O governo agora trata com extrema cautela o projeto de construção de um trem de alta velocidade (TAV) entre Rio de Janeiro e São Paulo. Por enquanto, há mais dúvidas do que entusiasmo. Tantas são as incertezas que os ministros envolvidos com o assunto resolveram pisar no freio: só voltam a analisar o projeto após a conclusão de um estudo aprofundado do BNDES sobre a viabilidade técnica e econômica do trem, que levará tempo e deverá envolver a contratação de consultores internacionais.
Na melhor das hipóteses, uma licitação sai só em 2009 – e isso se o BNDES mostrar que o projeto é viável, com ou sem recursos públicos, diz um alto funcionário do governo que participa ativamente das discussões.
Apurar a verdadeira demanda de passageiros na futura linha férrea é um dos principais desafios, embora esteja longe de ser o único. Os estudos apresentados até agora pelo setor privado têm divergências enormes. No fim da década passada, um consórcio alemão fez projeções de 41 milhões de passageiros no primeiro ano de operação do trem. Essa demanda considera que no horário de pico sairiam trens a cada 15 minutos – e cada trem teria 855 lugares.
Quando o projeto foi retomado pelo governo Lula, em 2004, surgiram duas propostas – novas e contraditórias. A empresa italiana Italplan prevê 32 milhões de passageiros anuais no início da operação e diz que o trem se sustenta apenas com investimentos privados. Um consórcio entre Siemens, Odebrecht e Interglobal estima a demanda em 6,6 milhões de passageiros e fala em participação privada de até 20%.
Por dispensar investimentos públicos, o governo adotou o estudo da Italplan como referência, mas isso não resolve o problema. A proposta italiana fala em 42 anos de concessão – 7 para a construção da ferrovia e mais 35 para sua exploração comercial. A não-realização da demanda projetada pode gerar, no futuro, desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão – e, nesse caso, não é difícil pensar na União sendo chamada a socorrer o empreendimento.
Essa hipótese chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou ao governo federal transferir todo o risco para o vencedor da licitação, impedindo o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O TCU também menciona a baixa representatividade da pesquisa feita pela Italplan para verificar a demanda do trem e a disposição dos usuários de adotá-lo nas viagens entre Rio de Janeiro e São Paulo. De um total de 30,2 milhões de habitantes nas duas regiões metropolitanas, foram entrevistadas apenas mil pessoas no Rio de Janeiro e 2 mil em São Paulo.
“Além disso, não foram consideradas nas pesquisas de demanda as reações concorrenciais dos demais meios de transporte alternativos ao TAV (avião, ônibus e automóvel)”, acrescenta o tribunal, em sua primeira avaliação técnica do projeto. Empresas de ônibus podem reduzir o valor das passagens, a Nova Dutra pode baixar as tarifas de pedágio e as companhias aéreas podem partir para promoções agressivas, supõem os técnicos do TCU.
“No limite, esse movimento poderá ocasionar uma guerra de preços que, embora possa ser momentânea, estabelecerá um novo equilíbrio da demanda entre os meios de transporte concorrentes, (…) o que impactará a viabilidade do projeto”, continua o acórdão.
O TCU cita o exemplo do Eurotunnel, sob o Canal da Mancha. Os estudos apontavam que o trem ia capturar 42% dos passageiros entre Londres e Paris em 1993, além de gerar nova demanda. “Contudo, em razão da concorrência de meios de transporte alternativos, que reduziram significativamente os preços da passagens, ocorreram quedas na receita do Eurotunnel, criando insuficiência na geração de caixa, o que acabou por comprometer a viabilidade do projeto.”
Há outras dúvidas levantadas pelo TCU na avaliação da proposta da Italplan. Uma delas é o custo do financiamento. No documento encaminhado a
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