Transnordestina põe Alagoas fora dos trilhos do transporte de cargas no Nordeste

Matagal a perder de vista, ferros retorcidos e carcomidos
pela ação do tempo e animais que passeiam soltos sobre linhas férreas. Este é o
quadro de quem se depara para observar algumas centenas de quilômetros de
ferrovias de Alagoas  e que contrasta com
o discurso de sete anos atrás de que o Estado seria um dos ‘trilhos’ do
desenvolvimento da propalada Trasnordestina — 
malha ferroviária destinada ao transporte de cargas de trem e a ligar
(integrar) o porto de Suape, em Pernambuco, aos estados de Alagoas, Piauí,
Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba —, possibilitando o escoamento de
produções agrícolas e minerais, entre outros produtos, a preços competitivos no
mercado de cargas, como forma de turbinar a economia de vários municípios
alagoanos.

A Tribuna Independente teve acesso esta semana, com
exclusividade, ao anúncio de forma oficial de que o sonho alagoano de integrar
a Transnordestina virou sucata junto com o que ainda restava de material
ferroviário (pedaços de trilhos e de vagões) por cerca de  125 km de ferrovia dos cerca de 300 km
destinados ao Estado e que cortava Alagoas de Porto Real do Colégio, no extremo
sul do Estado, até o Norte e Zona da Mata, entre Rio Largo (Lourenço de
Albuquerque), Murici, União dos Palmares e o município de Quebrangulo, antes de
chegar a Pernambuco.

A obra já havia sido finalizada e, às vésperas da
inauguração, no fatídico dia 19 de junho de 2010, as estradas de ferro e pontes
foram fortemente atingidas pelas enchentes que danificaram seriamente os 125 km
de ferrovias alagoanas destinadas à Transnordestina.

Dessa forma, atualmente, junto com ferros e vagões
carcomidos com ação do tempo e da enxurrada de 2010, se afogou também o sonho
alagoano de integrar a concorrida malha ferroviária do Nordeste.

Em Alagoas, R$ 120 milhões em ferro foram para o ralo com enxurrada
de 2010

Em nota à Tribuna Independente, a assessoria da Ferrovia Transnordestina
Logística (FTL), com sede em Fortaleza, no Ceará — empresa privada que
transporta cargas ferroviárias há 18 anos e que tem a concessão da Malha
Nordeste da antiga Rede Ferroviária Federal S.A.   —, explicou a razão do fechamento de sua
filial em Alagoas e confirmou a demissão dos trabalhadores que ainda
alimentavam o sonho de ver se tornar realidade a malha ferroviária de cargas do
Estado.

 

Diz o comunicado à
reportagem:

 

“A Ferrovia Transnordestina Logística (FTL)  comunica o encerramento das atividades de
suas filiais nos estados de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. A operação
comercial da ferrovia já estava suspensa nesses estados, em função da
inviabilidade econômica. É importante lembrar que as chuvas registradas em 2001
danificaram fortemente a ferrovia, impossibilitando a continuidade do tráfego.
A empresa investiu cerca de R$ 120 milhões para recuperação da ferrovia, especialmente
entre Pernambuco e Alagoas, porém em 2010, quando tudo estava pronto para ser
reinaugurado, outra calamidade destruiu novamente a malha ferroviária,
impedindo o tráfego e causando enormes prejuízos à ferrovia e as cidades
atingidas pelas enchentes daquele ano” (…)

E continua a resposta: 
(…) Apesar de ter despendido todos os esforços possíveis para retomar
a operação e de ter sempre honrado os compromissos com os colaboradores
daquelas localidades, a empresa optou por fechar as filiais, procedendo o
desligamento das equipes. A FTL continua fortalecendo o transporte ferroviário,
por meio de sua operação no trecho que conecta os estados do Maranhão, Piauí e
Ceará, totalizando 1.190 quilômetros. Atualmente, possui 1.020 colaboradores
diretos, 214 terceirizados e gera empregos indiretos na cadeia de transporte
ferroviário nos estados onde atua transportando granéis líquidos, sólidos e
carga geral”, finaliza a nota da FTL.

A linha ferroviária da Trasnordestina em operação
atualmente, com 1.190 km em bitola métrica, liga os portos de Itaqui (São Luis/
MA), Pecém (São Gonçalo do Amarante/ CE) e Mucuripe (Fortaleza/ CE), promovendo
a integração e dinamizando a economia regional. A FTL movimenta cargas com 92
locomotivas e 1.434 vagões.

 

Vagões e linhas
tragados pela água

 

A Tribuna fez um périplo pelos locais mais atingidos pelas
enchentes e por onde estavam traçadas as então ‘bem-sucedidas’ linhas dos trens
de cargas e constatou total abandono no sonho alagoano de integrar o Nordeste
pelos trilhos.

No município de Rio Largo, a 27 km de Maceió, no bairro de
Lourenço de Albuquerque, um dos trechos mais atingidos pela enxurrada de 2010 e
aquele onde seria o início da Transnordestina do lado ao Norte e Zona da Mata
do Estado, as imagens ainda impressionam. Uma sucata de ferros-velhos e de
restos de vagões ainda boia no Rio Mundaú, que corta a cidade.

Foi lá que a reportagem encontrou o homem que ‘constroi e
destroi linhas’, como ele se autodenomina. É seu Antônio Felipe, 63 anos, já
aposentado, e dos quais 25 deles foram dedicados à função de feitor de linhas,
no quadro de funcionários da antiga Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN),
filial Alagoas. “Meu filho, ainda hoje me procuram para construir e destruir
linhas férreas por todo este Nordeste, de Pernambuco ao Ceará, porque tenho
muita experiência”, informa.  “Mas é
muito triste ver que esse trecho aqui de Rio Largo tá tudo assim, abandonado
desde aquela cheia. É muito dinheiro jogado na água e no mato e que poderia
levar desenvolvimento”, lamenta o feitor de trilhos, que mora vizinho onde hoje
ao invés de Transnordestina só se vê ferro-velho e mato.

“Trabalhei tanto construindo linha neste local para ver essa
situação aí. É lamentável, mas espero que esses homens mudem de ideia e retomem
a obra”, completa Antônio.

Mesmo aposentado, seu Antônio informa que ainda presta
serviços de construção de linhas para a Companhia Brasileira de Trens Urbanos
(CBTU). “Tenho uma pequena equipe, de doze pessoas, que me ajuda neste
trabalho”, diz Antônio.

 

Prédio de estação
vira clube de futebol

 

No futebol, há um linguajar bem comum entre os boleiros que
é o de ‘entregar os pontos quando a vaca já foi para o brejo’. Ou seja, é se
conformar com a derrota quando esta já não pode mais ser revertida para um dos
lados da disputa. E como prova de que o trecho do município de Rio Largo ‘já
entregou os pontos’ faz tempo em relação à Transnordestina, a reportagem
flagrou no prédio que servia de base de apoio aos trabalhadores contratados
pela antiga CFN e atual empresa Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) agora
ocupado como sede de um time de futebol. “É o Falta de Ar Futebol Clube, que se
reúne nos fins de semana para bater uma bolinha. Virou vestiário onde os
jogadores guardam seus pertences”, revela um dos ajudantes de seu Antônio, o
jovem Leonardo Luís, eletricista.

Atualmente, o único movimento que lembra movimentação em
linha férrea em Rio Largo é o vaivém do moderno Veículo Leve sobre Trilho
(VLT), da CBTU, para passageiros comuns que se dirigem diuturnamente à capital
Maceió.  

 

Casebre, mato e animais:
donos do pedaço

 

E as surpresas atuais nos cenários que dariam passagem ao
sonho alagoano da Transnordestina por Alagoas não param de revelar-se. Já na
cidade de União dos Palmares, esta a 73 km de Maceió e localizada na Serra dos
Quilombos do herói Zumbi dos Palmares, a Tribuna se deparou com o tradiconal
matagal, animais e até um casebre construído em cima da linha onde estava o
traçado para os trilhos do desenvolvimento por meio de cargas de trens.

“Meu filho, essa casinha aí em cima da linha é um rapaz que
construiu para guardar as coisinhas dele. Faz muito anos que não passa trem
nenhum por aqui, e depois daquela cheia aí é que sumiu tudo mesmo”, diz Eleuza
Cândido da Silva, de 60 anos, e que mora quase que em cima do trilho onde
passaria o sonho alagoano, ao informar sobre a quem pertenceria o casebre que
serve de despensa a um de seus vizinhos, este sim, literalmente construído
sobre os trilhos.

 

Em Murici quadro
também é desolador

 

A dezenas de quilômetros dali, no município de Murici, a 44 km
da capital e já na Zona da Mata alagoana, o quadro da ‘quase’ Transnordestina
também em nada lembra o que seria uma das passagens para o desenvolvimento da
economia do Estado. O trilho está quase que totalmente coberto pelo mato e, ao
invés de trens, galos, galinhas e cachorros é que trafegam tranquilos sobre os
trilhos.

“Amigo, isso aqui parou de vez em 2010 com aquelas chuvas e,
depois, nunca mais”, assevera Cícero Ramos, encarregado de obras de uma empresa
terceirizada que prestava serviço para a FTL no município de Murici, por onde
passaria a Transnordestina.

Atualmente, Ramos trabalha em outra empresa da construção
civil em Murici, onde também reside, e diz que trabalhou entre 2004 e 2009.

 

Na Laje, literalmente
é o fim de linha

 

Já no término da trilha percorrida pela Tribuna, a sensação
era de fim de linha, literalmente, no derradeiro município visitado in loco
pela reportagem, apesar da mistura de um pouco de organização na maioria do
percurso do trilho. Mas, como que um canto dos cisnes da sonhada
Transnordestina, ao final de seis quilômetros de trilhos na cidade de São José
da Laje o que se vê é o resto dos restos do que se poderia chamar de linha
férrea, totalmente abanonada e que em nada lembra a passagem do progresso por
aquele rincão encravado na Zona da Mata alagoana.

O último trecho da viagem do que seria a Transnordestina foi
na cidade de São José da Laje, pertencente à Mesorregião do Leste alagoano e à
Microrregião Serrana, distante cerca de 98 quilômetros d capital do Estado. Por
lá, perto da Usina Pedra Grande poeira e restos de trilhos, em estado
paupérrimos e   inteiramente cobertos por
mato.

Era, de fato, naquele trecho, o fim da linha tanto para a
reportagem como o da Trasnordestina por lá. 

 

Presidente da
Transnordestina chegou a garantir obra em Alagoas

 

Corria o ano de 2011 quando o então governador Teotonio
Vilela Filho recebia no palácio o então presidente da Transnordestina
Logística, Tufi Daher, que foi anunciar a retomada da recuperação do trecho da
malha Nordeste no Estado depois do desatre natural de 2010, que danificou cerca
130 km de ferrovia alagoana.

Daher afirmou à época que seriam aplicados R$ 60 milhões em
Alagoas e Pernambuco, sendo R$ 45 milhões para o Estado de Alagoas, que sofreu
maiores danos na ferrovia. O início das obras estava previsto para janeiro de
2012, mas nem começou.

À època, falava-se que a mineradora Vale Verde, instalada
recentemente no Estado, era uma garantia na segurança da logística de
transporte da produção, atraindo também novos empreendimentos e gerando
emprego.

O fato é que, com as obras paralisadas, os danos causados
pelas enchentes que atingiram Alagoas na época contabilizaram prejuízos e não
concluíram os 330 km (quilometragem total) que cortam Alagoas e vão do
município de São José da Laje até Porto Real do Colégio – e que beneficiariam
outros 17 municípios no decorrer do percurso.

Outra verdade é que o projeto faz falta não só a Alagoas,
como aos outros Estados do Nordeste, principalmente aos setores que dependem de
um transporte mais barato para aumentar sua produtividade ou se expandir. Em
média o transporte ferroviário custa 30% mais barato do que o preço do frete
cobrado nas estradas.

Outro fato recorrente são as denúncias de irregularidaes na
obra com revisões de projeto, orçamento inicial quase triplicado, problemas com
empreiteiras, denúncias de prejuízos sociais e ambientais.

 

Em São José da Laje,
trecho está intransitável e revela o que sobrou do sonho  

 

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ainda
não aprovou o orçamento da obra, mas R$ 6 bilhões já foram investidos, e a
Transnordestina Logística diz que o valor atual da construção é de R$ 11,2
bilhões. O prazo mais recente para o término do empreendimento era 22 de
janeiro deste ano. Uma vez mais, o cronograma não foi cumprido.

A Tribuna tentou ouvir o ministro dos Transportes, Portos e
Aviação, Maurício Quintella, mas não obteve êxito.

E dessa forma, com tantos problemas, para Alagoas parece
mesmo ser o fim de linha neste sonho.

 

Sindicato ainda
alimenta sonho de reverter decisão de fechamento

 

A esperança é última que morre, já diz o ditado popular. E é
crente neste adágio que 11 trabalhadores que ainda creem ter vínculo
empregatício com a atual concessionária, a 
Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), lutam para reverter a decisão
da empresa de fechar  a filial em
Alagoas, mesmo com o anúncio já oficializado.

No pico das obras, antes de 2010, o trecho de Alagoas da
Transnordestina, que compreende os municípios de Porto Real Colégio, no extemo
sul fronteira com Sergipe, e São José da Laje, extremo norte fronteira com
Pernambuco, chegou a ter cerca de 600 trabalhadores no canteiro de construção
das linhas.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas
Ferroviárias do Estado de Alagoas, Luciano Gama, diz que, apesar de já ter sido
comunicado do fechamento da empresa em Alagoas, não vai desistir até encontrar
uma solução. 

“Infelizmente eles foram demitindo, antes mesmo das chuvas
de 2010, e depois foi uma calamidade total porque em 2013 mudaram a razão
social da empresa e demitiram em massa, até sobrar esses onze de hoje, que são
os trabalhadores com imunidade sindical”, explica Gama.

Como um dos últimos cartuchos da entidade para preservar o
sonho da construção e a manutenção dos empregos, o vice-presidente do
sindicato, Raimundo Correia, esteve em Brasília, e as notícias não são
animadoras. “Estive no Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes] junto à Confederação Nacional de Trabalhadores de Transportes
Ferroviários de vários Estados para comunicar o que está acontecendo em Alagoas
e não fui recebido por ninguém”, lamenta Correia.

Luciano Gama diz que não vai desistir de lutar mesmo
demitido

O que ainda move a esperança dos atuais trabalhadores que
restam é uma questão administrativa: “A empresa diz que fechou a filial em
Alagoas, mas  o contrato feito com os
trabalhadores foi com a razão social da antiga Companhia Ferroviária do
Nordeste e este ainda está ativo”, garante o sindicalista.

“Não vamos desistir. Esperamos agora ter uma conversa com o
ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella”.

Como se sabe, Quintella é alagoano.

 

Leia também: Incêndio
atinge vagões da Ferrovia Centro-Atlântica em Santa Luzia

Fonte: Tribuna Hoje

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