponibilidade, cada km de trem que coloca para rodar, a empresa ganha X reais. Esse é o mecanismo de remuneração que esta previsto no contrato, além das receitas acessórias que a concessionária pode auferir.
RF – Para o aporte já existe um contrato de financiamento assinado?
AA – Estamos negociando com o BNDES um financiamento de 90% do valor do aporte público, que é de quase R$ 10 bilhões. Isso pode ser feito por trecho, conforme as obras forem avançando, o estado vai celebrando as operações de crédito necessárias, considerando o espaço fiscal disponível no estado. No TIC Eixo Norte, por exemplo, serão duas frentes de crédito, cada uma de R$ 3,2 bilhões, totalizando R$ 6,4 bilhões.
RF – Com o leilão se aproximando, esse financiamento já não deveria estar assinado?
AA – No TIC Eixo Norte também não assinou antes do leilão, isso não é um problema em geral, porque a gente coloca na minuta do contrato que existe um wayout para a concessionária, caso o estado não celebre a operação de crédito até um determinado mês.
RF – O que diz essa cláusula?
AA – A cláusula é que dá direito de resilição unilateral pela concessionária, caso o estado não consiga disponibilizar os recursos do aporte para a obra. Isso passa mais segurança para todos os envolvidos de que alguma forma o estado vai garantir os recursos necessários para fazer o aporte.
RF – Qual é a parte de investimento da concessionária?
AA – Ela entra adiantando o que vai receber de aporte. Primeiro ela faz a obra e depois o estado paga o aporte correspondente. Também tem a diferença de capex, os 30%, que serão pagos ao longo de toda a concessão, mais o valor da operação que é pago por contraprestação mensalmente.
RF – Durante 25 anos, quanto irá somar o opex?
AA – O opex, ao longo de 25 anos, se somarmos linearmente dá em torno de R$ 23 bilhões. O governo remunera a concessionária indiretamente pelo opex.
RF – Como ficará a frota das linhas 11,12 e 13?
AA – A frota para esse projeto especificamente não será um problema, porque a CPTM, com o recebimento dos trens das linhas 8 e 9 que a ViaMobilidade pegou emprestado e agora devolveu, a gente tem uma frota necessária para operação ao longo de todo o horizonte da concessão. Não estamos prevendo a compra de trens novos nessa concessão. A gente deslocou para as linhas 11, 12 e 13 as composições mais novas, de forma que a Linha 10 fique com os trens mais antigos. Quando fizermos a concessão das linhas 10 e 14, está prevista a compra logo no começo de 16 novos trens para a 10.
RF – O projeto das linhas 10 e 14 considera mais desafiador?
AA – As audiências foram boas, tivemos bons inputs da população que participou. Estamos analisando tecnicamente cada uma das contribuições para aprimorar o projeto. Mas as bases do projeto foram abraçadas pela população, porque trata-se de um investimento muito importante para toda Zona Leste de São Paulo, Guarulhos e ABC. Vamos também requalificar e expandir tanto a Linha 10 como criar uma linha nova do zero, a 14.
RF – Está avaliado em quanto? E o aporte público?
AA – Ainda não está 100% definido, mas considerando 70% do capex de R$ 19 bilhões, o aporte será em torno de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões.
RF – O que prevê o projeto?
AA – Queremos fundamentalmente requalificar a Linha 10, assim como vamos fazer nas linhas 11, 12 e 13. Todos os investimentos em via, energia, sistemas, rede aérea, novos trens, visando a diminuição do intervalo entre as composições e melhorar serviço prestado à população. Além disso, vai ser encargo da concessionária a concessão de uma linha nova, a 14, uma das primeiras linhas perimetrais da Região Metropolitana de São Paulo, saindo de Bonsucesso, em Guarulhos, onde termina a futura expansão da Linha 13-Jade, passa por Pimentas, uma região densamente povoada, que necessita de um transporte sobre trilhos há muito tempo, desce por Sacramento, chega em São Miguel Paulista e depois por toda a Zona Leste, cruza as linhas 11 e 12, metrô, Linha 15 e futura 16. Começa a criar um arco de transporte ferroviário.
RF – Na Linha 10, há projeto de segregação com os trens da MRS?
AA – Esse é um ponto importante. Além do trecho Jundiaí-Barra Funda, da Linha 7, está no contrato de renovação da concessão da MRS a segregação do trecho entre Brás e Rio Grande da Serra, da Linha 10. Então no futuro, com a concessão da Linha 10, vai haver segregação.
RF – O modal escolhido para a Linha 14 foi o VLT, por quê?
AA – Ao longo do ano passado fizemos um estudo de viabilidade muito robusto, que está disponível no âmbito da consulta pública, para recomendar para o governo a melhor solução tecnicamente mais aderente à demanda da Linha 14. Mesmo com a redução de velocidade, inerente ao modal VLT, os resultados do estudo mostraram que não só atende a demanda da linha, como sobra espaço para aumentar capacidade do sistema se precisar ao longo do tempo, diminuindo intervalo de trens de cinco para três minutos ou colocando mais carros por trem. Mesmo com esse aumento, ainda assim não chegamos numa demanda crítica no trecho para trem metropolitano ou metrô.
RF – Como foi feito esse cálculo?
AA – A capacidade do VLT pode chegar a 600 pessoas, com intervalo de três minutos entre trens, a gente consegue num trecho crítico carregar 12 mil passageiros. A demanda atual que simulamos está na metade desse valor, 5.800 pessoas/hora sentido. Daria então para dobrar a demanda, para 450 mil/dia. Demanda hoje é de 230 mil/passageiros. O estudo revelou características importantes dessa linha. Ela não funciona como a linha 11, por exemplo, que leva pessoas da Zona Leste para Mogi das Cruzes e Centro. A Linha 14 é perimetral, ou seja, funciona como uma alimentadora das linhas já existentes, com alto fator de renovação das viagens, que são predominantemente curtas. Ela alimenta as linhas 10, 3-Vermelha do metrô, linha 11, 12, 13 e no futuro a 16 do metrô. É uma linha com muita integração, estações curtas.
RF – O estudo do PITU 2040, do próprio governo de São Paulo, indicou uma demanda maior para a Linha 14, de 750 mil passageiros/dia…
AA – O estudo do PITU é estratégico, estabelece planejamento estratégico para o estado de São Paulo A função dele é essa, olhar de cima a rede de transportes do estado, não é tão específico como nossos estudos de demanda aqui. Nosso desafio é colocar de pé esse empreendimento. Estamos seguindo o PITU, porque queremos fazer uma linha que já estava prevista nesse, não saiu da nossa cabeça. O PITU não avalia a viabilidade econômica, financeira e de engenharia de um projeto de linha. Ele avalia quais são as linhas que o estado tem que construir no longo prazo para que a rede de transportes do estado seja eficiente. No nosso estudo, conseguimos estudar cada detalhe, premissas de engenharia, socioambientais, que podem revelar demandas diferentes. Isso é totalmente normal num projeto de implantação de uma linha.
RF – Foi avaliada também a questão de custo, uma vez que o modal VLT exige menos recursos de implantação do que um sistema de trem metropolitano?
AA – Sim. Avaliando a sustentabilidade econômica e financeira do projeto de construção patrocinada, o risco que se apresenta é o risco inverso. É o risco do estado de gastar o dobro de capex para colocar um trem metropolitano para no final das contas, depois de anos de obras, atender uma demanda não tão representativa, gerando desperdício de dinheiro público. Podemos atender essa demanda por meio de uma obra civil mais leve, com menos desapropriação de famílias.
RF – Esse projeto de VLT seria nos moldes do que existe no Rio de Janeiro?
AA – Não. Estamos prevendo um VLT quase que totalmente segregado em relação às vias municipais e avenidas existentes. Grande parte do trecho, o VLT consegue desenvolver altas velocidades, carregar mais pessoas. Por isso não dá para comparar com o projeto de VLT do Rio. Ele é quase como uma linha de trem metropolitano mais leve, com obras civis menores, portanto, mais barato, mas que consegue atender uma demanda representativa e necessária para a população da Zona Leste, do ABC e de Guarulhos.
RF – A ideia é utilizar corredores de ônibus já existentes?
AA – Grande parte do trecho é elevado ou em túnel. Em regra, não prevemos substituir corredores de ônibus pelo VLT, seriam complementares.
RF – Não seria um risco para a concessionária?
AA – Não, porque o modelo adotado de remuneração é o pagamento por disponibilidade.
RF – Independentemente disso, o fato de haver concorrência não impactaria na demanda?
AA – No nosso estudo, simulamos todas as linhas de ônibus, de todo o trajeto, e o modo VLT atende a demanda prevista. É uma região densa, muito povoada, os serviços podem ser complementares no futuro. Claro que é possível em conjunto com os municípios racionalizar melhor as linhas de transporte municipal, isso é sempre melhor. É um desafio federativo também. Em geral, os ônibus são de competência do município, e os trilhos, do estado, e isso exige uma concertação política para racionalizar as linhas.
RF – O propósito de uma Autoridade Metropolitana…
AA – Sim. Aqui no estado a gente conseguiu aprovar a lei das agências, que criou uma grande agência reguladora de transportes, a Artesp. Essa agência regula e fiscaliza todos os modos transportes do estado. Isso facilita todo esse processo. Rodovia, trilhos, travessias, ônibus, aeroportos.
RF – Existe um trecho da Linha 14 cuja construção ficará opcional pela concessionária?
AA – Sim. É um trecho de investimento contingente entre o ABC e Jardim Irene, em Santo André. Esse trecho coincide hoje com um corredor de ônibus municipal. Então deixamos opcional no contrato para justamente avançar as conversas técnicas com a prefeitura para saber se eles têm interesse ou não em substituir o modal. É um trecho no final da linha, de cerca de 5 km. O total da linha é de 41 km. Já definimos a faixa, o trecho necessário para Linha 14. Compra de trem também está prevista. São 36 mais cinco. Quem pode dimensionar a frota é a concessionária, desde que atenda a demanda prevista.
RF – Não seria complexo para a futura concessionária operar dois tipos de trens?
AA – Os operadores não veem isso como uma grande dificuldade. Eles estão acostumados em operar trens, metrô e VLTs mundo afora. Esse é um ponto de atenção, mas não é muito representativa. Previmos todos os complexos de manutenção necessários para cada uma dessas linhas.
RF – É um desafio a mais prospectar players para as linhas 10 e 14?
AA – É desafiador, mas a gente tem conversado com muitos players de todos os tipos, financeiros, construtores, operadores, fornecedores de sistemas e material rodante, todos estão muito empolgados em estudar os projetos. Estamos fazendo renascer o transporte sobre trilhos de passageiros no Brasil. É um programa muito ambicioso. Nossa tônica é sempre melhorar os contratos, os projetos, para conseguir atrair mais gente. Os players conseguem ver essa melhoria gradativa dos contratos ao longo do tempo, e isso nos empolga muito.
RF – E os projetos de TICs?
AA – Estudos estão em andamento. O próximo que queremos lançar é o TIC Sorocaba, com consulta pública para o final de abril. Os outros dois, Eixo Sul, que é São Paulo-Santos, e o Eixo Leste, São Paulo-São José dos Campos, devem ficar para 2027, para dar tempo de fazer os estudos necessários. Mas se der tempo, conseguimos lançar a consulta pública em 2026.
Excelente matéria jornalística. Perguntas pertinentes e bem estruturadas pela reporter, com respostas precisas e esclarecedoras pelo Sr. Almundin. Parabéns pela matéria.