Na última quarta-feira (16), o governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) esteve em Brasília em um encontro informal com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), durante uma visita oficial do presidente da Argentina, Maurício Macri. Entre os assuntos tratados, estava um projeto que está longe de ser novidade no Paraná: o corredor bioceânico. Estou defendendo que o presidente leve esse assunto para Davos, disse Ratinho, em entrevista coletiva após o encontro, se referindo ao Fórum Econômico Mundial, que acontece no final de janeiro.
A proposta já havia sido pauta de uma reunião entre Bolsonaro e o governador antes do início do mandato, em dezembro. O corredor – discutido no estado há pelo menos dez anos – seria uma ligação, por meio de uma estrada de ferro, entre os oceanos Atlântico e Pacífico. No projeto defendido por Ratinho, a saída para o Atlântico seria pelo porto de Paranaguá e, para o Pacífico, no porto de Antofagasta, no Chile.
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Estou programando uma visita com o ministro de Infraestrutura para detalharmos esse projeto. Falei com o presidente também sobre a definição da presidência da Itaipu, já que a execução do corredor passa pelo apoio da usina, em especial no projeto executivo, explicou Ratinho.
Detalhes ainda são mistério
Em entrevista à Gazeta do Povo, o secretário de Infraestrutura e Logística, Sandro Alex, disse que ainda não pode dar detalhes do projeto porque o assunto será discutido, no final do mês, com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. O que temos de concreto é que o governo Bolsonaro tem a vontade política de ajudar o Paraná. Estamos caminhando otimistas, passo por passo, contou.
Procurada, a Itaipu Binacional se manifestou, por meio de nota, dizendo que aguarda as definições do governo federal. Se for do interesse do governo que a Itaipu assuma o projeto executivo, a empresa seguirá essa orientação, conclui o texto.
Pontos positivos
De acordo com João Nyegray, professor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Universidade Positivo, caso o projeto saia do papel, o Brasil de fato seria o país mais beneficiado pelo corredor. Exportamos muito para os países da Ásia e temos a China entre os nossos maiores parceiros comerciais, mas também possuímos um problema sério de infraestrutura que tira a competitividade dos nossos produtos, explica.
Um dos maiores entraves apontados por ele – sentido na prática no ano passado, com a greve dos caminhoneiros – é a dependência do modal rodoviário. Mesmo mais caro e lento, o frete realizado por meio de caminhões responde por 70% do transporte da produção.
Por isso, na opinião do professor, o corredor seria uma saída interessante porque diminuiria o custo das exportações e tornaria o Brasil um país mais competitivo.
João Arthur Mohr, do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), diz que a entidade também vê benefícios na medida – especialmente porque a primeira etapa, que constituiria na construção da ferrovia no Paraná, já está sendo planejada. Mesmo que o corredor não esteja pronto, o fato de termos uma nova linha no estado já reduziria significativamente os custos da saída por Paranaguá, explica. O novo trecho ligaria o litoral a Dourados, no Mato Grosso do Sul.
A reportagem contatou a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), mas a entidade não quis se posicionar sobre o assunto.
Dificuldades internas
Isso não significa, contudo, que a execução de um projeto desse porte será fácil. Em 2008, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) chegou a fazer um estudo a respeito da proposta, mas os trilhos não saíram do papel. O longo tempo de discussão, sem que o corredor tenha dado sinais de que seria concretizado, é um dos sintomas dos desafios inerentes ao processo.
Para colocar a produção nos trilhos até o Chile, em primeiro lugar, o Paraná teria que vencer uma disputa interna, com os outros estados brasileiros. Isso porque existe mais de uma proposta de traçado para o corredor – incluindo uma que posiciona a saída para o oceano Atlântico no Porto de Santos, e não no de Paranaguá. Nesse caso, a estrada de ferro nem passaria pelo estado, que poderia, apenas, investir em conexões para ligar-se ao corredor.
Fazer com que o projeto, se de fato for realizado, passe pelo Paraná seria uma grande vitória para o estado, diz Nyegray. Um dos pontos favoráveis é o volume da produção do agronegócio paranaense. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 2018 o estado foi responsável por 14% das exportações do setor, seguindo de perto os líderes Mato Grosso (15,8%) e São Paulo (16,3%).
Relações exteriores
Vencida a batalha interna, entre as unidades da federação, outro problema terá que ser enfrentado: a negociação com os demais países que fariam parte do corredor. Se o traçado de fato terminar no Porto de Paranaguá, no lado brasileiro, a ferrovia poderia passar pelo Paraguai, pela Argentina e pelo Chile. Mas, se o corredor culminar no porto de Santos, uma das opções seria construir a estrutura passando pelo Mato Grosso do Sul e pela Bolívia, terminando no Chile.
Uma das barreiras, por exemplo, é que o Chile não é parte do Mercado Comum do Sul (Mercosul). A Bolívia, por sua vez, está em processo de adesão.
Mesmo que exista uma boa relação com os presidentes destes países, será complicado porque serão muitos os interessados em puxar o projeto para lá ou para cá, dependendo dos interesses locais, explica o professor. Outra dificuldade são as diferenças na burocracia de cada um dos países. Tudo o que a gente imaginar, em termos fiscais e de regulamentação, terá que ser pactuado em cada uma das partes do corredor, completa Nyegray.
Barreiras naturais
Por fim, se tudo isso for vencido e o projeto de fato sair do papel, o corredor terá, ainda, que enfrentar as dificuldades impostas pela natureza. No meio do caminho da possível ferrovia, por exemplo, está a Cordilheira dos Andes.
Se formos realmente fazer uma ferrovia dessa extensão, não vale a pena implantar um só trilho. Além disso, é preciso construir áreas de manobra e estações, o que acrescentaria custos. É uma obra faraônica, diz o professor.
Atualmente, a estrutura ferroviária do Paraná está longe desse gigantismo. Apenas 248,5 quilômetros de trilhos, entre Guarapuava e Cascavel, são geridos pela Ferroeste, do governo estadual. Os outros trechos, que passam por Maringá, Londrina,Guarapuava e Paranaguá, estão sob concessão da Rumo/América Latina Logística (ALL).
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