Santos discute possível ‘lotação’ para contêineres

No momento em que o Porto de Santos elimina um de seus grandes terminais de contêineres, após a desativação da área de Libra, analistas e operadores do setor começam a questionar se o porto dará conta da movimentação desse tipo de carga nos próximos anos.

Há divergências: para alguns, as expansões em curso e ganhos de eficiência serão suficientes para suprir a demanda, que tem crescido lentamente. Já outros veem risco de o porto chegar a um limite e viver um cenário de filas e problemas operacionais já nos próximos cinco anos.

Uma análise da consultoria Solve Shipping indica que a situação é preocupante: desde maio (quando as operações do grupo Libra foram encerradas) até o fim de setembro, a taxa de utilização dos berços de atracação (onde navios fazem o embarque e desembarque) atingiu uma média de 61%. A ocupação considerada segura pela empresa é de 65%.

“É um sinal de alerta. No atual cenário, Santos poderia aguentar de três a cinco anos sem precisar de uma expansão robusta dos terminais atuais ou da construção de um novo terminal”, afirma Leandro Barreto, sócio da Solve Shipping.

Para chegar à conclusão, ele contabilizou os planos de expansão já oficializados dos terminais atuais e partiu de uma projeção de crescimento de 3% ao ano na movimentação de contêineres no Brasil, taxa considerada plausível por outros analistas consultados pela reportagem.

Para efeito de comparação: neste ano, até agosto, o transporte de contêineres (que inclui tanto viagens de longo curso quanto cabotagem) cresceu 2% no país. Em Santos, há uma queda de 2,13%, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
A ocupação varia de acordo com o terminal, aponta a consultoria. Entre os três grandes que atuam hoje na região – Santos Brasil, Brasil Terminal Portuário (BTP) e DP World (ex-Embraport) – todos tiveram picos de utilização acima dos 65% em algumas semanas deste ano.

A maior taxa, em média, é a da DP World. O terminal ficou com a carga que era operada por Libra após sua desativação, no fim de abril. Desde então, a autoridade portuária decidiu dedicar a área não mais para contêineres, e sim para celulose, após análise técnica do órgão.

Parte dos operadores e analistas têm visão oposta à da Solve Shipping. Para um executivo do setor, que falou sob condição de anonimato, não há preocupação. Primeiro, porque a recuperação da economia tem sido lenta. Além disso, seria possível elevar rapidamente a velocidade dos embarques e reduzir o tempo de permanência dos navios nos berços por meio do acionamento de equipamentos hoje parados. Para ele, olhar apenas a taxa de ocupação não garante uma visão precisa da situação.

Ocupação nos berços chega perto de limite, mas operadores veem espaço para ganhos rápidos de eficiência

Andrew Lorimer, diretor da Datamar, outra respeitada consultoria do setor, também avalia que não há sinais de alerta. “Antes da crise, os terminais investiram muito e ficaram com capacidade ociosa. É preciso estar atento para o longo prazo, mas não acredito que nos próximos cinco anos haverá um gargalo”, diz ele.

A visão é compartilhada pela Autoridade Portuária de Santos (SPA, na sigla em inglês), responsável pela operação e planejamento da expansão do porto organizado. “Uma coisa é taxa de ocupação de berço, outra é taxa de ocupação do terminal. É possível investir em automação e aumentar a eficiência ou, como no caso da Santos Brasil, investir para receber navios maiores, o que permite elevar a movimentação com a mesma ocupação dos berços”, afirma Casemiro Tércio Carvalho, presidente da companhia docas.
Na avaliação do executivo, os atuais planos de expansão dos terminais deverão ser suficientes para atender o aumento de movimentação previsto para os próximos cinco anos – já considerando os incentivos federais que deverão impulsionar o segmento de cabotagem e o crescimento orgânico com a alta do Produto Interno Bruto (PIB).

A principal expansão em curso hoje nos terminais de contêineres é a da Santos Brasil, que, em cinco anos, vai ampliar a capacidade de movimentação de 2 milhões de TEUs (unidade equivalente a vinte pés) para 2,4 milhões de TEUs. A movimentação deverá encerrar este ano em 1,6 milhões de TEUs.

Questionada sobre as conclusões da Solve Shipping, a empresa disse, em nota, que “não vê motivos que justifiquem preocupação a respeito do nível de ocupação de contêineres no Porto de Santos nos próximos anos”.

Já os demais terminais de contêineres do porto, DP World e BTP, acreditam que pode haver falta de capacidade para contêineres nos próximos anos.
A DP World, gigante de operação de terminais portuários com sede em Dubai, tinha planos robustos de expansão, mas suspendeu o projeto, sem perspectiva de retomada, afirma Fabio Siccherino, diretor da empresa.

A ideia era adicionar uma capacidade de movimentação de contêineres de 2 milhões de TEUs, que se somariam ao atual 1,2 milhão de TEUs. No entanto, a avaliação do grupo é que falta segurança regulatória para fazer os investimentos, embora a taxa de ocupação atual dos berços esteja em 60%, próxima dos 65%. No lugar, a empresa decidiu iniciar um projeto de ampliação voltado a celulose, que vai tomar dois berços inicialmente previstos para contêineres. Trata-se de uma forma de diversificar e dar mais segurança à operação, afirma o executivo.

“O problema é que [após os anos de crise] as tarifas pagas pelos armadores e importadores caíram muito. Além disso, não há segurança jurídica. Temos visto alterações de regras no meio do jogo, mudanças na cobrança de taxas no porto. Aí você começa a chegar perto de número de ocupação de berço que preocupa, mas fica difícil projetar qualquer expansão”, diz Siccherino.

A BTP, que neste ano também deverá chegar a 60% de sua capacidade, com movimentação de 1,5 TEUs, afirma que ainda não tem uma expansão em curso. O plano de ampliação da BTP deverá ser apresentado nos próximos meses para a autoridade portuária, mas ainda dependerá de uma série de fatores para se concretizar.

O presidente da empresa, Ricardo Arten, diz compartilhar do temor da Solve Shipping. “Com as reformas estruturais em curso, o Brasil vai crescer em algum momento, e ficamos preocupados com a velocidade de reação. Equipamentos que podem ampliar a eficiência demoram para chegar, e resolvem apenas de forma provisória”, afirma.
Para o executivo, o porto de Santos poderá ter problemas por conta de falta de capacidade já em 2023, caso as expansões não saiam do papel.

O plano da BTP prevê, além de melhorias dentro do terminal, a incorporação de uma zona vizinha no porto de Santos – a chamada STS- 10, que abriga terminais já vazios ou com concessões perto do vencimento. As expansões, porém, dependem de aprovações da autoridade portuária, do órgão regulador, e do projeto controverso da ponte Santos-Guarujá – empreendimento em discussão pelo governo que poderia prejudicar a ampliação do terminal.

Para Barreto, da Solve Shipping, a consequência de uma falta de capacidade no porto de Santos seria uma possível transferência da carga para outras regiões. “Abriria espaço para o surgimento de um novo ‘hub’. Para o país, não seria o ideal, porque Santos já tem a infraestrutura de transportes e está perto da demanda do país. Mas é uma possibilidade” afirma.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/10/18/santos-discute-possivel-lotacao-para-conteineres.ghtml

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