Passados 23 anos desde a privatização em 1997, a Vale está prestes a viver outra mudança histórica. Se há mais de duas décadas o desafio foi fazer a transição de empresa estatal para privada, agora a mineradora vai se transformar em corporação sem grupo de controle acionário definido. A companhia terá o controle disperso entre diferentes investidores, mas no novo desenho há meios de inibir que qualquer acionista tenha fatia igual ou maior que 25% do capital. Caso isso eventualmente ocorra, o sócio que atingir esse percentual terá que fazer uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) a todos os investidores de Vale, tarefa que não é simples considerando que, na sexta-feira, a empresa tinha valor de mercado de R$ 335,3 bilhões, acima, por exemplo, de Petrobras, Itaú, Ambev e Bradesco.
Hoje a Vale ainda tem grupo de controle, formado por meia dúzia de grandes investidores institucionais, que dá as cartas a partir de posição acionária equivalente a cerca de um terço do capital social da companhia. Essa liderança é exercida por meio de atuação conjunta que permite a esses investidores eleger a maioria dos integrantes do conselho de administração da empresa, uma das maiores produtoras de minério de ferro do mundo.
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A ação articulada do grupo de controle se dá via acordo de acionistas assinado em 2017 e que expira em 9 de novembro, em menos de 15 dias. O fim desse acordo será o gatilho para implementar mudanças societárias e de governança corporativa que vêm sendo preparadas há três anos. É de se esperar mais uma evolução do que uma revolução, diz conselheiro.
Analistas de bancos estão interessados em um aspecto resultante do fim do acordo de acionistas da Vale. Com o término do acordo, vão ficar livres para a venda 20,26% das ações da mineradora, algo como R$ 68 bilhões tomando por base o valor de mercado na sexta-feira. Esse é o percentual de ações vinculado ao acordo de acionistas do qual faz parte o grupo de controle de Vale. Integram o grupo Litel, que reúne os fundos de pensão estatais – Previ, do Banco Brasil; Petros, da Petrobras; Funcef, da Caixa; e Vivest, antiga Fundação Cesp -, Bradespar, do Bradesco; a japonesa Mitsui; e a BNDESPar, o braço de participações acionárias do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Na prática, esses 20,26% de ações de Vale podem ser vendidos a partir de 9 de novembro, embora essa não seja a expectativa do mercado. Acredita-se que Previ, Bradespar e Mitsui vão se manter como acionistas de referência. O BNDES é visto como vendedor. Em agosto, o banco se desfez na bolsa de R$ 8,1 bilhões de papéis de Vale em um só dia. O que os acionistas do grupo de controle farão com suas ações só eles sabem, diz fonte próxima da Vale. A aposta é que não haverá corrida para a venda pelos acionistas do grupo de controle o que, se ocorresse, teria o efeito de depreciar o valor da ação, que, na sexta-feira, fechou cotada a R$ 63,54.
A retomada do pagamento de dividendos e de juros sobre capital próprio pela mineradora depois de Brumadinho dá folga aos fundos, sobretudo à Previ, que precisam de liquidez para pagar os compromissos com os pensionistas, e retira parte da pressão sobre a venda. Em setembro, a Vale remunerou os acionistas com R$ 12,35 bilhões. O Itaú BBA estima que em março de 2021 a empresa possa pagar cerca de US$ 2,5 bilhões aos acionistas, referente ao resultado do segundo semestre de 2020, com retorno (dividend yield) acima de 4% em dólar. É um retorno considerável tomando como referência a Selic a 2% ao ano.
Embora o principal ponto de interesse do mercado seja o destino dos 20,26% das ações dos acionistas de referência que vão ficar livres para a venda, há outros temas na agenda, sobretudo depois da tragédia de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, que deixou 259 mortos e 11 desaparecidos. A tragédia apressou o trabalho de melhoria da gestão da empresa. Não é fácil guiar a companhia em meio a uma tragédia como a de Brumadinho, disse fonte da mineradora.
O término do acordo de acionistas representa a conclusão de um processo que começou em 2017, quando a Vale lançou as bases para se transformar em uma corporação sem controle definido. O acordo que expira em novembro foi firmado em agosto de 2017, previsto para durar três anos, em transição em que a Vale cumpre agora a última etapa rumo à true corporation. Haverá, porém, desdobramentos.
Por anos era inimaginável que o grupo de controle de Vale abrisse mão do poder que tinha na companhia, mas o primeiro passo foi a unificação das duas classes de ações – preferenciais e ordinárias – em ordinárias e a migração para o Novo Mercado da B3 no fim de 2017. A seguir foram implementadas mudanças internas, na gestão dos negócios e na forma de atuar do conselho de administração, transformações ainda em curso.
A adoção de um modelo de controle acionário disperso tende a reduzir ainda mais a possibilidade de intervenção política na empresa, verificada mesmo depois da privatização, em maio de 1997. A União ainda detém 12 golden shares de Vale que lhe dão poder de veto limitado sobre alguns temas, entre os quais mudanças de razão social, de sede e de objeto das atividades minerárias. É de se esperar que como resultado da dispersão acionária a Vale ganhe maior diversificação da base de acionistas, haja renovação do conselho de administração, a ser definida em assembleia geral de acionistas em abril de 2021, e que os administradores da empresa tenham maior independência em relação aos acionistas. É possível que a atual diretoria da empresa, sob o comando de Eduardo Bartolomeo, que assumiu a presidência da Vale depois de Brumadinho, seja reconduzida pelo conselho para mais um mandato de dois anos antes da realização da assembleia de acionistas em abril do que ano que vem. A AGO/AGE de Vale terá como um dos principais temas a renovação do conselho de administração (ver a reportagem Assembleia de 2021 vai definir novos conselheiros).
Em 31 de dezembro de 2019, os integrantes do grupo de controle de Vale detinham 35,66% da companhia. Hoje essa participação é de cerca de 32% do capital social da empresa. Em 30 de setembro deste ano, a fatia do grupo de controle incluía percentual de 26,57%, sendo 20,26% das ações vinculadas ao acordo de acionistas, e mais 6,31% de ações fora do acordo, portanto, disponíveis para a venda desde 2017. Além dessas participações, os fundos de pensão, receberam da Litel, em 2019, ações de Vale que passaram a deter diretamente em suas carteiras. A Previ, por exemplo, tem 80% da Litel e mais 4,99% de ações de Vale de forma direta, o que lhe assegura, no total, fatia de 14,26% da empresa.
A transferência de ações de Vale não vinculadas ao acordo de acionistas para os fundos foi possível depois de reestruturação da Litel em setembro de 2019 por meio de cisão de ativos em favor da Litela, veículo de participação dos fundos. Litel e Litela possuem 11,6% das ações da mineradora. O movimento de cisão dos ativos de Litel teve o objetivo de facilitar a venda de ações de Vale pelos fundos. Fontes dizem que integrantes do grupo de controle vêm vendendo ações de Vale em bolsa. Nada como fez o BNDES em agosto, mas as vendas têm ocorrido. Embora esses acionistas não tenham o controle de direito da empresa, pois podem ser derrotados em assembleia, têm o controle de fato. O exercem elegendo a maioria do conselho e controlando o resultado de certas decisões que exigem aprovação dos acionistas. É algo que tende a mudar a partir de 9 de novembro de 2020.
Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/10/26/vale-entra-em-nova-fase-com-fim-de-acordo.ghtml
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