A falta de resultados dos investimentos do Estado na rede ferroviária ao longo de três décadas criou a atual fila de atrasos, quebras e superlotação nos 165 trens que circulam no Rio de Janeiro. Mesmo com o Banco Mundial (Bird) tendo investido US$ 865 milhões na malha urbana desde 1995, os passageiros reclamam do mau serviço e ainda viajam em 50 composições das décadas de 1950 e 1960 — todas consideradas obsoletas por especialistas. O próprio presidente da SuperVia, Carlos José Cunha, admite que metade das falhas operacionais são atribuídas a essas marias-fumaças.
Segundo a SuperVia, a empresa registra uma média de 4,4 falhas diárias. E 2,2 delas ocorrem naqueles trens. Como o índice de pontualidade das viagens é de 92,2%, proporcionalmente 42.900 pessoas — 7,8% dos 550 mil usuários da companhia — correm mais risco de ficar a pé a bordo das composições antigas.
Em 2006, essa fila do atraso andou um pouco com a chegada dos 20 trens comprados pelo governo de um consórcio nipo-coreano. O investimento, de US$ 100 milhões, foi bancado pelo Bird.
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Locomotiva paulista
Em São Paulo, o sistema é administrado pela estatal CPTM. Lá, 10% da frota tem idade superior a meio século. Se aqui houve uma grande renovação da frota, em 1980, lá os paulistas não têm do que reclamar. De 1974 a 1979, foram comprados 65 trens. E outros 80 entraram em operação desde 2000. Nesse meio tempo, 16 chegaram aos trilhos entre 1987 e 1997. Assim, a CPTM adquiriu 161 composições — quase a SuperVia inteira. E ainda exibe uma invejosa marca de 0,005% de falhas (42 em 810 mil viagens, em 2011).
— Temos trens de mais de 55 anos que não suportam mais uma manutenção adequada. A maior parte dos problemas vem deles. Há trem que teve 70 falhas em 90 dias, desde uma lâmpada queimada ao motor de tração e à porta que não abre. Nós os mantemos porque é um mal necessário. Temos cerca de dez falhas por trem por mês. Precisamos baixá-la para duas. A gente faz o possível para o equipamento aguentar um, dois dias — admite Carlos José Cunha.
Marias-fumaças custam R$ 40 milhões por ano
Atualmente, o custo para manter os trens mais antigos é de R$ 40 milhões — dinheiro suficiente para comprar quatro novas composições.
— No ano passado, o investimento total em manutenção foi de R$ 80 milhões. Com a nova frota, a gente espera reduzir isso à metade — revela Carlos José Cunha, referindo-se à compra de 120 trens pela SuperVia e pelo governo.
Para o diretor do Sindicato dos Engenheiros, Jorge Saraiva, os trens mais velhos já estão no fim da linha:
— Com manutenção e substituição adequada, eles teriam vida útil em torno de 60 anos, exceto se um acidente afetar a caixa.
Assim, 12% das máquinas, de 1954, estão com os dias contados. Já a CPTM é mais exigente e fixa a vida útil dos trens em 50 anos. Segundo a estatal, eles circulam por 30 anos e, com manutenção regular e modernização, podem ter sua validade ampliada por mais 20 — desde que os ramais também sejam readaptados. Neste momento, seis linhas passam por esse processo em São Paulo.
Ou seja, os 30% dos trens do Rio dos anos 1950 e 1960 não teriam vaga na CPTM.
— A CPTM saiu de 800 mil passageiros em 2000 para 2,7 milhões, com investimentos de mais de R$ 40 bilhões em novos trens, o que estamos fazendo aqui, e esperamos trabalhar num padrão muito bom também — diz o presidente da SuperVia.
Ferrovia no fundo do poço em 1995
Secretário de Transportes na gestão do governador Marcello Alencar (1995/98), o empresário Francisco Pinto explica que a malha ferroviária era operada pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), do governo federal. A rede foi estadualizada em dezembro de 1994 e privatizada em 1998. Segundo ele, a ferrovia vinha se degradando “até atingir o fundo do poço na época da estadualização”.
— No acordo, o governo federal se comprometia a fazer a recuperação do sistema, inclusive dos trens, por meio da CBTU, valendo-se de um programa de financiamento do Banco Mundial, de US$ 272 milhões. Nos dois primeiros meses do governo Marcelo Alencar, concluímos que o programa era insuficiente e que seria necessário investir mais US$ 373 milhões. Começamos um luta intensa para viabilizar esse dinheiro, por meio do Programa Estadual de Transportes — explica ele.
Francisco Pinto acrescenta que os trens vindos da Ásia em 2006 foram adquiridos com esses recursos, também financiados pelo Bird. Somando-se aqueles valores a outro empréstimo de US$ 220 milhões para aquisição de 34 trens em 2009 e melhorias na rede, o Banco Mundial já aplicou US$ 865 milhoes nos trilhos da SuperVia.
A CBTU, por sua vez, foi criada em 1984 para controlar os trens urbanos do Rio e de São Paulo até 1994. Procurada, a estatal informou que revisou e recuperou 81 trens no Rio com parte dos recursos do Banco Mundial — dentre eles, 31 dos anos 1950 e 1960. Nesse período, os paulistas ganharam oito composições novas.
Negócios da China
Para recuperar o tempo perdido, o atual governo encomendou 34 trens à chinesa Changchun Railway Vehicles (CNR), em 2009, por US$ 188 milhões. Quatro já chegaram. Agora, a Secretaria de Transportes está para concluir outra licitação para compra de mais 60. A CNR venceu a concorrência ao oferecer cada um por US$ 9 milhões.
Já a SuperVia encomendará outros 30 à segunda colocada na disputa, a China South Railway. A opção por outra fábrica se explica: a concessionária quer evitar um “engarrafamento” na linha de produção da CNR para ter as 90 composições em ação a tempo da Copa do Mundo de 2014.
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