Mal se passaram dois anos, e o escoamento de grãos pelo
porto público de Itaqui, no Maranhão, volta a gerar disputas entre o consórcio
de tradings que formam o Tegram (Terminal de Grãos do Maranhão) e a VLI. Se
antes o problema era a soja e o farelo, o embate agora está centrado no milho.
Nova Agri, CGG Trading, Glencore e o Consórcio Crescimento
(joint venture da Amaggi e Louis Dreyfus), operadoras conjuntas do Tegram,
questionam a abrangência de uma decisão da Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq), de 2010, que limitou o volume de soja e farelo
movimentados pela VLI – devendo o excedente ser direcionado ao Tegram, salvo
quando o novo terminal não conseguisse absorver a demanda.
Pelo resolução nº 1914, a VLI (que tem a Vale como principal
acionista) passaria a escoar o máximo de 2,4 milhões de toneladas de soja e 90
mil toneladas de farelo por ano pelo berço 105 do porto maranhense. Em troca,
poderia expandir os armazéns de grãos em seu terminal privativo em Ponta da
Madeira, vizinho ao porto público.
O que não se imaginava, à época, era que a região conhecida
como “Matopiba” (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste
da Bahia) surgiria como opção viável para a produção de milho no país. Agora,
as tradings do Tegram defendem que o cereal também seja contemplado no teto de
escoamento à VLI prevista na resolução da Antaq.
Em reunião ordinária de diretoria, no dia 26 de agosto, a
Antaq indeferiu o pedido de medida cautelar incidental formulado pelo consórcio
Tegram em relação à movimentação de milho pela VLI. O diretor-geral Adalberto
Tokarski, relator do acórdão, argumentou que a resolução engloba apenas soja e
farelo – excluindo, assim, a extensão de sua abrangência ao milho.
Dos demais diretores, Mário Povia se alinhou com o relator e
Fernando Fonseca se manifestou contrariamente à decisão. “O fato de […]
ser explícito em relação ao farelo de soja e à soja em grão deve ser
contextualizado à época em que foi editado”, diz Fonseca no documento da
Antaq. “Naquela ocasião, esses eram os únicos granéis vegetais
movimentados por Itaqui. Apenas a partir de 2012, o milho passou a ter
relevância na pauta de exportação daquele porto”. E continua: “O que
deve ser considerado para efeito de viabilidade do Tegram é a tonelagem total e
não as parcelas de cargas identificadas na resolução da Antaq”.
O novo questionamento feito pelas tradings abriu mais um
“round” em uma relação comercial nova e já marcada por discordâncias.
Por um lado, o Tegram depende largamente da ferrovia Norte-Sul, operada pela
VLI, para fazer sua carga chegar ao navio – entre 70% e 80% dos grãos escoados
pelo consórcio usam a via ferroviária. Por outro, necessita do volume excedente
de grãos, incluindo o milho, para atingir mais rapidamente sua capacidade
operacional.
O imbróglio envolvendo o milho não teria sequer despontado
se a produção brasileira tivesse sido farta. Mas a quebra da safra este ano,
devido ao clima ruim, impôs uma briga de foice pelo cereal, algo mais comum nos
EUA que no Brasil. O Tegram deverá fechar o ano com apenas 500 mil toneladas de
milho embarcadas, contra 2,8 milhões de toneladas de soja e 90 mil de farelo. A
VLI não informa projeções de carga.
Apesar dos baixos volumes, o sinal amarelo está aceso.
Questionado, o consórcio informou, por meio de assessoria de imprensa, que
ainda avalia a decisão da Antaq e que, por ora, não se pronunciará sobre o
assunto. Segundo o Valor apurou, não está descartada a solicitação de revisão
dos votos na Antaq – ou outra medida.
A VLI, por sua vez, afirmou, também através de sua
assessoria de imprensa, que “como prática regular, mantém contato e
tratativas constantes com seus clientes, incluindo o consórcio do Tegram”.
Uma nota da procuradora federal Flávia Oliveira Tavares, da Advocacia-Geral da
União, datada de 18 de julho e a qual o Valor teve acesso, demonstra um incômodo
mais aparente entre os dois lados. Conforme o documento, a VLI se fia na letra
da resolução.
“Não há que considerar qualquer reserva ao Tegram
referente ao milho, ou outro terceiro produtor, dado que nem mesmo foram
previstos para a viabilidade do arrendamento dos [seus] armazéns no processo de
concorrência da Emap [administradora de Itaqui]. Os arrendatários do Tegram
podem e devem concorrer em iguais condições com demais prestadores pela
movimentação de milho”.
A VLI afirma ainda que qualquer reserva às tradings
representaria um desequilíbrio concorrencial e que o milho não poderia ser
considerado no EVTE (estudo de viabilidade técnica e econômica), já que
inexistia à época da licitação.
Para a procuradora da AGU, porém, a resolução da Antaq fala
em “produtos que eventualmente” acessem Itaqui. Além disso, continua,
“é improvável que um terminal de grãos, genericamente considerado, só
projete o transporte de um só grão para formulação de sua proposta”.
Conforme Flávia Tavares, trata-se de algo que depõe contra a ideia de um
terminal graneleiro, que deve estar pronto para o transporte de qualquer granel
agrícola.
Leia também:
Embarques de grãos perdem fôlego
Seja o primeiro a comentar