Empenhado em fazer o Trem de Alta Velocidade (TAV) brasileiro atraindo capital privado, o governo brasileiro pode acabar tendo de tocar o projeto com empresas estatais – mas desta vez, estatais estrangeiras. Com a grande necessidade de capital próprio exigido no projeto, o chamado equity, de até R$ 7 bilhões, e garantias vistas como insuficientes para atrair investidores privados ou levantar crédito no mercado financeiro, os grupos estrangeiros foram bater à porta do próprio governo. Considerados os grupos mais empenhados na disputa – para não dizer os favoritos – os três consórcios orientais devem contar com presença maciça de recursos públicos.
O grupo coreano, mesmo com mais de sete empresas privadas comprometidas a entrar no consórcio, pode ser liderado pelo setor público. Segundo fontes ligadas às empresas do consórcios, a expectativa é de que o governo coreano entre com uma fatia de até 40% na sociedade.
Mesmo com nomes como Samsung; Hyundai; grupo Bertin; a maior construtora argentina, a Iecsa; e a italiana Gueller, o grupo das empreiteiras privadas não ficará com mais do que 25% de participação. O resto da sociedade deve ficar a cargo do golden share oferecido a todos os competidores pelo governo brasileiro, previsto em 10%, e pela participação de fundos de pensão nacionais – Funcef, dos funcionários Caixa Econômica Federal, Petros, da Petrobras, e Previ, do Banco do Brasil.
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Oficialmente, o principal representante dos coreanos no Brasil, Paulo Benites, da Trends Engenharia, diz que não há nenhum compromisso fechado, nem metas de participação. Mas conta que o consórcio espera obter uma boa presença do governo coreano como sócio. Entre as estatais coreanas que devem comparecer, a principal é a Korea Rail Network Administration (KRNA), uma espécie de Valec coreana. A empresa é responsável pela construção da malha ferroviária da Coreia, e tem negócios no Sudeste asiático, China e Oriente Médio.
Os japoneses têm confirmada até agora apenas a presença de empresas privadas – Mitsui, Mitsubishi, Toshiba e Hitachi. Segundo um representante do consórcio no Brasil, essas empresas são fabricantes de material rodante, e devem ter uma participação limitada no consórcio que vai gerir por 40 anos TAV brasileiro.
Os concorrentes do consórcio japonês e o noticiário local dão a participação do poder público como certa. Uma notícia do correspondente da agência de notícias Bloomberg, do início de março, informa que o grupo disputará o trem bala brasileiro com respaldo do governo japonês e pode ainda ter a participação da East Japan Railway, maior operador ferroviário do país, com receita de US$ 30 bilhões. Com a população em declínio, a empresa estaria em busca de oportunidades no exterior.
A participação também pode vir via Japan Bank for Internacional Cooperation (Jbic) – como foi anunciando recentemente para o projeto do trem bala dos EUA. Além de crédito, o Jbic oferece equity a projetos feitos no exterior com participação de empresas do Japão.
O consórcio chinês, como era de se esperar, deve ser praticamente todo composto por empresas estatais. A liderança está por conta da China Rail Construction Company (CRCC), uma das maiores construtoras do país – responsável por erguer a malha local do trem bala -, com capital aberto na bolsa de Hong Kong e receita de US$ 48 bilhões em 2009. Haverá ainda a participação da China North Railway (CNR), fabricante de material ferroviário, que ganhou um contrato US$ 163 milhões para fornecer para o metrô do Rio de Janeiro no ano passado. Terão ainda apoio do fundo soberano chinês, o China Investment Corporation, e há possível participação do China Development Bank (CDB), o BNDES chinês.
Representante local do grupo Chinês, Marco Polo Moreira Leite, presidente da Asean Trade Link (ATL), diz que está negociando também a participação de grupos privados nacionais, sem os quais não é possível disputar um negócio no país – mas por razões de expertise. Mas o grosso do capital exigido pelo projeto já está garantido por investidores chineses. Equity nunca foi a nossa preocupação, diz Leite.
Segundo o empresário, com abundantes recursos de estatais, os chineses estão mais bem posicionados para levar o projeto – desde que os critérios de seleção ajudem. Na Europa, não há dinheiro, os Estados Unidos estão saindo de uma recessão e, na Ásia, quem está mais capitalizada é a China, diz.
O consórcio estava animado com o primeiro critério para a disputa do trem de alta velocidade, onde o que contava era a maior proporção de capital próprio. Com discussões sobre priorizar a menor tarifa, a disputa pode ficar mais difícil para os chineses. Para Marco Polo, o uso da menor tarifa é perigosa, obriga a cortes de custos no projeto e inibe investimentos na rede, necessários para atrair demanda de outros modais.
Consórcios Europeus continuam na disputa do TAV
Novas medidas vêm sendo estudadas pelo governo brasileiro para melhorar o ambiente de negócios para a disputa do Trem de Alta Velocidade (TAV). Em reuniões recentes com representantes dos candidatos ao contrato, foi levantada a possibilidade de ampliar o volume de crédito disponibilizado pelo BNDES – que subiria dos atuais 60% do investimento para 80% do investimento – e a entrada dos fundos de pensão Petros, Previ e Funcef.
As duas medidas têm o mesmo objetivo, reduzir a parcela de equity – capital próprio – dos consórcios interessados no projeto. O alto investimento exigido dos grupos privados, de R$ 7 bilhões, cairia para R$ 3,46 bilhões com o aumento da participação do BNDES, e mais ainda caso fosse assegurada a entrada dos fundos de pensão.
A alta exigência de equity é o maior motivo de reclamação dos consórcios interessados, e o que torna necessária a entrada do setor público na briga – brasileiro ou estrangeiro. Os dois principais consórcios europeus para o projeto – compostos pela alemã Siemens e francesa Alstom – não conseguiram nenhuma sinal de seus governos locais de que haverá ajuda do setor público na empreitada, apenas uma possível linha de crédito subsidiada.
Segundo Paulo Alvarenga, responsável pela divisão de transportes da Siemens brasileira, sem mudanças na proposta para o edital, a participação do grupo fica ameaçada. Há ainda algumas questões existenciais no projeto, a começar pela garantia de demanda, diz o executivo. Na sua visão, o governo precisa oferecer compensações caso a projeção de número de passageiros não se concretize. Segundo ele, do jeito que está, o projeto não tem viabilidade do ponto de vista da iniciativa privada Os bancos querem garantias. Não há essas garantias, diz.
Phillipe Delleur, presidente da Alstom do Brasil, aponta ainda outros problemas que ele considera insustentáveis no projeto, como os riscos ambientais, geológicos e de engenharia. Há ainda necessidade de melhorar os acessos às estações e a liberdade de fixação de tarifas. Ainda assim, ele diz que continua mantendo conversas com investidores – construtoras e fundos de pensão brasileiros.
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