A tragédia deste domingo (24), em São José do Rio Preto (SP), após vagões que descarrilaram e invadiram duas casas matando oito pessoas, volta a levantar uma questão antiga na cidade: a retirada dos trilhos da área urbana. Muitos acidentes poderiam ter sido evitados se um projeto já enviado pela prefeitura ao DNIT, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, tivesse saído do papel.
Cerca de 20 quilômetros de linha férrea passam por dentro de Rio Preto. A estrada que no passado era sinônimo de progresso, de uns anos para cá virou motivo de preocupação entre os moradores. Autoridades começaram a discutir maneiras de se retirar os trilhos do perímetro urbano.
Em 2009, a prefeitura entregou ao DNIT um projeto da obra, orçada em R$ 180 milhões. “O projeto foi sendo desenvolvido, mas houve uma interrupção por falta de recursos. O projeto está terminando ou terminado e o governo federal tem de fazer a licitação, já que é uma ferrovia federal”, afirma o prefeito Valdomiro Lopes.
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O estudo foi aprovado pelo órgão federal, que em 2010, abriu uma licitação para que fosse realizado o projeto executivo do empreendimento. Um consórcio de empresas ganhou a disputa, mas até hoje a ideia não saiu do papel.
Não existem estatísticas que apontam o número de acidentes e mortes na linha férrea em Rio Preto. O que se sabe é que os trilhos representam risco à população. A tragédia que matou oito pessoas no Jardim Conceição é prova disso. A pergunta é o que de fato as autoridades tem feito para proteger moradores que convivem diariamente com esse perigo. “É muito raro eles trocarem um dormente que esteja estragado, a manutenção é muito precária na ferrovia”, afirma o autônomo Antônio Sardinha, que mora próximo à linha.
O atual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários da região, Osvaldo Pinto, diz que a estrada de ferro que passa por Rio Preto está em péssimas condições. “Eles procuram aproveitar o máximo que podem da ferrovia, mas elas são antigas, não tem uma estrutura hoje para suportar os trens, que são maiores que antigamente”, afirma.
Em 2004, o Ministério Público firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a ALL, concessionária que administra a linha férrea. O documento exigia o reparo imediato de dormentes e a criação de um plano de gerenciamento de riscos. O que não foi feito.
Por causa disso, a empresa recebeu multa no valor de R$ 1 milhão. “O fato é que a empresa não investiu o necessário, senão os acidentes não teriam acontecido. O acidente é de responsabilidade da empresa, seja por falha na via, no maquinário ou humano”, diz o promotor Sérgio Clementino.
Mas na opinião do promotor, os órgãos fiscalizadores também tem responsabilidade. Ele diz que a ANTT, Agência Nacional de Transportes Terrestres, responsável por vistoriar a malha férrea, nunca enviou relatório ao Ministério Público sobre o trabalho feito na região noroeste paulista.
Em nota, o DNIT afirma que o projeto executivo para retirada dos trilhos da zona urbana de Rio Preto foi contratado e está em andamento, com as soluções técnicas sendo discutidas com a concessionária.
Araçatuba sem trilhos
Em Araçatuba (SP), os trilhos na área urbana também já foram um problema, mas há 18 anos a prefeitura conseguiu retirar a linha férrea de dentro da cidade. A cidade surgiu 150 anos atrás justamente por causa da ferrovia que era construída naquela época. Tudo começou com a instalação de um vagão deixado para servir provisoriamente como estação. A partir deste acampamento a cidade não parou mais de crescer.
A linha do trem cortava de um lado os pecuaristas e empresários da época. Do outro lado todos os demais trabalhadores. Apesar desta diferença de classes, a cidade foi se espremendo ao redor da ferrovia e quando o trem passava era perigoso para todo mundo. “Difícil o mês que não tinha um acidente, naquela época ainda tinha charrete e os trens pegavam os animais. Mas os acidentes eram constantes e o trem atravancada o percurso dos carros”, afirma o ex-prefeito de Araçatuba Domingos Andorfato.
A aposentada Odemilde Gilda de Araújo se lembra da época em que o trem passava bem nos fundos da casa onde mora. Ela conta que os moradores do bairro viviam apreensivos e com medo de acidentes. “Além da preocupação com as crianças de não atravessaram a linha, trepidava demais as casas, o que gerava rachaduras, o apito muito alto e os veículos atravessando a linha do trem. Era um grande movimento”, comenta Odemilde.
No início da década de 1990, finalmente começaram as obras de remoção dos trilhos que cruzavam o município. No projeto também estava prevista a transferência da estação da região central, para uma área isolada.
Poucos anos depois da alteração, o local construído para receber cargas na região de Araçatuba está em situação de abandono. A ALL, América Latina Logística, informou que não sabe se o local está sobre responsabilidade deles ou do Governo Federal, e por isso vão verificar a informação antes de anunciar quais providências podem ser tomadas.
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