Procuradores
do Ministério Público Especial (MPE), ligado ao Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro (TCE-RJ), pediram a suspensão dos contratos de concessão das
linhas 1, 2 e 4 do Metrô — além da realização de nova licitação. Eles dizem que
“superabundam” motivos para a anulação e falam em “montanha de
absurdos”.
A
representação cita:
monopólio
das concessões em um só grupo empresarial;
superfaturamento
de R$ 2,3 bilhões na Linha 4;
aumento do
aporte público na obra;
dificuldade
de calcular o valor justo da tarifa com base no lucro da concessionária, porque
os documentos que baseiam este cálculo sumiram, segundo os procuradores.
“A
nossa única dúvida é quanto ao adjetivo para qualificar o que foi escrito acima:
um descalabro, um absurdo ou um escândalo?”, concluem os procuradores no
documento obtido pelo G1.
Atualmente,
a MetrôRio tem a concessão das linhas 1 e 2, e a Rio Barra, da linha 4. O
pedido de nova licitação foi feito numa representação em fevereiro e, em meio à
investigação da Lava Jato, encaminhado também para o Ministério Público Federal
(MPF).
O documento
tem 500 páginas e é assinado por todos os quatro procuradores em exercício —
são cinco no total, mas uma está de licença médica.
Em julho, o
documento chegou ao gabinete do conselheiro do TCE Marcelo Verdini Maia,
relator do caso. Questionado sobre o trâmite do caso, o TCE informou, em nota,
que “os detalhes do processo estarão disponíveis após apreciação pelo
plenário da corte, o que ainda não tem data para acontecer”.
No Supremo
Tribunal Federal (STF), há entendimento que o Tribunal de Contas da União não
pode anular o contrato, mas pode determinar o cumprimento da anulação –
solicitada pelo MPE. Fontes ouvidas pela reportagem acreditam que este precedente
poderia ser utilizado, embora achem improvável que o TCE aceite o pedido.
Em nota, a
Secretaria Estadual de Transportes (Setrans) alega que um pedido semelhante já
foi apresentado pelo MPE e arquivado pelo Tribunal. A resposta faz alusão a uma
representação que pedia a intervenção estadual na concessão e foi indeferida
pelo TCE no ano passado.
“A
Secretaria de Estado de Transportes informa que a referida representação, de
fevereiro deste ano, é a manifestação do entendimento de departamento afeto ao
Tribunal de Contas em procedimento interno e repete argumentos que ainda estão
sendo avaliados pelo corpo técnico do tribunal”, afirmou sobre a nova
representação do MPE.
1.Sumiço de
contratos
Os
procuradores afirmam que os contratos sobre a taxa de retorno da empresa, que
baseiam o valor a ser cobrado na tarifa, simplesmente sumiram. O extravio é
considerado “alarmante” pelo Ministério Público Especial.
“Capaz
de abalar até mesmo o mais impassível dos espíritos”, diz o texto.
Em outubro
de 2016, a Setrans chegou a publicar uma resolução que criava um grupo de
trabalho para “reconstituição” dos documentos. Em nota, informou que
o grupo “obteve sucesso em recuperar cópia do contrato de concessão” e
que o caso do sumiço dos documentos, de 1999, ocorreu fora da pasta.
Dentre os
documentos extraviados, na alegação do TCE, estão o pedido de contratação de
obras, projetos básicos e planilhas referentes à taxa interna de retorno da
proposta vencedora da concessão.
Esses
documentos, segundo os técnicos, sumiram tanto em relação às linhas 1 e 2,
quanto em relação à linha 4, que liga a Barra à Zona Sul, e foi inaugurada às
vésperas da Olimpíada de 2016.
“O raio
caiu duas vezes no mesmo local”, escrevem os procuradores. “Uma
coincidência invulgar para dizer o mínimo.”
Em uma
sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Transportes na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro, pouco antes do recesso parlamentar, os
componentes também se queixaram da falta de informações.
O presidente
do grupo, Eliomar Coelho (PSOL), diz que pediu os documentos, mas não conseguiu
abrir o que chama de “caixa preta” do modal.
“É
inadmissível o sumiço desses processos administrativos. A falta dessas
informações pode estar causando graves distorções, por exemplo, no preço da
tarifa, que poderia ser mais baixa. Ao mesmo tempo, favorece os mesmos
empresários que detém há anos a concessão do metrô e decidem o que querem sobre
as escassas linhas oferecidas aos seus milhões de usuários.”
2.
Equilíbrio econômico-financeiro
Sem os
documentos, os procuradores alegam que é impossível saber se o retorno do metrô
é justo e se a tarifa cobrada aos passageiros é correta. O cálculo para se
chegar a essa conclusão é chamado pelos especialistas de equilíbrio
econômico-financeiro da concessão.
“Decorridos
cerca de 19 anos da celebração do contrato de concessão (da Linha 1), até o
presente momento, nem o poder concedente, nem a agência reguladora e tampouco a
concessionária promoveram, de comum acordo, a definição dos parâmetros da
equação econômico-financeira inicial do contrato”, escrevem os
procuradores.
Em nota, o
Metrô informou que o contrato prevê revisões de seu equilíbrio
econômico-financeiro a cada cinco anos e que “encontra-se totalmente em dia
com todas as suas obrigações contratuais e é aprovado por 95% de seus
clientes”.
3. Aumento
do aporte público na linha 4
Os
procuradores também apontam para o aumento do aporte do Estado na linha 4. O
investimento público na obra, conforme cálculos de 1998, seria de R$ 1,2 bilhão
— equivalente a 45% do valor total. Os outros 55%, ou R$ 1,48 bilhão, caberiam
à iniciativa privada.
Termos
aditivos, no entanto, modificaram a proporção. O corpo técnico afirma que houve
“aumento do aporte do estado em 675%”, saltando para R$ 9,2 bilhões.
A alteração, consideram eles, é “indecorosa”.
Os
procuradores dizem que, com novas alterações, o valor investido pela
concessionária caiu para R$ 1,15 bilhão. E dizem ainda que parte do valor gasto
não seria “investimento inicial”, e sim manutenção. Com isso, o
investimento privado teria sido somente de R$ 557 milhões.
4. Monopólio
Os
procuradores do MPE também acusam a Rio Barra, que venceu a licitação para a
concessão da linha 4, de transferir “toda a operação” e manutenção para
a MetrôRio, que administra as linhas 1 e 2. Com isso, a licitante teria virado
“mera intermediária” da concessão.
Procurada, a
Rio Barra “informa que não foi notificada a respeito da representação do
Ministério Público Especial no TCE e que, portanto, não irá se
manifestar”.
A Invepar,
controladora da empresa MetrôRio, passou a ter a opção de compra também da Rio
Barra. Na prática, concluem os procuradores, há um monopólio com a
“concentração de todo o transporte metroviário de passageiros na mão de um
só grupo empresarial”.
A MetrôRio
sustenta que “apenas opera a Linha 4”, embora a concessão seja da Rio
Barra.
A negociação
entre algumas sociedades anônimas do mesmo grupo também é alvo da
representação. Uma alteração contratual permitiu que, em vez da compra, os
carros do metrô fossem alugados. Quem faz a locação é a MetroBarra, controlada
pela Invepar.
“A
locadora dos bens no contrato de locação é a empresa MetroBarra, controlada
pelo grupo Invepar. Este mesmo grupo também controla a concessionária das linhas
1 e 2, MetrôRio S.A., e possui opção de compra da empresa Rio S.A,
concessionária da linha 4. Assim, verifica-se que a opção de locação do
material rodante (carros) e sistemas leva a um prejuízo da concessionária em
prol de outra empresa do mesmo grupo econômico”, aponta o documento.
Para o
Ministério Público, trata-se de uma possível maquiagem contábil ou
“distribuição de dinheiro disfarçada de lucro”.
5.
Superfaturamento
O corpo
técnico do Tribunal de Contas do Estado (TCE) iniciou, em 2016, uma auditoria
para verificar a legalidade, legitimidade e economicidade da contratação e
execução das obras da Linha 4. A conclusão é de que houve superfaturamento de
R$ 2,3 bilhões através de termos aditivos.
A obra
custou cerca de R$ 10,4 bilhões. Os procuradores afirmam que trata-se de
“perverso e perfeito antiexemplo, uma aula (…) de tudo que não deve ser
feito” em uma intervenção pública.
“Entrará
para a história como uma verdadeira monstruosidade jurídica no trato do
dinheiro público.”
De acordo
com documento do TCE sobre a contratação original, divididos entre poder
público e privado, a linha 4 custaria R$ 2.672.452.308,06.
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