Investimento pode ‘driblar’ teto de gasto

Tarcísio de Freitas: crédito extraordinário pode ser saída para infraestrutura - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O Planalto analisa um projeto de lei de crédito extraordinário para reforçar investimentos no Ministério da Infraestrutura neste ano. Mas, para 2021, ficaria preservada a regra do teto de gastos, disseram fontes graduadas ao Valor.

A ideia em análise no Planalto é remanejar recursos que já constam do Orçamento mas que, por dificuldades operacionais dos ministérios, não serão gastos até o fim de dezembro. E, nesse movimento, o crédito extraordinário poderia ser o caminho. O mecanismo foi discutido na manhã de ontem, em reunião de Bolsonaro com Guedes e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.

A medida, contudo, pode na prática ser mais uma tentativa de contornar a restrição de despesa para 2021. Além da discussão sobre se cabe o uso de crédito extraordinário para isso, dado que o instrumento é voltado para despesas urgentes, a iniciativa pode acabar gerando restos a pagar que permitiriam ao governo gastar mais no ano que vem sem as amarras do teto.

Ontem à noite o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi enfático e disse que nenhum projeto para furar o teto terá apoio da sua pasta. Ele acrescentou que o presidente Jair Bolsonaro lhe reafirmou na tarde de ontem o apoio à manutenção do teto. E ressaltou que dribles no teto podem levar ao impeachment.

Se tiver ministro fura-teto, eu vou brigar com o ministro fura-teto. Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto vão levar o presidente para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. O presidente sabe disso, o presidente tem nos apoiado, disse Guedes, ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O Ministério da Infraestrutura já executou 77% de seu orçamento, mas outras pastas estão em ritmo mais lento. De acordo com dados do Tesouro Nacional, esse acúmulo de recursos, chamado de empoçamento, estava em R$ 31,3 bilhões no fim de junho. É dinheiro que poderá mudar de destino.

Na reunião, ficou acertado que essa solução terá impacto restrito a 2020. A equipe econômica quer delimitar muito claramente a política fiscal deste ano, alterada em razão da pandemia, da que será praticada a partir de 2021, quando volta a estratégia de ajuste.

Freitas tem afirmado que está fechado com a estratégia de Guedes, embora haja informações de bastidores em outra direção. O ajuste fiscal pode ser um limite aos investimentos com recursos públicos, mas é fundamental para outra vertente de sua pasta: as concessões. Para que sejam concretizadas, elas precisam de ambiente econômico, jurídico e regulatório estáveis no longo prazo.

A aposta nos investimentos privados é a linha do Ministério da Economia. Após a aprovação do marco regulatório do saneamento, Guedes dialoga com o Congresso para ver aprovadas mudanças nas legislações do gás natural, do petróleo, das ferrovias e a autorização para privatizar empresas estatais, como a Eletrobras.

Outras alas do governo, porém, acham importante reforçar o investimento público para alavancar a atividade pós-pandemia. Discute-se até utilizar parte das receitas do futuro tributo sobre transações. Ministros do Planalto, porém, acham difícil que seja aprovado.

As pressões para flexibilizar o teto de gastos aumentaram na reta final da elaboração da proposta do Orçamento de 2021, a ser encaminhada ao Congresso no próximo dia 31. Pelo trabalho em andamento na Economia, a previsão de gastos para 2021 deverá ser a mais conservadora possível, sem soluções criativas utilizadas no passado, como a inclusão de despesas condicionadas à criação de novas receitas. Vai refletir o status quo, disse o assessor especial da pasta Guilherme Afif Domingos.

Em defesa do teto, Afif afirma que flexibilizá-lo seria um tiro no pé. Comprometeria uma conquista importante, a taxa de juros baixa, num momento em que a dívida está em alta. O juro baixo, argumenta, trouxe ganhos para o controle dos gastos públicos. Outra conquista importante foi a reforma da Previdência, que conteve o crescimento do maior item de despesa do governo federal.

Nesse sentido, o teto ganhou ontem um reforço importante do Banco Central. Ao condicionar sua intenção para a política de juros à manutenção do regime fiscal e alertar que sua ruptura implicaria alterações significativas para a taxa de juros estrutural da economia, o recado da autoridade monetária é claro: evitem mexer no teto de gastos.

A menção indireta se justificaria porque o BC sabe que mais importante que o teto em si é garantir uma trajetória fiscal sustentável, o que, em tese, poderia ser obtido com uma estratégia de recomposição resultado primário pelo lado da receita, embora não seja o caminho desejado por Guedes.

A autoridade monetária, ao longo dos anos, tem enfatizado a importância do equilíbrio fiscal para a manutenção de juros em níveis estruturalmente mais baixos. Ontem, a mensagem teve um tom mais enfático, ao usar a expressão ruptura e a declaração de que isso significaria alterações significativas nos juros estruturais, em outras palavras, alta de juros.

Os técnicos da área econômica têm defendido o teto com forte ênfase. A visão é que o momento é para fazer reformas e reduzir despesas obrigatórias, melhorando a qualidade do gasto sem abrir mão do controle das despesas.

Mas vale lembrar que o próprio ministro Paulo Guedes ajudou criar ruído, ao patrocinar a proposta de usar recursos do Fundeb para financiar parte do Renda Brasil e ao deixar correr solta a ideia de se fazer uma consulta ao TCU para o uso de dinheiro de crédito extraordinário da pandemia para bancar obras de infraestrutura. Só depois de um tempo ele reagiu e derrubou a proposta.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/08/12/investimento-pode-driblar-teto-de-gasto.ghtml

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