Símbolo de um Brasil que tentou repetir o crescimento dos
anos 70, o setor naval entrou em colapso. De um conjunto de 40 estaleiros
instalados no País, 12 estão totalmente parados e o restante está operando bem
abaixo da capacidade instalada. Sem encomendas, com o caixa debilitado e, em
alguns casos, com sócios envolvidos na Operação Lava Jato, cinco desses
estaleiros entraram em recuperação judicial ou extrajudicial. Dos tempos de
euforia, sobraram uma dívida bilionária para pagar no mercado e quase 50 mil
trabalhadores demitidos, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria Naval
(Sinaval).
Entre os estaleiros que ainda estão em operação, uma parte é
voltada para a construção de embarcações fluviais, como barcaças, ou de
transporte de passageiros, como os catamarãs comuns no Norte do País. A
indústria voltada para a construção de plataformas e navios offshore, que
nasceu para atender as demandas da Petrobrás, está em contagem regressiva, com
os últimos projetos em fase final de construção. Alguns grandes estaleiros têm
pouco mais de dois meses de trabalho e depois podem engrossar a lista de
estabelecimentos parados.
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A euforia de investimentos em estaleiros começou no governo
Lula, com a descoberta do Pré-Sal pela Petrobrás. A partir daí, começaram a
pipocar projetos de novos estaleiros em todo o litoral brasileiro, uma grande
notícia para o governo que queria gerar emprego e turbinar a economia. Para
quem aceitasse o maior porcentual de conteúdo local nas embarcações, o governo
se propunha a financiar até 90% do projeto. De 2007 para cá, algo em torno de
R$ 45 bilhões foram desembolsados do Fundo de Marinha Mercante (FMM) por meio
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e demais bancos
públicos e privados para financiar o setor.
Até 2014, a política do governo se mostrava positiva, apesar
de alguns atrasos na entrega de projetos. A essa altura o setor empregava 82
mil pessoas e desenvolvia uma enorme cadeia produtiva. Mas, com a Operação Lava
Jato, que atingiu em cheio a Petrobrás, queda no preço do petróleo e derrocada
da Sete Brasil, empresa responsável pela contratação de navios para a estatal,
a indústria naval brasileira desmoronou com uma sequência de cancelamentos de
encomendas de embarcações. “Foi a tempestade perfeita”, diz André Carvalho, da
Veirano Advogados.
Para complicar a situação, a Petrobrás fez um pedido à
agência reguladora do setor (ANP) para reduzir os porcentuais de conteúdo local
na construção de uma plataforma para o Campo de Libra, alegando que a produção
no Brasil encarece em 40% o produto. “Os investimentos foram feitos baseados na
política de conteúdo local. A eliminação seria muito complicada”, afirma
Rodrigo Mattos, diretor da Alvarez & Marsal (A&M).
A crítica é que a crise veio num momento em que a curva de
aprendizado estava crescendo, com milhões de reais investidos em treinamento de
pessoal. “Pior. A crise pegou alguns estaleiros ainda na curva de
investimentos”, diz o presidente da A&M, Marcelo Gomes. É o caso por
exemplo do Enseada Paraguaçu, que tem como sócia as empreiteiras envolvidas na
Lava Jato Odebrecht, OAS e UTC, além da japonesa Kawasaki. Com 82% das obras
concluídas, o estaleiro está parado e em recuperação extrajudicial.
A solução tem sido buscar novas atividades para a área. O
presidente da empresa, Fernando Barbosa, afirma que a opção em análise é a
criação de um polo industrial e logístico. Outros estaleiros seguem o mesmo
caminho e buscam reestruturar suas atividades, como o Inhaúma (RJ), afirma
Sergio Leal, do Sinaval. No caso do Estaleiro Rio Grande, também em recuperação
judicial, a solução em estudo é criar uma unidade produtiva isolada e vender em
leilão a parte que inclui todos os equipamentos. “Se nada for feito, em dois
anos estará tudo destruído”, diz Leal.
Nem o básico. Jorge Roberto Peixoto da Fonseca, de 46 anos,
é uma das vítimas do colapso que vivem os estaleiros no Brasil. Há dez anos,
ele deixou o Rio de Janeiro para se aventurar na implementação do polo naval de
Rio Grande. Foi trabalhar na Ecovix, dona do Estaleiro Rio Grande, que em
dezembro do ano passado demitiu cerca de 3 mil funcionários, depois de ter seus
contratos rescindidos com a Petrobrás.
Fonseca foi um dos dispensados pela empresa, que em seguida
entrou em recuperação judicial. Desde então, o desempregado vive um pesadelo.
Com 26 anos de carreira na área de tubulação, ele já passou
por grandes empreendimentos como a Refinaria Abreu e Lima, projetos da
Companhia Siderúrgica Nacional e uma fábrica da Nissan. Hoje, no entanto, não
consegue nenhum emprego. “O máximo que consegui foi um bico de limpador de
fossa”, afirma Fonseca.
O mesmo acontece com a mulher dele, Maria Angélica Rocha de
Oliveira, de 49 anos. “No Rio, trabalhei no Itaú, numa indústria farmacêutica e
em empresas de telemarketing. Aqui não consigo emprego nem como caixa de
supermercado. Eventualmente aparece algum trabalho de faxina.”
Fome. Para sobreviver, os dois contam com a ajuda do filho
de Maria Angélica, que ainda vive no Rio, e de vizinhos. “Tem dia que a gente
não tem nem o que comer”, diz ela, que sofre de hipertensão e precisa seguir
uma alimentação saudável por recomendação médica. “Eles me pedem para comer
bastante fruta. Não temos dinheiro nem para comprar o básico.”
O aluguel do imóvel onde o casal vive com uma filha
adolescente está atrasado há dois meses. “E já pediram para desocupar a casa”,
afirma Fonseca, que ainda acredita na recuperação do setor naval de Rio Grande.
Na semana em que a reportagem do Estado esteve na cidade, ele e outras dezenas
de desempregados protestavam na frente do estaleiro da QGI, que ainda está em operação,
em busca de trabalho.
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