As manifestações do governo Lula contrárias à aquisição pela Vale da mineradora Xstrata, controlada pelo sul-africano Mick Davis e com sede na cidade suíça de Zug, reavivou as discussões sobre a interferência no Estado na economia. A união detém uma golden share na Vale, que lhe garante o veto em algumas situações. Caso o governo imponha à mineradora sua decisão contrária à compra da Xstrata, será a primeira vez que esse poder de veto será exercido em uma empresa privatizada.
A origem da intervenção do Estado na economia remonta ao início do mercantilismo – nome dado a um conjunto de práticas econômicas desenvolvido na Europa entre o século XV e os finais do século XVIII. Inscreve-se nessa questão, a criação da chamada golden share (ação de ouro), um mecanismo de intervenção estatal que concede ao Estado um conjunto de privilégios, independente da participação que detenha no capital de companhias privadas, que atuam em setores considerados estratégicos para a soberania nacional.
No Brasil, o mecanismo foi introduzido pela lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o PND (Programa Nacional de Desestatização) e permitiu a criação de golden share também para empresas privatizadas pelos estados e municípios. Da forma como foram criadas pelo PND, as golden shares são necessariamente preferenciais, detidas pelo Estado e não podem ser transferidas a terceiros. O poder que ela dá ao governo é definido no estatuto da empresa privatizada. Atualmente, o governo tem golden share em várias empresas, entre elas a empresa de energia Celma, a siderúrgica CSN, a fabricante de aviões Embraer, e a Vale.
Do ponto de vista das boas práticas de governança corporativa, que hoje determinam a qualidade da administração, a golden share não é uma estrutura adequada. Isso não quer dizer, porém, que sua existência em si prejudique a empresa, afirma o profissional de investimentos Haroldo Levy. Segundo ele, uma maneira de avaliar seu impacto é olhar como os acionistas investidores se comportam em relação à precificação de companhias que tenham esse tipo de participação estatal.
Até agora, a existência não impediu expressivas valorizações das ações de Vale e Embraer, por exemplo. Desde sua privatização, no dia 6 de maio de 1997, as ações ordinárias da Vale saltaram de R$ 1,28 para R$ 54,90 por ação (ganho de 4.168,3%) e as preferenciais, de R$ 1,30 para R$ 46,56 por ação (valorização de 3.464,5%), segundo cotações do dia primeiro de fevereiro. Já o salto de Embraer foi de 747,53%. Privatizada em 7 de dezembro de 1994, seu preço passou de R$ 2,31 para R$ 19,60, também até o início do mês.
Apesar de privatizada há mais de dez anos, só recentemente o governo ameaçou usar seu poder na Vale, quando esta decidiu fazer uma oferta pela Xstrata que irá implicar em troca de ações. O argumento do governo é de soberania nacional: evitar que o centro de decisões saia do Brasil, juntamente com o intercâmbio de ações. Infelizmente, porém, o turbulência que tomou conta das bolsas de valores – provocada pela crise do sistema de crédito nos Estados Unidos – impede que o mercado seja um medidor adequado dos efeitos da golden share.
A golden share da Vale dá ao governo federal os mesmos direitos (incluindo àqueles relativos a voto e preferências de dividendo) dos detentores de ações preferenciais Classe A. Adicionalmente, o governo tem o direito de vetar quaisquer propostas em relação aos seguintes assuntos: alteração de denominação social; mudança de sede; mudança do objeto social relativo à exploração de jazidas minerais; ou liquidação da empresa.
Segundo a empresa, a ação especial detida pelo governo permite veto em qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das seguintes etapas dos sistemas integrados da exploração de minério de ferro: jazidas minerais, depósitos de minério, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos; qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies
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