A segunda e última audiência pública da Tomada de Subsídios para a elaboração do edital da concessão do trecho ferroviário de aproximadamente 500 quilômetros entre Açailândia, no Maranhão, e o Porto de Vila do Conde, Pará, vai esquentar o ambiente em Brasília a partir das 14 horas de hoje. A empresa capixaba Hidremec, fabricante de dormentes ferroviários de aço, promete apertar a equipe da Agência Nacional de Transporte Ferroviário (ANTT) para que ela retire do relatório preliminar do Estudo de Engenharia da obra o trecho que diz: “Os dormentes, adotando-se o padrão em uso nas vias em operação, serão monoblocos de concreto protendido”.
O diretor da ANTT, Carlos Nascimento, responsável por tocar o projeto, disse que a especificação foi colocada no estudo pela projetista responsável pelo trabalho apenas como referência para ter um parâmetro de custo e destacou que já na minuta do edital – Caderno de Obrigações anexo-, o item 1.2.2 é claro: “os dormentes serão de concreto monobloco, aço, fibra de vidro ou outro material próprio para suportar uma carga por eixo de, no mínimo, 30 t (trinta toneladas) e possuir durabilidade superior a 20 anos, com 2,8 metros de comprimento”. Nascimento informou que o edital deverá estar na rua entre junho e julho.
“Só queremos isonomia”, afirma o presidente da Hidremec, Carlos Alberto de Andrade Pinto, baseado no Estudo de Engenharia. Ele sustenta que o seu produto tem vantagens técnicas e econômicas sobre o dormente de concreto. O peso, de 85 quilos, seria quase a quinta parte do produto concorrente e a durabilidade seria maior (60, contra 40 anos), além de ser reciclável e exigir menor volume de brita no leito ferroviário, de acordo com o empresário. Uma prévia do debate de hoje já ocorreu no dia 14 deste mês, em Belém (PA), na primeira audiência pública.
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O diretor financeiro da Hidremec, Álvaro de Andrade Pinto, filho do presidente, discutiu com a equipe da ANTT o trecho do edital, entendendo que ele favorece o produto de cimento. Ouviu a mesma explicação sobre custos dada por Nascimento ao Valor – o produto de aço não fora colocado por falta de parâmetro de custos-, mas pretende voltar à carga hoje à tarde.
Na página 67, de um total de 84, o Estudo de Engenharia da ANTT, além de definir o tipo de dormente a ser usado, justifica: “A utilização de outros tipos de dormentes será possível, observando-se, entretanto, que esse procedimento não seria recomendável pela quebra da padronização dos materiais usados na superestrutura da via existente, acarretando aumento do custo de manutenção”. O leito da Norte-Sul, hoje com 1.440 quilômetros, usa dormentes de concreto.
A ferrovia Açailândia-Porto de Vila do Conde é extensão ao norte da Ferrovia Norte-Sul que corta o país pelo Centro-Oeste e quando estiver totalmente pronta vai ligar o Porto de Santos (SP) ao Pará, passando por regiões de cultivo de soja. O novo trecho será o primeiro a ser licitado dentro das novas regras para a expansão do setor ferroviário. Elas estipulam que o concessionário venderá integralmente a capacidade de transporte para a estatal Valec que irá negociá-la com os transportadores de cargas.
Normalmente, a fabricação de dormentes de concreto é feita de forma dedicada, para ficar próxima à obra e reduzir dificuldades e custos de transporte. As principais fábricas existentes hoje no país são da Odebrecht, em Salgueiro (PE), construída para abastecer a construção da ferrovia Transnordestina (do grupo CSN) pela própria Odebrecht. Outra fábrica está instalada em Bacabeira, no Maranhão, e fornece dormentes para a duplicar a Estrada de Ferro Carajás, da Vale. A fábrica é do consórcio Cavan (Alusa) com a americana Rocbra.
Criada em 2001 no município capixaba de Cariacica (Grande Vitória), a Hidremec é a mais antiga e uma das três fábricas de dormentes de aço existentes no Brasil – as duas outras estão em fase embrionária. Pinto é originalmente do setor cafeeiro. Foi presidente do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC) na década de 1970. Segundo ele, o principal contrato até agora da empresa foi fornecer dormentes à Vale para a troca de 90% dos componentes de madeira que equipavam a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).
O dormente de madeira, modelo mais antigo e que, ao contrário dos produtos de concreto e de aço opera enterrado, ainda é fornecido por dezenas de serrarias que operam com madeira de reflorestamento, eucalipto e outras. Eles são os favoritos em travessias de túneis e em áreas próximas a cursos d’água por absorverem melhor a umidade.
O edital preliminar do trecho Açailândia-Vila do Conde admite usar esse tipo de dormente nos aparelhos de mudança de via mesmo que não durem 20 anos.
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