‘Vamos todos terminar esse período mais endividados’

A crise deflagrada pelo coronavírus terminará com todos – famílias, empresas e governo – mais endividados. No entanto, o Brasil não está conseguindo transmitir aos investidores a confiança na volta do equilíbrio fiscal, necessária para que a recuperação da economia ocorra de forma saudável. A avaliação foi feita ontem pelo presidente do Itaú Unibano, Candido Bracher, na “Live” do Valor.

Para o executivo, o enfrentamento dos impactos da pandemia requer o uso de recursos públicos, mas será necessário que as taxas de juros se mantenham baixas por um longo período após a crise. E isso só vai acontecer se ficar claro para os investidores que a dívida pública não vai estourar – uma mensagem que,  até agora, o Brasil não está conseguindo passar pela falta de coesão entre os Poderes.

“Certamente não estamos conseguindo transmitir confiança aos mercados”, disse Bracher. “As perspectivas de entendimento pobre entre Legislativo e Executivo criam essa incerteza em relação ao futuro que se soma às incertezas já naturais do processo da crise de saúde que vivemos.” Sinal disso, de acordo com o presidente do Itaú, são as taxas de juros de longo prazo, que estão em patamar elevado. A crise política, disse Bracher, está agravando as incertezas naturais decorrentes da pandemia e a falta de uma orientação única e ruim para a população. “Atrapalha você ter orientações divergentes em relação ao que deve ser feito.”

O executivo afirmou que a fase da “surpresa” passou, e agora está claro que a volta à normalidade só acontecerá quando houver vacina, cura ou boa parte da população estiver imunizada. “Teremos a economia funcionando num nível abaixo do que vinha antes da crise por um tempo longo.” Para Bracher, os bancos terão papel importante na crise. Primeiro, auxiliando os clientes a absorver o choque inicial, o que tem sido feito por meio da prorrogação de contratos. Depois, ajudando-os na travessia e na recuperação de seus negócios depois do período mais turbulento.

Por isso, propostas como a limitação das taxas de juros das modalidades rotativas – como previsto em projeto de lei do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) – podem ter boas intenções, mas reduzem a oferta de crédito e fragilizam o sistema financeiro. “Temos uma crise de saúde, temos crise econômica, temos também uma crise política. Certamente, não precisamos de uma crise do sistema financeiro”, afirmou.

O executivo ressaltou que as instituições financeiras aumentaram em 81% as concessões de crédito nos meses de abril e maio, quando comparadas com o mesmo período do ano passado. Apesar disso, a demanda das empresas cresceu muito mais, assim como o risco de inadimplência, e foi a esses fatores que Bracher atribuiu o fato de que pequenas companhias ainda se queixarem da dificuldade em obter recursos.

É aí que entram, de acordo com o executivo, as linhas em discussão entre os bancos e o governo, que poderão ajudar o dinheiro a chegar à ponta. Entre elas, Bracher citou o crédito à folha de pagamento, cujo escopo deve ser ampliado; o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) do BNDES; e a possibilidade de refinanciamento das parcelas já pagas de contratos imobiliários. “Atuamos muito junto ao governo, que tem sido muito proativo”, disse.

O presidente do Itaú afirmou que a realidade imposta pela pandemia vai acelerar o processo de transformação digital em curso no banco. O banco colocou 48 mil funcionários em home office e o uso de canais digitais aumentou. O próprio Bracher está trabalhando de casa há dois meses. “É mais fácil se transformar quando você não está crescendo a todo vapor. Quando a competição é intensa por market share, você fica focado no crescimento”, disse. Para o executivo, a crise também colocou em primeiro plano a desigualdade social brasileira, e como ela fragiliza a sociedade como um todo. “A força de uma corrente é a à força de seu elo mais fraco”, ressaltou.

Esse foi um dos motivadores, segundo ele, da doação de R$ 1,3 bilhão feita pelo Itaú para iniciativas de combate à pandemia.

Bracher citou a questão ambiental como outro fator em que o Brasil precisa melhorar. “Cuidar do ambiente é uma responsabilidade que temos como sociedade e que não estamos cumprindo adequadamente”, afirmou. “Isso tem efeitos negativos para nossa vida e também na forma como somos vistos de fora.”

 (Colaboraram Adriana Cotias e Álvaro Campos)

https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/05/20/vamos-todos-terminar-esse-periodo-mais-endividados.ghtml

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