Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
Na semana passada circulou nos grupos de mobilidade no Brasil a notícia de que, na disputa de um contrato de PPP para a construção e operação de um sistema de VLT, na cidade de Haifa em Israel, seis consórcios de empresas de todo o mundo se habilitaram.
Chamou a atenção a notícia pela capacidade do projeto de atrair seis diferentes grupos empresariais dispostos a tomar o risco da construção e da operação de um sistema de mobilidade urbana, sempre sensível do ponto de vista de demanda e da complexidade da engenharia.
O Brasil iniciou sua experiência em PPPs e projetos estruturados para construção e/ou operação de sistemas de mobilidade urbana sobre trilhos em 2006, com a assinatura do contrato de PPP para a Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo. Antes disso, houve as concessões comuns dos sistemas de metrô e de trens de passageiros no Rio de Janeiro (SuperVia e o MetrôRio).
De lá para cá, foram concedidas a linha 6 (PPP integral), as linhas 5 e 17 e as linhas 8 e 9 (todas de São Paulo), bem como o VLT do Rio de Janeiro.
Aparentemente, estamos caminhando bem na tarefa de atrair investimento privado para a ampliação e modernização dos sistemas sobre trilhos, assim como de trazer a eficiência e agilidade da gestão privada para as respectivas operações.
Contudo, um olhar mais apurado e detalhista encontrará uma série de limitações que, se fossem removidas ou mitigadas, poderiam acelerar ainda mais a possibilidade de atrair grupos privados, incrementando a expansão – tão necessária para as cidades brasileiras – dos sistemas de mobilidade de alta capacidade.
O Brasil todo conta com uma malha de 1.116 km de trilhos dedicados ao transporte urbano de passageiros. É quase a mesma extensão do Metrô de Shanghai. É um número demasiadamente baixo diante das necessidades das cidades brasileiras, que cresceram levando as moradias para as franjas das metrópoles, deixando as centralidades econômicas concentradas em poucas áreas.
São raros os grupos econômicos que têm estrutura, experiência e capacidade de arregimentar recursos financeiros, de engenharia e humanos para liderar projetos dessa natureza. E, infelizmente, o Brasil perdeu alguns desses grupos nos recentes anos, tragados por operações policiais e judiciais.
Além disso, o mundo todo disputa os mesmos grupos e capitais, cada país oferecendo seus projetos. Ou seja, concorremos com outros países na disputa pelos recursos disponíveis. Portanto, para ganharmos a competição internacional pela atenção e pelo engajamento de grupos econômicos para os nossos projetos, é preciso que repensemos a nossa capacidade de oferecer os valores que estes grupos procuram, adequando-os aos nossos interesses.
O principal valor que deveríamos assegurar para atrairmos mais e mais investimentos qualificados e amplificarmos a concorrência na disputa por nossos projetos é a estabilidade regulatória dos contratos.
Temos um gigantesco déficit de governança na gestão dos contratos estruturados. Em São Paulo, por exemplo, o contrato da PPP da Linha 4, delineado em 2005 e assinado em 2006, já previa a constituição de uma agência reguladora independente. Até os dias de hoje, a gestão de todos os contratos de mobilidade sobre trilhos do governo de São Paulo segue sob responsabilidade de uma comissão vinculada diretamente ao poder concedente.
No Rio de Janeiro, onde temos uma agência reguladora, assistimos, recentemente, o poder concedente contestar e suspender reajustes tarifários, levando a concessionária Supervia à proximidade da inviabilidade financeira para a operação do sistema.
Os órgãos de controle, por vezes, também contribuem para a instabilidade e imprevisibilidade da gestão contratual, agregando riscos adicionais aos projetos, que terminam por desestimular o interesse de grupos. Olhando oportunidades em todo o mundo, os investidores tendem a evitar as turbulências e procurar, se não céus de brigadeiro, ao menos rotas onde o inesperado não seja uma presença constante.
É preciso começar a contabilizar os custos do não fazer. Quanto custa para a riqueza do nosso Brasil não expandirmos a nossa rede sobre trilhos? Quantas oportunidades são perdidas no não fazer? Focamos sempre nos eventuais custos adicionais de contratos. É claro que devemos evitá- -los. Mas sonegamos completamente o cálculo do custo do não fazer. Reformar nossa governança sobre projetos estruturados, oferecendo o básico – estabilidade e previsibilidade –, é a tarefa mais importante se quisermos mesmo nos apropriar de capital e expertise privada para a expansão da nossa acanhada rede de trilhos destinada ao transporte de passageiros. É, talvez, o principal desafio da nossa geração.
Parabéns pelo texto.