Paralisação da ferrovia inviabiliza Porto de Presidente Epitácio

Há 100 anos, o Oeste Paulista conheceu a Estrada de Ferro
Sorocabana. Em 1916, o tronco chegou ao km 648, em Rancharia, cuja data de
inauguração da estação ferroviária foi em 10 de setembro, conforme arquivos do
acervo do Museu Municipal Manir Haddad, a que o G1 teve acesso. O município
também contou com a instalação da Estação Bartira, na área rural. A chegada da
malha ferroviária na região possibilitou o desenvolvimento urbano e econômico
das cidades contempladas, além de recordações. Mas a história também foi
marcada pela paralisação do transporte, que foi parar na Justiça com uma ação
do Ministério Público Federal (MPF). O G1 reuniu um pouco da memória
ferroviária do Oeste Paulista e a luta pela sua reativação em uma série de
reportagens especiais.

Nada circula nos trilhos de Presidente Epitácio. O fato
também atrapalha, principalmente, o funcionamento do modal hidroviário no porto
da cidade. Conforme informou o prefeito Sidnei Caio da Silva Junqueira (PSB) ao
G1, há mais de 20 anos, todos os modais funcionavam na localidade. O antigo
porto, que foi coberto pelas águas fluviais, chegou a funcionar.

No entanto, desde que o novo porto foi construído, entre
2001 e 2002, não houve nenhuma movimentação de carga. “Mesmo porque coincidiu
de a ferrovia também parar nesse momento. Então, não tínhamos hidrovia nem
ferrovia para a logística da cidade ficar melhor”, declarou o chefe do
Executivo.

Com estrutura e capacidade, o Porto de Presidente Epitácio,
conforme Junqueira, “é um dos melhores do Estado de São Paulo, se não for o
melhor em água fluvial”, e tem possíveis investimentos inviabilizados devido à
não operacionalização da ferrovia e da hidrovia. “Todas as pessoas que querem
fazer um transporte e procuram uma logística mais econômica para o transporte
das suas cargas precisam das três pernas: rodoviário, ferroviário e
hidroviário. Ou, pelo menos, de um dos dois: aquaviário ou ferroviário, e hoje,
infelizmente, em função de a malha estar desativada, a gente tem esse grande
problema”, explicou ao G1 o prefeito de Presidente Epitácio.

E tem quem queira e procure o porto para o transporte, como
empresas que demonstram interesse de trazer o farelo e o grão de soja para o
Estado de São Paulo e para o Mato Grosso do Sul, “mas tudo barra nessa questão,
principalmente, da ferrovia”.  “A gente
já recebeu bastante empresários e muitas empresas”, salientou Junqueira.

Em relação à hidrovia, investimentos em eclusas são feitos
pelos governos federal e estadual para melhorar, porém, por um período, a falta
de chuva em Presidente Epitácio “deu uma travada nesse processo”. “Tudo isso
tem um enorme potencial e seria muito importante para a nossa região, mas acaba
brecando nessas pontas”.

Os modais hidroviário, ferroviário e rodoviário funcionam em
países modernos, conforme comentou o prefeito ao G1. “Aqui no Brasil foi meio à
contramão e a gente tem o transporte ferroviário como a maior fatia disso”.

Planejamentos

A esperança da região sobre o transporte ferroviário está na
ação do Ministério Público Federal. “A gente tem uma expectativa de reativação
dessa malha, porque é de grande importância para o desenvolvimento da região”,
destacou Junqueira. “Acreditamos que as medidas que o Ministério Público
Federal está tomando podem amenizar ou resolver essa situação em relação a
retorno”.

Sobre a hidrovia, o prefeito colocou que o porto tem a
concessão da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). “A gente
conseguiu, quando veio a MP dos portos, uma medida provisória que mudou
bastante a situação dos portos do Brasil. Abriu mais o leque dos portos. A gente
conseguiu regularizar o nosso porto e fazer esse convênio com a Antaq. Esse
convênio dá direito ao município de explorar o local de algumas formas, ou
através de autarquia ou através de contratos com terceiros, só que acaba
inviabilizado em função de a ferrovia e de a hidrovia não estarem operando”,
alegou ao G1.

Atualmente, na hidrovia, o forte seria somente a extração de
areia e pedra. “O plano do governo, tanto do federal quanto do estadual, é,
realmente, ampliar a navegação da hidrovia Tietê–Paraná. Tem uma expectativa
boa disso. Estão sendo feitos vários investimentos, mas ainda não tem uma
movimentação importante em função de alguns entraves, principalmente, no
sistema de eclusas que ligam o Tietê–Paraná”, disse Junqueira ao G1.

‘Briga’

Todos os lados já foram acionados e cobrados, mas a situação
saiu da esfera política e “virou uma briga jurídica”, conforme apontou o
prefeito de Presidente Epitácio. “Já tem uma execução de multa de R$ 40
milhões. Já tiveram uma multa que foi, inclusive, destinada ao Hospital do
Câncer. Pelo que a gente entende, as multas são menores do que o investimento
que a ALL [América Latina Logística] tem de fazer na malha, então, ela fica
protelando. Se tiver de pagar multa, é menor do que o investimento e ainda
compensa para ela”.

“Penso no desenvolvimento da região. É importante frisar que
tanto a hidrovia estar inoperante quanto a ferrovia prejudica demais a região.
Condições? Tem tudo! O município de Presidente Epitácio e a região têm todo o
potencial para poder explorar rodovia, ferrovia e o porto, só que está travado
nessas situações”, salientou ao G1 o prefeito.

Logística

O secretário de Economia, Planejamento e Meio Ambiente,
Antonio Domingos Dal Más, apontou que “o prejuízo de todo esse patrimônio, todo
esse modal que está parado, é gigantesco, porque você não consegue atrair
empresários”.

“Hoje, se tiver um empresário ou uma multinacional que
queira investir capital ou recursos nesse modal, fica extremamente complicado.
Entre a opção de instalar aqui ou instalar em Ourinhos, ele vai instalar em
Ourinhos, porque, para o empresário, o valor de investimento é o mesmo, os
benefícios que as prefeituras dão também são os mesmos e, aí, a região do Oeste
Paulista fica estagnada com essa paralisação da ferrovia e os outros modais
também não caminham”, relatou ao G1.

Sem ferrovia e hidrovia, o Oeste Paulista precisa recorrer à
rodovia. “O transporte rodoviário, em termos de custo, é mais atraente no
primeiro momento hoje, pelo que a ALL passa. Mas muda se a gente somar, por
exemplo, que um vagão leva três carretas que passam na rodovia com uma máquina
só queimando óleo diesel. É muito relevante esse tipo de situação”, declarou
Dal Más.

Também foi ressaltado ao G1 pelo secretário o risco nas
estradas. “Esses caminhões viajando dia e noite, todos os problemas que
atravessam os motoristas, principalmente na época da safra. Então, sair com uma
safra de Goiás [GO] para chegar em Paranaguá [PR] envolve muita coisa em termos
de manutenção. Por exemplo, a cidade de Goiás hoje não tem estrada, porque não
houve a conservação da última safra. Eles não têm estrada para trafegar em
Goiás e nós estamos praticamente no meio do caminho da produção do oeste do
Brasil até o litoral. A gente está transportando tudo de carreta, da origem até
o ponto de exportação, sendo que a gente poderia usar metade rodoviário,
desembarcar aqui em Presidente Epitácio e ir por ferrovia até o cais. Seria uma
logística muito mais lógica, mais inteligente e muito mais viável”.

Por exemplo, nas estradas, principalmente na época de
escoamento de safra, o número de acidentes aumenta muito e são vidas que estão
sendo perdidas, porque não tem essa questão ferroviária, onde a segurança é
muito maior no transporte, declarou, ainda, Dal Más ao G1. “São acidentes no
transporte rodoviário, temos desgaste, o custo de conservação das malhas,
porque as carretas têm limitação de carga, mas todo mundo sabe que eles não
obedecem, mesmo porque o Estado não controla isso, a gente não tem balanças.
Eles andam muito acima de 40 toneladas”.

Conforme declarou o secretário, “é triste” o prejuízo de
conceder um patrimônio público para uma empresa multinacional que “paralisou” e
“abandonou” a malha ferroviária, além de “não conservar”. “Então, na retomada
deste patrimônio todo, terão vários investimentos para colocar a coisa para
funcionar. Nesses anos de paralisação, os prejuízos foram em todos os nortes,
inclusive o da tecnologia da malha que vai se aprimorando, da estrada que tem
de acompanhar o desenvolvimento dos vagões de maiores portes, das bitolas
usadas hoje internacionalmente. Então, isso tudo tem acontecido há 30 anos”,
apontou ao G1.

A situação fica cada vez mais inviabilizada, segundo colocou
o secretário de Economia, Planejamento e Meio Ambiente, pois a ferrovia da
região tem uma “tecnologia de 30 atrás”. “Se você quiser pegar hoje
equipamentos mais modernos, que consigam colocar o produto aqui de Epitácio em
Paranaguá ou Santos, num tempo menor, que é o objetivo da logística, ganhar
tempo e dinheiro, vai ficando difícil, porque você já tem de investir em
equipamentos modernos e também preparar a malha para esses equipamentos
modernos”, explicou.

Paralisação total

Dal Más também salientou ao G1 que é “triste”
constatar “esses 30 anos de paralisação”. Isto porque parou-se tudo:
desenvolvimento, tecnologia e aumentou o grau de investimento necessário para
transformar tudo isso viável. Além disso, existe “toda a pressão”, porque,
nesse meio tempo, conforme o secretário, as empresas rodoviárias se
desenvolveram, aumentaram suas frotas, e cresceram muito com a paralisação

“Mas, se jogar pelo contrário, ele [setor rodoviário] puxa a
corda no sentido de que fique parado [o transporte ferroviário], porque, se
hoje começar a inverter o percentual de cargas transportadas e vai diminuindo o
transporte rodoviário, você mexe com o interesse dessa praça. E a gente fica
nesse meio, esperando decisões”, afirmou o secretário de Economia, Planejamento
e Meio Ambiente.

Todas as esperanças de reativação estão na Justiça. “Se o
Poder Judiciário não entrar firme, será muito difícil. O poder econômico tem
predominância, mas o Judiciário tem ferramentas para coibir isso e equilibrar
para que a gente consiga o desenvolvimento da nossa região”, finalizou Dal Más
ao G1.

Rumo ALL

Sobre a circulação de trens de carga em Presidente Epitácio,
a empresa Rumo ALL ressaltou ao G1 que não há demandas ou propostas comerciais
que viabilizem esse transporte. “Devido à falta de propostas solidamente
viáveis para se firmar contratos de longo prazo, não há, desde 2014, uma meta
estabelecida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para o
trecho em questão”.

Quanto ao Porto de Presidente Epitácio, a concessionária de
ferrovias colocou que “pende ação ajuizada pela Prefeitura que requer, entre
outros pedidos, a abstenção da exploração do local”.

“A companhia segue em busca de parcerias comerciais de longo
prazo que viabilizem a utilização da ferrovia na região. Com essa finalidade,
são realizados encontros com empresários e entidades de Presidente Prudente e
cidades vizinhas. Durante as reuniões, busca-se a captação de cargas,
analisando possíveis origens, destinos, fluxos e volumes de transporte para uma
eventual contratação. No último seminário, realizado em novembro, foi acordado
entre os presentes que serão realizadas visitas da equipe comercial da
concessionária a cada um dos interessados no transporte ferroviário”, afirmou a
Rumo ao G1, por meio de nota.

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