A
experiência do Brasil com as ferrovias foi além de apenas implantar uma nova
tecnologia de transporte. As estradas férreas entrelaçaram-se diretamente com o
papel do Estado na economia.
Da mesma
forma que o Brasil reafirmou os desafios de alcançar o crescimento há mais de
cem anos, os problemas que enfrenta hoje envolvem redefinir o papel do Estado e
dos estrangeiros para tentar melhorar a eficiência, colocar as pessoas para
trabalhar e aumentar a renda. A experiência ferroviária ainda poderá ser vista
como um referente histórico adequado.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Essas são
algumas das afirmações feitas pelo professor da Ucla (Universidade da
Califórnia em Los Angeles) e brasilianista William Summerhill em seu “Trilhos
do Desenvolvimento: As Ferrovias no Crescimento da Economia Brasileira
1854-1913”, obra lançada em português 15 anos após publicação pela editora
da Universidade Stanford.
Ancorado em
vasta documentação, que inclui estudos na antiga biblioteca da Fepasa (Ferrovia
Paulista S.A.) e em arquivos da Bolsa de Valores de Londres, o livro do
pesquisador de história econômica brasileira mostra o forte impacto do
surgimento das ferrovias num país que transportava sua produção por meio de
tropas de mulas.
Summerhill
aponta o quanto o PIB (Produto Interno Bruto) per capita se desenvolveu desde o
surgimento da pioneira Estrada de Ferro Mauá, inaugurada por dom Pedro 2º em
1854, até 1913, considerado pelo autor o último ano de grande crescimento na
capacidade ferroviária, tirando o país da estagnação econômica.
Saiu de zero
para, em seis décadas, alcançar 24 mil quilômetros de ferrovias. Como
comparação do gigantismo que foi desbravar o país com os trilhos à época, hoje,
mais de um século depois do período analisado pelo livro, a malha ferroviária
brasileira tem 28,2 mil quilômetros, segundo a CNI (Confederação Nacional da
Indústria), dos quais 30% estão inutilizados.
“Não
havia bolha nas primeiras décadas, o investimento se sustentou até o fim do
período pesquisado [1913] e foi auxiliado em muitas instâncias por uma política
do governo de garantir uma taxa mínima, um piso, nos dividendos que as empresas
ferroviárias ganhavam”, disse o autor.
Quando
passaram a ter retorno, pagavam a dívida. Em entrevista, Summerhill afirmou que
algumas companhias sempre precisaram da garantia, e outras, apenas no início
das operações.
Segundo o
autor, o governo brasileiro, tanto o Segundo Reinado quanto a República,
facilitou a infraestrutura de transporte, o que reduziu o custo de viagem para
passageiros e produtores, como em outras partes do mundo.
O impacto
foi dramático, por reduzir consideravelmente o custo de embarque entre 1860 e
1900, numa economia cujo custo do comércio envolvia o caro transporte entre
distâncias consideráveis.
A obra
apresenta dados, como o total de quilômetros incluídos no sistema ferroviário a
cada ano e o crescimento médio do sistema entre 1854 e 1913, de quase 11% ao
ano.
Em 1910, ano
recorde, foram feitos 2.085 quilômetros, mas a década de 1880 foi a de maior
avanço, com um total de 6.575 quilômetros. Até 1895, 15 estados já tinham
ferrovias.
A obra
também mostra como era o transporte no Brasil no século 19, ganhos diretos do
serviço, benefícios aos passageiros que utilizavam as ferrovias e a divisão de
lucros.
Mostra que o
frete ferroviário era a principal fonte de receita das companhias, porém elas
tiveram pequenos ganhos ao transportar passageiros –além de contribuírem para
o crescimento da economia ao melhorar a integração do mercado de trabalho.
Três fatores
impediram que essa modalidade avançasse: as viagens feitas eram relativamente
curtas, os brasileiros não viajavam com tanta frequência como no exterior e, o
que o autor considera o mais importante, o ganho de tempo que a ferrovia gerava
não valia muito num país de baixos salários como o Brasil.
Para
Summerhill, o desenvolvimento ferroviário fez com que o setor fosse o primeiro
grande negócio do Brasil e alterou os mapas social, econômico e político do
país, com ganhos como o fortalecimento do empreendedorismo e a organização
empresarial.
Seja o primeiro a comentar