Artigo: Ferronorte: riscos do desvio

*José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário.


Por trás dessa questão da ferrovia em Mato Grosso estão em jogo dois projetos de futuro para o estado. Por um a ferrovia passa por Cuiabá, e por outro, a ferrovia não passa por Cuiabá. Ou melhor, por esse outro projeto a ferrovia não pode passar por Cuiabá, pois um terminal ferroviário em Cuiabá, ligado a Santarém e Porto Velho, impedirá Rondonópolis de ter o maior terminal ferroviário do estado, indispensável ao deslocamento geopolítico ao sul, pretendido por alguns. Como Cuiabá é o maior reduto eleitoral do estado, esse jogo não pode ser aberto, e tem sido habilmente dissimulado até agora.


O primeiro projeto tem quase cinco décadas e a cada ano se revela mais atual, mostrando a extraordinária visão de seus idealizadores, os saudosos senador Vicente Vuolo e o professor Domingos Iglesias. Seu traçado segue a espinha dorsal do estado – a BR-163 – até Santarém, com uma variante para Porto Velho passando por Tangará ou mesmo por Sapezal. Comporta ainda extensões para Cáceres, e até mesmo a variante recém-criada da Leste-Oeste. Uma ferrovia para todo o estado, mantendo a integridade geopolítica que faz de Mato Grosso um estado otimizado, de maior sucesso no país hoje. Uma ferrovia para levar e também trazer o desenvolvimento, mercadorias, fertilizantes, insumos diversos, não apenas uma esteira exportadora de soja. O problema do projeto original da Ferronorte é que ficou órfão politicamente, com as ausências do senador Vuolo e de Dante de Oliveira. Deste, os herdeiros políticos ficaram com seus votos, mas abandonaram a continuidade de suas obras.


O outro projeto surge com o avanço do agronegócio no estado e a afirmação política de alguns de seus segmentos. Não se trata de um projeto de todo o agronegócio mato-grossense, que se espalha por todo o Estado, mas de alguns de seus segmentos, em minoria no conjunto, mas poderosos, competentes e determinados. Nem se trata também de um projeto do governo – Silval vestiu a camisa da ferrovia em Cuiabá – mas de um grupo que tem muita força nele. Por ele, a Ferronorte segue de Rondonópolis direto para Lucas do Rio Verde e de lá para Santarém e Porto Velho. Esse projeto é complementado com a nova ferrovia Leste-Oeste e com a pavimentação da MT-130, ligando direto Rondonópolis a Lucas por rodovia, sem passar por Cuiabá. É fácil entender a intenção de deslocar artificialmente o centro geopolítico do estado para dois pólos, um no médio-norte e outro no sudeste, em Lucas e Rondonópolis, e a ameaça que isso representa à atual e exitosa unidade estadual. O Mato Grosso platino fica excluído e Cuiabá vira a Ouro Preto do agronegócio, com no máximo um ramal ferroviário de consolo.


Está prevista para hoje (17/05) a Audiência Pública sobre o trecho entre Mineirinho e Rondonópolis, um desvio de 90 graus no traçado original da Ferronorte indispensável à aproximação da ferrovia até aquela importante cidade. Não se pode pensar a ferrovia em Mato Grosso com ela passando a cerca de 60 quilômetros de Rondonópolis. Por outro lado, também é um absurdo sequer imaginar que ela não passe por Cuiabá e Várzea Grande, o maior pólo produtor, consumidor e distribuidor do estado e, assim, o maior centro de carga de ida e de retorno de Mato Grosso. Se a ferrovia subir a serra por lá, não desce para chegar a Cuiabá. Seria o fim do estado poderoso tal como o conhecemos hoje e sua volta ao final da fila, sem voz e sem vez. Que esta nova audiência não esqueça que a ferrovia é para servir Mato Grosso como um todo, respeitadas as questões ambientais, passando por Rondonópolis e Cuiabá, e avançando por todo o estado, inclusive Nobres, Lucas, Sorriso, Nova Mutum e Sinop. E já! Mato Grosso, sua economia e a qualidade de vida de seu povo aguardam ansiosamente por ela.

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