A saída do empresário Salim Mattar da área de privatizações do governo é simbólica. Não por suas realizações, até porque elas não ocorreram. Mas pela admissão de que o discurso da equipe econômica não tem respaldo na realidade. Para quem chegou no governo dizendo que arrecadaria R$ 1 trilhão com a venda de estatais, Salim Mattar fez pouco. Para os críticos, ele vendeu vento e negociou brisa.
Em sua gestão, nenhuma estatal de controle direto da União foi privatizada. Pelo contrário: Bolsonaro ainda criou a NAV, que ficará responsável pelo controle do tráfego aéreo, hoje nas mãos da Infraero. Foi a primeira estatal desde a gestão Dilma Rousseff, que, em 2013, criou a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).
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Salim almejava desestatizar jóias da coroa como Petrobrás, Banco do Brasil e Eletrobrás, mas teve que se contentar com a inclusão, no Programa Nacional de Desestatização (PND), de estatais bem menores, como Nuclep, Emgea, Ceagesp, ABGF, Dataprev e Ceitec. Com sorte, a liquidação da Ceitec, conhecida pelo apelido chip do boi, será a maior realização o governo na área.
A inclusão de estatais no PND é apenas a primeira etapa de um longo processo até a privatização, que inclui a elaboração de notas técnicas, contratação de estudos, aprovação de órgãos de controle e realização de audiências públicas e de assembleias de acionistas.
Desde a redemocratização, todos os presidentes venderam empresas públicas. Até mesmo o governo Michel Temer, que teve uma gestão mais curta, licitou seis distribuidoras da Eletrobrás e a Celg, distribuidora de energia que pertencia também ao governo goiano.
A equipe econômica costuma dizer que muita gente joga contra as privatizações. Ninguém gosta de admitir, mas o Congresso não precisa dar aval à venda de quase nenhuma, a não ser Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa e Correios. Em quem jogar a culpa, portanto?
É verdade que se trata de um rito longo, próprio do setor público, e que quem vem do setor privado costuma criticar como moroso e burocrático. Mas, uma vez que todas as etapas são cumpridas, é possível privatizar as estatais. Ninguém disse que é fácil, mas não é impossível. Mais do que falar, é preciso fazer.
Sabendo que o processo é moroso – a estimativa é que cada estatal leve, em média, dois anos para ser vendida – é preciso ter foco. Cada presidente, desde a redemocratização, concluiu uma grande privatização. Sarney vendeu produtora de celulose Aracruz; Collor, a siderúrgica Usiminas; Itamar, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a fabricante de aviões Embraer. FHC vendeu a mineradora Vale e privatizou o sistema de telefonia e de ferrovias.
Lula e Dilma Rousseff não venderam estatais, mas priorizaram um programa de concessões de infraestrutura em áreas como energia, petróleo, rodovias e aeroportos. Sem definir uma prioridade na área de privatizações, o governo Bolsonaro segue o mesmo caminho dos governos petistas e avança nas concessões.
É da equipe do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e da secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, o mérito pelas concessões de rodovias, aeroportos e ferrovias – estas últimas retomadas depois de 20 anos.
Não é à toa que no banco de apostas para ocupar o lugar de Salim Mattar, a líder é Martha Seillier. Para quem acompanha a área há anos, seria um alívio. A secretária sabe como a máquina funciona e trabalha em sintonia com os diversos órgãos da Esplanada dos Ministérios. Um novo nome do mercado levaria meses para se familiarizar com a área.
Ao longo do tempo em que esteve no governo, Mattar citou como realizações na área a venda de subsidiárias por estatais-mãe, como a Petrobrás, o que é tecnicamente considerado um desinvestimento, cuja decisão e todo o processo não passa pelo governo. É tudo tocado pelas próprias estatais, que, inclusive, ficam com o dinheiro que resulta do negócio – ao governo, cabe a parcela do imposto que incide sobre o lucro da operação.
Desde que Salim Mattar assumiu, nove pessoas deixaram a área de estatais. Apesar do desdém que expressa pelo setor público, é com a burocracia que o governo Bolsonaro tem contado para diminuir, de fato, o tamanho do Estado. Sem alarde, sem exageros, sem promessas de R$ 1 trilhão.
Em tempo: na contabilidade pública, recursos arrecadados com a venda de estatais de controle direto são de natureza financeira e não orçamentária. Portanto, eles não entram no caixa do Tesouro e não tem o condão de zerar o déficit primário – outra promessa do governo que não será cumprida, porém essa não foi feita por Salim Mattar, mas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
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