A queda de demanda impõe um novo olhar sobre o compartilhamento do risco nos contratos das concessões que serão assinados nos próximos meses no setor de infraestrutura, a fim de atrair investidores e financiadores. Para o presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo, há exemplos no país que incorporam essa possibilidade, como em linhas de metrô em São Paulo, em que há contratos com bandas de demanda, uma forma de reequilíbrio quase automática.
Nesses contratos, há uma demanda projetada ano a ano durante toda a extensão da concessão e são definidos intervalos de variações específicos, em que riscos são compartilhados ou absorvidos pela concessionária. Esse exemplo poderia ser adotado, segundo o executivo, em um momento em que as incertezas sobre o futuro fazem investidores buscar liquidez. A seguir os principais trechos da entrevista que Galípolo deu a Valor:
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
Valor: O novo cenário traz mudanças sobre as concessões futuras?
Gabriel Galípolo: O cenário da pandemia traz aumento da incerteza sobre o futuro. Quando ela aumenta, cresce o desejo pela busca de riqueza na forma líquida, ou seja, converter ativo que pode ser mais facilmente convertido em dinheiro. Isso deprime consumo, investimento e renda. Os efeitos são ainda mais dramáticos em projetos de infraestrutura porque são intensivos em capital com longo prazo de maturação e baixa liquidez. As crises dos últimos anos mostraram que há uma assimetria entre risco e prêmio nos projetos de infraestrutura. Há uma baixa elasticidade de demanda, ou seja, não é porque você baixou a tarifa de água que haverá um salto no consumo de água, não é porque você construiu uma estrada que haverá um acréscimo do número de carros naquela rodovia. Essa baixa elasticidade limita a possibilidade de ganhos extraordinários e, no entanto, pequenas reduções na receita, que podem decorrer da queda de atividade econômica, podem resultar em insolvência. Dito isso, de arrancada, acho que, nos novos contratos por vir, é justo esperar mais liquidez dos investidores e financiadores.
Valor: Será preciso pensar em modificações nos contratos das novas concessões?
Galípolo: Minha percepção é que as mudanças estão mais inclinadas para o compartilhamento do risco cambial do que para o risco de demanda e tenho dúvidas se é o caminho mais eficiente. Como risco cambial não pode ser suportado pela concessionária, poderá ser pelo consumidor, por meio de uma indexação, ou pelo contribuinte, por um recurso fiscal. A história econômica não recomenda isso, ou recomenda que se use com muita parcimônia.
Valor: Como deveriam ser os novos contratos para que tenham mais clareza nessas cláusulas sobre reequilíbrio financeiro? Galípolo: Além de quem vai fazer e dos prazos a serem dados em cada etapa, é preciso saber como se fará isso. Um exemplo de queda de receita em caso de insolvência é o da mobilidade urbana no Estado de São Paulo. Nas linhas de metrô, há bandas de demanda em contratos de PPPs e concessões, uma forma de reequilíbrio quase automática. Há uma demanda projetada ano a ano durante toda a extensão do contrato. Define-se ali que variações acima ou abaixo de 10% do previsto são absorvidas pela concessionária. Oscilações entre 10% e 20% são compartilhadas, sendo 50% do poder público e 50% da concessionária. Variações entre 20% e 40% para baixo ou para cima ficam 30% para o privado e 70% com o poder concedente ou 10% e 90%. Isso já estabelece automaticamente mecanismo de absorção de receita de 40% para cima ou para baixo, então não precisa parar, sentar e conversar. E mais importante: não se para o serviço durante esses momentos de oscilação. Reduz a rentabilidade do privado, mas não se ameaça a sobrevivência do projeto.
Valor: Há algum outro exemplo do que pode ser feito?
Galípolo: Um segundo caso é redigir as cláusulas por término antecipado prevendo as razões que poderão levar a isso, com regras diferentes para cada um. Se o Estado resolver encampar a concessão, é razoável que o privado seja indenizado inclusive no custo de oportunidade dele. É preciso ter uma fórmula clara para isso. Em São Paulo, nos novos contratos de concessão das rodovias já existe isso. O inverso precisa ser verdadeiro: se o privado deu término, ele tem de ser multado para que essas multas sejam imputadas e reduzam os investimentos amortizados. Isso precisa estar redigido e estar claro.
Valor: Muitos Estados e a União continuam a preparar concessões para serem oferecidas ao mercado nos próximos meses. Que novos projetos estão mais maduros, terminais portuários ligados à exportação, relicitações de projetos?
Galípolo: Apesar do cenário adverso, dependendo do setor e da modelagem, poderemos ver concessões vitoriosas. Setores ligados à exportação estão se beneficiando de dois fatores que estão reduzindo a queda da demanda. Primeiro, somos uma economia que exporta muito a países que estão saindo da pandemia porque ingressaram primeiro nela, como a China. O segundo ponto é que há as concessões, como de rodovias, que estão voltando ao mercado porque estão expirando depois de 25 anos de contratos. Elas chegam com uma percepção de risco menor porque têm um nível de investimento menor e um histórico de conhecimento de demanda maior, com dados de 25 anos, com duas grandes crises vivenciadas nesse momento. Aí sobram os desafios dos setores que a gente tem muita necessidade como mobilidade urbana, ferrovia e saneamento.
Seja o primeiro a comentar