Glauco A. Melo de Carvalho*
Sem trem ou navio, o progresso é mais lento e penoso. Por avião e caminhão, o transporte de mercadorias é mais rápido, porém mais caro. Vejam o mapa múndi (o esquema não mudou muito sob o ponto de vista da estratégia de dominação) e verifiquem: os países mais ricos são os que construíram respeitáveis malhas ferroviárias e dispõem (ou fretam a terceiros) de grandes frotas marítimas, de cabotagem ou longo curso, e fluviais.
Lembrem-se de que foi devido à imensa malha ferroviária construída no tempo dos czares que Stalin conseguiu transportar, em tempo hábil, para trás dos Urais, cerca de mil e seiscentas indústrias pesadas (olhem só pesadas – siderúrgicas, mecânicas, navais, etc.), salvando-as dos bombardeios alemães.
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E foi também devido ao desenvolvimento de seu transporte aquático e ferroviário que Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Japão e quejandos puderam tornar-se grandes potências econômicas. Já nos acostumamos a ver nos filmes de faroeste o surgimento de cidades sempre à margem de ferrovias. Primeiro chegava o trem sobre os trilhos que estavam sendo feitos aos poucos desde o início da linha férrea projetada desde o marco inicial. Em seguida, vinham as pessoas e as casas, as fazendas (de terras doadas normalmente pela União/Estado rumo ao Oceano Pacífico) e o gado e implementos agrícolas. O trem simplifica de uma forma mais rápida e de relação custo/ benefício o ir e vir. Um só comboio pode carregar mercadorias que demandariam o uso de muitos caminhões a mais do que seriam utilizados a mesma tarefa. E tudo em cima de dois trilhos assentados sobre dormentes de madeira, de fácil manutenção, matéria-prima abundante e custo irrisório. Além disso, o trem é um meio de transporte seguríssimo, de raros acidentes e baixo consumo de energia, elétrica ou diesel.
Coisa tão boa assim, com todo esse cabedal de eficiência só poderia, no Brasil (sil, sil!), ser desprezado. Vingou a mentalidade rodoviarista. Quem foi mesmo o presidente que disse governar é abrir estrados (era o presidente Washington Luiz?). Mas o mineiro Juscelino Kubitschek era um entusiasta do asfalto. Sabe como é: na nossa índole autoristarista, manda quem pode e obedece quem tem juízo. No final das contas, salvo alguns casos isolados, de empresas estatais, paraestatais ou privadas, que construíram ferrovias próprias para usufruir de custos baixos ou subsídios (dinheiro público), o emprego significativo de trens resumiu-se ao tráfego de subúrbio, de passageiros. E, mesmo assim, atropeladamente.
A história da navegação não é muito diferente. Uma costa dessas, com a população concentrada à sua margem ou perto dela, e as mercadorias chegando por dentro, por estradas, a custos exorbitantes. Cabotagem acabou não dando o lucro que as empresas esperavam e as companhias sobreviventes passaram a interessar-se pela associação com o longo curso; isto é, as que conseguiram negociar. Bem, é no dia-a-dia que se forjam as civilizações. Não se pode queimar etapas.
*Glauco A. Melo de Carvalho é jornalista, membro do conselho editorial da Gazeta Mercantil
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