Vilaça: O futuro está nos trens

Se o trem ainda é visto por muitos como algo ligado ao passado, é bom saber que não há dúvidas sobre a sua importância nas próximas décadas como principal meio de transporte para grandes cargas em longos percursos. Essa certeza foi compartilhada por milhares de empresários de 45 países presentes à Innotrans 2010, realizada no mês de outubro em Berlim.


Há algumas décadas, os trilhos não tinham vez quando se idealizava o futuro. No Brasil do “milagre econômico”, a construção de rodovias era um símbolo de progresso e modernidade, enquanto a malha ferroviária era sucateada sob gestão estatal. Felizmente a realidade agora é outra. Deve-se destacar que esse quadro começou a mudar com a desestatização do setor, a partir de 1997. Desde então, os investimentos das concessionárias do transporte ferroviário já superaram a cifra de R$ 22 bilhões. Os investimentos governamentais, embora tenham somado pouco mais de R$ 1 bilhão até 2009, multiplicam-se agora na construção de novas ferrovias estruturantes, integrando diversas regiões do território nacional.


Esse novo cenário é alicerçado na visão de que os trilhos levam desenvolvimento, e não o contrário. A importância de se adequar a infraestrutura de transportes às urgentes demandas do crescimento econômico, vista como prioridade do governo Lula nas premissas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Programa nacional de Logística e Transportes (PNLT), tornou-se também um item de destaque nas propostas de governo da presidente eleita. Como afirmou a então candidata Dilma Rousseff, durante o evento Brasil nos Trilhos, em Brasília, “a parceria do governo federal com as empresas do setor ferroviário é crucial para que o Brasil amplie sua capacidade de oferta e possa crescer à altura do seu potencial”.


Setores do governo e da iniciativa privada movimentam-se hoje em torno da definição do que seria o melhor modelo para a configuração do mapa logístico do país nos próximos anos. Todos entendem que o marco regulatório precisa ser aprimorado, mas há que se levar em conta os avanços dos últimos anos no Brasil, assim como as experiências internacionais bem-sucedidas, para que a adoção de um novo modelo não resulte em retrocesso.


Nos EUA, por exemplo, temos um caso de sucesso após a desregulamentação do transporte ferroviário de carga, em 1980, quando as empresas do setor iniciaram um novo ciclo de elevado grau de eficiência. Enquanto isso, o modelo adotado no Reino Unido e na Espanha, separando a concessão dos trilhos e a operação dos trens para implantar um regime de ferrovia aberta a todos os operadores interessados em transitar na malha, levou à queda nos investimentos, perda de qualidade, quebra das empresas, menor participação na matriz de transportes e, consequentemente, à reestatização do sistema, que passou a depender de subsídios e outros recursos governamentais em torno de € 40 bilhões por ano.


Aumenta em todo o mundo a demanda por transporte de carga, atraindo vultosos recursos privados que, necessariamente, estarão sempre condicionados a um ambiente de segurança jurídica para os contratos de longo prazo e a padrões corretos de competitividade entre os diversos modais de transporte. Por isso é preciso que os investimentos das concessionárias sejam aplicados em trechos com efetiva demanda de transporte, assim como é imprescindível preservar os contratos vigentes e garantir a capacidade de investimento do sistema atual, mantendo condições de rentabilidade suficientes para a remuneração adequada do capital aplicado pelas concessionárias, de modo a assegurar a qualidade e a eficiência das operações.


“Os custos de implantação de uma ferrovia são bem superiores aos das rodovias”, constatou o Instituto de Pesquisa Econômica Avançada – Ipea em recente estudo sobre transporte ferroviário de cargas no Brasil, “Então, qual a vantagem de usar ferrovias?”, questionam os autores do estudo, respondendo em seguida: maior capacidade de movimentação de cargas, aliada a custos operacionais mais baixos; menores custos de manutenção em relação ao volume de carga movimentada; e menor consumo de combustível por tonelada transportada.


Diante da crescente demanda gerada pelo aumento da produção nacional e pelas perspectivas de maior participação no mercado mundial, os diversos programas e planos de longo prazo para a infraestrutura logística apontam para um aumento da participação do modal ferroviário na matriz de transporte brasileira, perseguindo os “benchmarks” internacionais. O atual modelo de concessões reguladas já vem trilhando esse caminho com resultados consistentes e gerou um círculo virtuoso de investimentos no próprio setor, como afirmou o representante do BNDES na sede da Fiesp, durante o VII Seminário sobre Ferrovias. Essa realidade substituiu o círculo vicioso dos tempos da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que deixou um prejuízo de R$ 13 bilhões para os cofres públicos – uma herança negativa revertida pelas concessionárias que, desde 1997, têm recolhido em média R$ 1 bilhão por ano em impostos, Cide, concessão e arrendamentos.


Ampliar a malha ferroviária e aprimorar o marco regulatório são desafios que se complementam. As empresas concessionárias estão apresentando ao governo uma série de sugestões capazes de promover efetivas melhorias, com lógica socioeconômica e compromissos firmes de reconfiguração da malha, por meio de investimentos privados na infraestrutura: contornos, viadutos e novos corredores para potencialização da demanda, entre outras propostas. Incentivos governamentais adequados poderiam aumentar a sustentabilidade econômica do setor e alavancar novos investimentos, inclusive uma política industrial que estimule a fabricação de locomotivas e trilhos no Brasil.


Se por um lado precisamos quase dobrar a extensão da nossa malha, dos atuais 28,4 mil para 52 mil km, será essencial também aperfeiçoar o modelo de concessões em função das atuais demandas e das novas condições tecnológicas e econômicas do transporte de carga no Brasil e no mundo, para que os resultados satisfatórios obtidos nos últimos anos possam avançar mais, em benefício de toda a sociedade.


*Rodrigo Vilaça, administrador de empresas, é diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).

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Fonte: Valor Econômico – Opinião

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