O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) entrou com uma ação civil pública, nesta quarta-feira, para que governo do estado retome as obras da linha 4 do metrô. O pedido se baseia em um laudo técnico produzido pelo Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), que constatou que, caso não seja retomada, a obra pode entrar em colapso. Por esse motivo, o MPRJ reapreciou o caso e pediu a extinção de ação anterior, que impedia o estado a realizar novos investimentos, por causa da acusação de superfaturamento do projeto. A nova ação será julgada pela 16ª Vara de Fazenda Pública da Capital.
Em coletiva de imprensa nesta quinta, a promotora Patricia Villela, coordenadora do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC) explicou que a ação anterior do MP, que paralisava os investimentos do estado na obra da Linha 4 por suspeita de superfaturamento, foi suspensa. Agora o MP vai pedir a sua extinção. Isto porque há um novo entendimento, baseado em estudo realizado pela PUC, de que o canteiro atualmente representa risco de colapso, e a melhor solução seria a conclusão do projeto, e não o aterramento dos buracos.
– O relatório da PUC aponta riscos efetivos. Os dois prédios do entorno (edifício Gênesis e prédio do juizado) podem até vir a desabar – afirmou a promotora, apesar de ressaltar que não é possível hoje dimensionar e prever colapso estrutural por falta de estudos mais aprofundados. – Hoje temos estruturas provisórias cujo prazo de segurança já expirou e em um solo que não é homogêneo, com aspecto arenoso. Não sabemos dizer quando e como vai desabar, mas há um risco iminente.
Na opinião da promotora, não há tempo para um estudo que comprove que o aterramento seja a melhor solução, nem para a realização de nova licitação. Por isso, a ação do MP pede que a obra seja concluída dentro do contrato em vigor, com a concessionária Rio Barra. Assim, o MP determinou um limite de gastos do estado de R$ 704 milhões. Esse valor se refere ao valor remanescente (atualizado) de gastos que estavam previstos em aditivos anteriores, mas não foram de fato liquidados. Em 2016, quando a obra parou, a própria Rio Trilhos informou que o saldo contratual do projeto era de R$558 milhões. A promotora admitiu que hoje não possui a informação de onde está esse montante, mas explicou que, se for necessário empregar mais que esse limite, a concessionária que deverá arcar com os custos.
– São escolhas trágicas. Não vamos virar as costas para a defesa do patrimônio. Mas, nesse momento, priorizamos a defesa da vida – afirmou a promotora, que ainda disse ter a informação de que não há restrição, por parte do MPF, para uso de dinheiro proveniente da Lava Jato.
Os riscos estruturais do canteiro da estação já haviam sido divulgados em nota técnica enviada ao MP pela Rio Trilhos, há cerca de dois meses. Mas, a promotora explicou que, naquela época, os dados não convenceram o órgão. Por isso, apenas agora o MP ajuizou ação pedindo a continuidade da obra.
– Aquela nota trazia premissas incompatíveis com a conclusão. Identificam os diversos vícios, como omissão de trechos no desenvolvimento do relatório. Já o laudo da PUC se revelou plausível, por isso o nosso novo posicionamento – explicou a promotora, que há pouco mais um mês criticou a nota técnica da Rio Trilhos, em audiência promovida pela Frente Parlamentar pela Linha 4 da Alerj, presidida pelo deputado Carlo Caiado (DEM).
Procurada, a Rio Trilhos não respondeu.
Riscos de desabamento, mortes e fechamento de vias
Na petição inicial do MP, foi destacado um trecho do laudo da PUC que fala no risco de desabamentos, mortes e de interdição de vias: “Tendo como base o potencial de danos associados a um evento de subsidência, pode-se esperar que uma eventual ruptura de uma ou mais partes das escavações da estação Gávea possam vir a provocar: (a) desabamentos de estruturas lindeiras em fundação superficial (Edifício Genesis da PUC-Rio e Edifício do Juizado ); (b) danos estruturais sérios nos Edifícios da Petrobras e Garagem da PUC-Rio e no Prédio Residencial adjacente, que têm suas fundações em estacas e, em um caso mais extremo, (c) fechamento da Rua Marquês de São Vicente”, diz um trecho do laudo da PUC-Rio destacado na petição inicial.
O MPRJ pediu na Justiça a continuidade das obras, com a retomada do contrato com a Concessionária Rio Barra. Ela é formada por empresas dos Grupos Odebrecht, Queiroz Galvão e Carioca Christiani. Esse contrato já fora alvo de outra ação civil pública do MP para impedir que o estado continuasse usando recursos públicos para beneficiar a concessionária com novos pagamentos. O MP alegara que foram verificados superfaturamentos e a desproporção de verbas aplicadas. Apesar de o contrato determinar que o estado arcaria com 45% dos custos da obra, o governo empregou cerca de nove vezes a mais do que a Rio Barra.
Segundo o MP, após tomar conhecimento do risco de colapso, os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC) “reavaliaram o caso e ponderaram que o direito à vida deve prevalecer, sem que se desconsidere a proteção ao patrimônio público”.
Nas medidas para proteger o dinheiro público, a ação pede que o gasto na conclusão da obra não ultrapasse R$ 705 milhões. “Paralelamente, o Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) já deliberou que realizará auditoria governamental extraordinária para acompanhar as obras até a sua conclusão”, diz a nota do MP.
Na ação, o MP considera inadequada a proposta do governo de aterrar as obras já realizadas na estação da Gávea , anunciada por Wilson Witzel na semana passada. De acordo com a petição inicial, a profundidade e o tamanho das escavações exigem estudos que levariam tempo, “o que seria inapropriado diante do risco de colapso iminente, constatado pela PUC-Rio”.
Os promotores destacaram que, segundo o governo do estado, já foram empregados na obra mais de R$ 934 milhões, verba que estaria “literalmente sendo aterrada”, diz a petição inicial do MP.
Histórico de polêmicas
A licitação da Linha 4 do metrô é de 1987, quando se previu a expansão para Copacabana e Ipanema. Desde então, muitos episódios polêmicos, acusações e condenações marcaram o projeto. O Ministério Público destaca que, neste período, houve forte desequilíbrio entre o que se previa de investimentos do estado (45% dos custos) e da concessionária (55%). Até aqui, o saldo é de que o estado custeou de 89% do total investido: cerca de R$9 bilhões.
Em 1998, foi incluído em contrato a concessão das obras de integração entre as linhas 1 e 4, mas em 2010, o percurso original da Linha 4, que iria de Botafogo à Gávea, foi alterado. Em 2012, o estabelecimento do novo traçado impactou num aditivo de R$6.4 bilhões no contrato. Esses acréscimos passaram a ser mais frequentes nos anos seguintes. Em 2015, o contrato aumentou em R$852 milhões, num custo exclusivo do estado, e então começaram as denúncias de desvio e superfaturamento.
Ainda em 2015, auditoria do TCE identificou despesas de R$671 milhões sem respectivo empenho por parte da Rio Trilhos, e em 2016 o tribunal apontou superfaturamento de R$201 milhões nas obras de integração com a Linha 1. Meses depois, veio o processo do TCE que embasou o pedido de suspensão das obras, quando foi identificado superfaturamento de R$2.3 bilhões no projeto.
Por parte do Ministério Público, são quatro principais ações ( antes da ação desta quarta), desde 2017. Em março daquele ano foi o primeiro, que conseguiu a liminar proibindo novos aportes públicos na obra. No ano seguinte, o MP pediu a reparação de R$3.17 bilhões aos cofres públicos. Em dezembro passado, houve pedido semelhante, para recuperação de R$394 milhões. O TCE também instaurou quatro processos por causa das denúncias de sobrepreço, sonegação de documetos e desvio de verbas.
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