Cidades se mobilizam para mudar traçado do TAV

Na vizinhança, a promessa de um trem-bala monopoliza as atenções. Alguns ansiosos para viajar a São Paulo ou ao Rio numa velocidade de 350 km/h. Outros com medo de ter suas casas isoladas pelo muro ou cercas do empreendimento, e longe de qualquer estação.


Com tanto bafafá, José Carlos Cescon resolveu vasculhar sozinho, na internet. “Você não imagina meu susto. A obra passa bem em cima do clube”, afirma ele, gerente do Thermas do Vale, ponto de lazer com 8.000 associados em São José dos Campos (a 97 km de SP) e que está lá há mais de uma década.


A divulgação on-line nas últimas semanas (no site oficial: www.tavbrasil.gov.br) do traçado de referência do trem-bala para interligar Campinas, SP e Rio já mobiliza moradores e donos de terra que temem ser afetados no trajeto de 511 km.


Os questionamentos vão das desapropriações aos impactos ambientais e urbanísticos.


O projeto do governo federal é estimado em R$ 34,6 bilhões e prometido para 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil.


Um dos principais focos de resistência é São José dos Campos, onde políticos adversários (do PSDB ao PT) se uniram num mesmo lobby: fazem questão da presença do TAV (Trem de Alta Velocidade, nome técnico do trem-bala) por lá, mas num traçado diferente.


Na última sexta (14), encaminharam um pedido oficial de mudança ao governo Lula (PT), cujos técnicos ressalvam que a proposta divulgada não é a final, mas só uma referência.


A ressalva de maior apelo é a ambiental: a obra passa em cima de um cartão-postal conhecido como Concha do Banhado, uma área de proteção. “O pulmão de São José dos Campos”, diz Marcelo Guedes, dirigente da Associação de Engenheiros e Arquitetos do município.


Mas a pressão popular é mais forte ainda devido às interferências urbanas. Além de atingir imóveis de classe média no bairro do Vale dos Pinheiros, a rota do trem-bala passa ao lado de condomínios de alto padrão, que temem ficar isolados, como uma barreira paisagística, afirma Carlinhos de Almeida, deputado estadual (PT-SP).


No Rio, a maior reação partiu da UFRJ (Universidade Federal do Rio). Motivo: pela proposta, os trilhos passariam entre o Centro de Letras e Arte e o Centro de Tecnologia Mineral, no campus da ilha do Fundão, na zona norte da cidade.


O reitor Aloísio Teixeira afirma que o trem comprometeria os projetos de expansão previstos no Plano Diretor 2020, homologado pelo MEC. “As áreas pretendidas para a passagem do trem são terrenos que vamos ocupar com salas de aula.”


No último dia 6, o Conselho Universitário aprovou uma moção desautorizando qualquer intervenção no campus.


O reitor se encontrará nesta semana, no Rio, com o diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Bernardo Figueiredo. Ele diz que técnicos da universidade podem ajudar a mudar o traçado, se necessário.


Teixeira considerou exíguo o período de consulta popular (de 24 de julho até 17 de agosto de 2009). “A impressão que dá é que não se quis fazer uma discussão verdadeira.”


O estudo do trem-bala (preparado por uma consultoria britânica antes do lançamento da licitação, previsto para este semestre) estima que 90% do trajeto de superfície, de 312 km, seja bloqueado por cercas e arame farpado. O restante, com muro dentro da área urbana.


Os gastos para adquirir terras, indenizar construções e reassentar 618 famílias ultrapassam R$ 2,26 bilhões –suficiente para construir 10 km de metrô (tamanho do ramal Paulista, a linha 2-verde em SP).


Estações


A proposta estabeleceu oito estações obrigatórias (Campinas, Viracopos, Campo de Marte, Guarulhos, São José dos Campos, Volta Redonda/ Barra Mansa, Galeão e Rio) e três paradas opcionais (Resende, Aparecida e Jundiaí).


A previsão é que 18% do traçado total seja de túneis –que somam 31% do custo da obra, maior percentual na relação de todos os itens de despesa.


E a solicitação em lugares que são alvo do trajeto é justamente para que a circulação seja subterrânea –o que deve encarecer os custos.


“O que estamos pedindo não extrapola o que está previsto para outras cidades, como Guarulhos e São Paulo”, diz Felicio Ramuth, assessor da gestão Eduardo Cury (PSDB) em São José dos Campos. A proposta feita ao governo é a construção de um túnel de 5 km.


Campinas também reivindica que parte do trajeto, cortando dois bairros, seja subterrânea. “Queremos evitar a criação de uma barreira geográfica”, diz Hélio de Oliveira Santos (PDT), prefeito da cidade.


Técnicos questionam prazos e recursos


A proposta de um trem-bala agrada aos especialistas pelo fato de ser uma opção moderna de transporte, que se sobrepõe ao uso do carro e que traz benefícios sociais como redução de poluição e acidentes.


Mas essa aprovação se dá mais no campo conceitual. Na prática, há muitos questionamentos sobre a viabilidade de prazos, custos e do projeto -tanto entre membros do governo Lula (PT) quanto em São Paulo, do de José Serra (PSDB).


A desconfiança mais frequente se refere à data de entrega do trem-bala -até a Copa do Mundo de 2014. Muita gente duvida que o projeto possa ser concluído nesse prazo. Entusiasta do projeto e especialista em trens de alta velocidade com mestrado na Universidade de Birmingham (Reino Unido), Fábio Tadeu Alves afirma que a proposta de trem de alta velocidade que levou menos tempo para sair do papel foi a do Japão -cinco anos do projeto ao início da operação.


“Eu sinceramente não acredito nem que a obra seja feita”, afirma Dario Rais Lopes, especialista em transporte e que foi secretário da pasta na gestão Geraldo Alckmin (PSDB). A descrença de Lopes é influenciada tanto pelo volume de investimentos necessários como pelo histórico nacional.


Já foram realizado pelo menos menos cinco estudos (em 1981, 1986, 1987, nos anos 90 e em 2004) sobre a viabilidade de um trem-bala para ligar os Estados de São Paulo e Rio.


O projeto sempre esbarrou em custos elevados para tocar a obra com recursos públicos e em demanda insuficiente para ser bancada, mediante sistema de concessão, pela iniciativa privada.


O governo Lula anunciou inicialmente uma estimativa de custo de implantação do projeto próxima de US$ 11 bilhões (R$ 21 bilhões). Nos últimos meses, depois de estudos, a previsão saltou para R$ 34,6 bilhões, suficiente para construir 170 km de metrô. Ou seja, quase três vezes a rede paulista.


Fetiche


Especialistas ressalvam, porém, que um trem-bala para conectar regiões tem um objetivo bem diferente do da melhoria da mobilidade urbana. “Ele alavanca a condição de pesquisa e de tecnologia do país. Acho bem-vindo”, diz Alves.


Mas há maior carência no país de um projeto de infraestrutura desses ou de uma rede de transporte coletivo das grandes cidades? “É preciso as duas coisas”, diz ele.


O governo federal ainda não definiu a modelagem de concessão do trem-bala à iniciativa privada. Apesar do assédio de empresas de diversos países, técnicos têm estimado que os recursos públicos para viabilizar a obra deverão superar metade do empreendimento.


“Temos um certo fetiche em ter um trem assim. Por outro lado, tem que ser muito bem pensado, inclusive se não há um superdimensionamento da atratividade de passageiros. O país também precisa de transporte coletivo na malha urbana”, diz Marcos Bicalho, da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).


Trem prevê atrair até 53% da demanda entre Rio e SP em 2014


Mesmo com uma tarifa mais alta do que uma passagem de ônibus rodoviário ou do que a despesa de um deslocamento de carro, o trem-bala pretende abocanhar boa parte dos passageiros de ônibus e dos motoristas que trafegam entre São Paulo e Rio. Análise da consultoria Halcrow Group e Sinergia prevê que em 2014 o trem seja responsável por 53% da demanda.


Fonte: Folha de SP

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