Artigo: Conferência Global da UIC

* Sergio Coutinho


As Ferrovias Indianas e a RailTel, empresa estatal de telecomunicações ferroviárias da Índia hospedaram nos últimos dias 21 a 23 de março a terceira Conferência Global de Sinalização e Telecomunicações promovida pela UIC, a União Internacional de Ferrovias.


No impressionante Centro de Convenções Manekshaw, pertencente ao Exército da Índia, os trabalhos foram abertos pelo Diretor Geral da UIC, Jean-Pierre Loubinaux, e pelo Ministro das Ferrovias da Índia, Pawan Bansal, reunindo cerca de 600 executivos, engenheiros e especialistas de 22 países, inclusive do Brasil. Compartilharam experiências sobre o estado da arte e debateram o futuro da tecnologia de sinalização e das telecomunicações ferroviárias. A grande ausência na Conferência ficou por conta dos Norte-Americanos que não se fizeram representar.


Pela primeira vez, Telecomunicações e Sinalização foram tratadas num mesmo evento da UIC, reconhecimento de que as duas disciplinas não podem mais ser separadas e de que a tendência de embarcar os sistemas de sinalização em detrimento da sua instalação à margem da via, o que é conhecido como cab signaling, é irreversível.


As apresentações e debates focaram as soluções atualmente adotadas e em desenvolvimento na Europa, Índia, China, Taiwan, Mongólia, Japão e Austrália, assim como a necessidade de cooperação entre as ferrovias e membros da UIC para a convergência dos requisitos mínimos para esses sistemas, buscando uma padronização global das soluções, de forma a ampliar escalas de produção, reduzir custos e tornar as ferrovias mais competitivas em todo o Mundo.


O ciclo de vida cada vez menor das tecnologias aplicadas à sinalização e às telecomunicações representa um desafio para as ferrovias, onde o ciclo de vida da infraestrutura e do material rodante é contado em décadas. Embora os investimentos em sinalização e telecomunicações sejam da ordem de 5 a 6 por cento do total de uma ferrovia, esses sistemas têm-se tornado obsoletos cada vez mais cedo, trazendo a necessidade de reinvestimento e atualização tecnológica para manter a competitividade da ferrovia frente às demandas de aumento de capacidade e redução e custo, que, ao contrário do que ocorria no século dezenove à época da sua invenção, não representa mais a última fronteira do desenvolvimento da tecnologia.


Na área de telecomunicações, debates e apresentações revelaram que as ferrovias precisam embarcar definitivamente nas tecnologias que utilizam o IP (protocolo de comunicações utilizado na Internet), tanto nos backbones (estrutura básica de fibras ópticas) quanto nas comunicações móveis terra-trem. Na área dos backbones ópticos o padrão conhecido como 3GPP – Release 4 para redes IP MPLS deve sobrepor-se às outras soluções aplicadas às ferrovias, que normalmente possuem suas próprias redes de comunicação. Este é o caso da Índia, onde a RailTel opera uma rede de fibras ópticas de 43.000km.


A UIC expôs o seu projeto para a definição do FRMCS – Futuro Sistema de Comunicação Móvel Ferroviária – que deve substituir o GSM-R a partir de 2025. O GSM-R, que atualmente considerado o padrão global de comunicações móveis ferroviárias e cobre cerca de 160.000 km de vias, continuará a evoluir e a ser instalado e utilizado até lá, uma vez que o FRMCS tem como premissa básica a retro compatibilidade. O FRMCS deverá ser totalmente baseado em IP e a UIC, através de um grupo de trabalho, está buscando uma possível cooperação com as entidades representativas do setor de segurança pública, considerando que a harmonização dos requisitos funcionais e o desenvolvimento de uma plataforma tecnológica básica comum poderão trazer grandes vantagens em termos de escala e redução de custos. A tendência anterior de basear o novo sistema de comunicação móvel ferroviária unicamente na tecnologia 4G de comunicação de massa não foi completamente abandonada, mas será submetida a uma avaliação mais profunda. A UIC deverá realizar em setembro próximo um evento exclusivamente para tratar desse tema.


O FRMCS deverá incorporar uma versão IP do próprio GSM-R, que tratará as comunicações críticas de voz e dados necessárias para a operação ferroviária, acrescentando uma camada de comunicação móvel em banda larga para atender a crescente necessidade de transmissão de dados de manutenção de trens em tempo real, vídeo de bordo, serviços de informação para passageiros e as demandas por serviços de valor adicionado.


Houve consenso de que não há razão para se tomar decisões apressadas na definição do FRMCS, mas que deve haver sim um grande senso de urgência na busca e alocação do espectro de frequências necessário às operações ferroviárias junto às administrações nacionais, papel que no Brasil é executado pela ANATEL. Na Europa, atualmente, se discute a extensão da banda alocada para o GSM-R em mais 3 MHz, que passará então dos originais quatro para sete. Outros países já reservaram bandas maiores para a comunicação ferroviária como a Austrália, que hoje tem 15 MHz para essa finalidade.


Na área de sinalização, reconhece-se que o padrão europeu ETCS Níveis 1, 2 e 3 está se tornando cada vez mais global, mas ainda há muito por fazer em relação à diversidade de sistemas e soluções encontradas em todo mundo. A UIC tem procurado estabelecer uma cooperação ampla entre os seus membros para que haja uma harmonização dos requisitos funcionais e a padronização das soluções, o que trará redução do custo total de propriedade dos sistemas. A questão da padronização foi exaustivamente debatida assim com a necessidade do estabelecimento de padrões não proprietários, abertos, e multi fornecedores onde as interfaces entre os vários blocos e componentes do sistema sejam claramente definidas e especificadas. O desenvolvimento de soluções particulares e customizadas é sempre atraente por representarem um menor investimento inicial, mas ao longo do seu ciclo de vida tornam-se dispendiosas pela baixa de escala de produção, monopólio de fornecedores e obsolescência de componentes. Por outro lado, a padronização excessiva e desvinculada da racionalidade econômica acaba por limitar a criatividade e o desenvolvimento de novas soluções. Os padrões em geral são bem sucedidos quando promover a criação de grandes mercados onde a elevada competição é capaz de reduzir custos, como acontece na indústria de comunicação móvel de massa.


ETCS, ATAC, PTC são sistemas parecidos que realizam essencialmente as mesmas funções. A tendência é que a sinalização se transformará cada vez mais em um conjunto de aplicações de software rodando em plataformas de integração e redes de comunicações, onde as tecnologias de telecomunicações e navegação serão cada vez mais utilizadas.
Os representantes da China apresentaram o seu projeto nacional de padronização estruturada da sinalização ferroviária baseado no padrão europeu, que foi absorvido e rebatizado de CRTMS – Chinese Rail Traffic Management System, com quatro níveis. Esses níveis são aplicados com base na classe de cada linha, definida em função da velocidade máxima e headway mínimo, tanto para transporte de carga como de passageiros, de alta ou baixa velocidade, de forma que toda a malha nacional será integrada do ponto de vista de gestão e interoperável do ponto de vista de sinalização, o que reduz significativamente o custo de operação.


A Austrália e a Índia também têm aplicado o padrão europeu em segmentos específicos das suas ferrovias ao lado de soluções nacionais, sendo que os critérios de aplicação também foram definidos por classes de linhas ou pela sua localização. Ficou, porém, evidente a diferença de foco, volume e priorização de investimentos entre a abordagem da China em relação à da Índia e Austrália. Enquanto a primeira elaborou e vem executando um programa de estado em larga escala para levar toda a sua malha ferroviária ao estado da arte da tecnologia e um fator chave de competitividade para o país, outro

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