Desafios do Rio: No transporte, passageiros sofrem com velhos problemas

Passageiros se espremem para entrar num ônibus do BRT na parada do Mato Alto, em Guaratiba Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

Quatro horas e meia: é o tempo que o trabalhador da construção civil Dayro Rodrigues perde diariamente no transporte de ida e volta entre sua casa e o emprego. No percurso, ele nem sai da Zona Oeste do Rio: vai da Gardênia Azul a Campo Grande. Mas entre baldeações em ônibus e vans, o jovem de 23 anos constata como nem sequer os R$ 7,3 bilhões já gastos nesta década apenas na implantação dos BRTs (Transcarioca, Transoeste, Transolímpico e Transbrasil, este último ainda em obras) aliviam o sufoco de quem depende do transporte público na cidade.

– Para não atrasar no trabalho, saio de casa às 4h30m, e volto às 20h, tão cansado que só penso em dormir. No tempo que estou em deslocamento, poderia fazer um curso técnico na minha área. Mas, no ônibus, não dá nem para ler, porque viajo em pé – dizia Dayro, às 6h de uma terça-feira, enquanto esperava a terceira condução daquele dia.

Os nós da mobilidade urbana – tema do capítulo de hoje na série do GLOBO sobre os desafios para o próximo prefeito ou prefeita – também se tornaram mais difíceis de desatar devido à pandemia, com empresas relatando prejuízos milionários e o desaparecimento de dezenas de linhas de ônibus. Antes do coronavírus, no entanto, uma radiografia dos coletivos urbanos no município já demonstrava uma desaceleração com impacto na vida dos passageiros.

Segundo dados da Fetranspor disponíveis nos arquivos da prefeitura, em 2019 a média da frota operante nas ruas era 21% menor que a de 2017. Nesse período, o tombo se repetiu na quilometragem rodada (menos 24%) e na quantidade de viagens realizadas (queda de 31%). Enquanto isso, a idade média da frota envelheceu, de 4,71 anos, para 5,67 anos. E no meio da crise e do desemprego dos últimos anos, o total de passageiros, cerca de 1 bilhão no ano, tinha sido o menor de toda a década.

– Na Zona Oeste, muitas linhas, inclusive as alimentadoras do BRT, sumiram do mapa. Ficamos à mercê das vans – afirma Lucia Lima, de 67 anos, moradora do Recreio.

No embalo dos investimentos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, os planos soavam ambiciosos na alçada municipal, se funcionassem. Além dos BRTs, investiu-se nos corredores expressos BRS, o Centro ganhou linhas de VLT e iniciou-se uma reorganização das linhas de ônibus. Mas não tardou para as soluções desandarem.

No BRT, das 125 estações implantadas, 42% (53) estão fechadas hoje, segundo o consórcio que administra o sistema, 32 por vandalismo e/ou furtos de equipamentos, e mais 21 desativadas devido à violência e à destruição do patrimônio público. Más condições das pistas, sobretudo no Transoeste, e evasão no pagamento de passagens também causam prejuízos, ao mesmo tempo que os passageiros reclamam da piora no serviço.

Na estação Mato Alto, em Guaratiba, um retrato da situação: às 5h os usuários se acotovelam para entrar nos ônibus. Depois, viajam em veículos entupidos de gente, tão cheios que às vezes partem com portas abertas.

– O pior é quando o ônibus quebra, o que tem sido bastante comum – conta o caseiro Leandro dos Santos, morador de Pedra de Guaratiba, que embarca na estação Pingo D’Água para o trabalho no Leblon.

Além do BRT, ele pedala dez minutos de sua casa até a estação, entre os carros, porque o caminho não tem ciclovia. Apesar da malha cicloviária da cidade ter mais de 450 quilômetros, segundo dados do Instituto Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), só 19% da população vivem perto dela, concentrados em áreas de maior renda, com a orla, e pouco integrada ao sistema de transportes.

– Elas acabam sendo usadas mais para o lazer – diz Bernardo Serra, gerente de Políticas Públicas do ITBT.

O instituto lançou propostas à próxima gestão municipal, em que enumera a necessidade da conclusão do projeto completo do BRT Transbrasil (que deveria estar pronto há três anos) e sugere a implantação de mais 107 quilômetros de faixas exclusivas de BRS. Outro ponto é a criação de um novo modelo de financiamento do transporte que não dependa apenas da tarifa paga pelos usuários.

Do assunto tarifa o próximo prefeito não deve escapar. No outro lado dessa moeda, o Rio Ônibus diz que o congelamento da passagem em R$ 4,05 contribui para a perda de capacidade de investimento em manutenção e renovação de frota. O resultado, alega, é a falência de empresas, quatro em recuperação judicial.

Propostas dos candidatos Eduardo Paes (DEM) Recuperar todo o sistema de BRT (incluindo a reabertura de estações que foram fechadas), com segurança garantida pela presença da Guarda Municipal ou do programa Segurança Presente, e promover o aumento imediato e a manutenção da frota.

Criar o BRT Rosa voltado para as mulheres e concluir o BRT Transbrasil.Revisar o projeto de racionalização do sistema de ônibus com o objetivo de reintroduzir algumas linhas que foram extintas. Além de fazer uma ampla auditoria sobre a operação das concessionárias com o objetivo de restaurar linhas que foram abandonadas ou tiveram forte redução da frota pelas empresas.

Realizar a integração tarifária em todo sistema de transporte (BRT, VLT, Ônibus, Trens, Metrô e Barcas) e aumentar a duração do bilhete único para 3 horas até o final de 2022.

Marcelo Crivella (Republicanos) Por meio da recuperação do dinheiro que foi desviado durante a gestão anterior e do investimento da iniciativa privada, com uma nova licitação, iremos reformar a Transbrasil, Transcarioca e Transoeste. Todo o capital será reinvestido na segurança, com policiamento nas estações, e na prevenção ao vandalismo, com combate à evasão de tarifas. Iremos melhorar as estações, os veículos, oferecendo mais conforto, mais carros e mais rapidez aos usuários. Ampliar o aplicativo Taxi.Rio para 2 milhões de usuários e, por meio da implementação de política pública de estímulo ao uso de táxis, tornaremos a plataforma mais competitiva frente a outros aplicativos. Os usuários, por meio da geração de créditos, poderão utilizá-lo em outros serviços municipais, como estacionamentos rotativos e abatimento nas tarifas de remoção de veículos.

Elaborar o Plano Diretor Cicloviário, realizar a manutenção e requalificação de 50% das infraestruturas cicloviárias existentes, bem como a expansão das ciclofaixas e o estímulo ao uso de bicicletas, com a ampliação da concessão de bicicletas compartilhadas para as zonas Norte e Oeste.

Martha Rocha (PDT) Reestruturar o Conselho Municipal de Transporte para permitir a participação efetiva da cidadania e o controle social. Revisar as atuais linhas de ônibus e consolidar o Plano Municipal de Linhas Urbanas, que vai respeitar as demandas de transportes da cidade, evitar a concorrência e sobreposição de linhas e aumentar a oferta e frequência de ônibus. Criar uma política tarifária justa e transparente.

Licitar a concessão do sistema BRT, incluindo os três corredores existentes e mais o Transbrasil, a ser inaugurado, com a constituição de Sociedade de Propósito Específico (SPE) para viabilizar a operação. Fazer a reconstrução da pista da Transoeste e a recuperação das estações. Iniciar a transição dos atuais veículos a diesel para o modelo de ônibus elétricos.

Elaborar estudo de viabilidade para ampliar as linhas de VLT, considerando a necessidade de se buscar a sustentabilidade financeira e a consolidação do modelo de transporte leve sobre trilhos em regiões estratégicas da cidade.

Benedita da Silva (PT) O meu lado é o do passageiro, não o do dono do ônibus. O projeto é reassumir a autoridade e o controle sobre o sistema, que o prefeito perdeu. Vou auditar contratos de concessão, fiscalizar e dar transparência aos custos para reduzir tarifas, exigir o retorno de linhas sumidas e mais qualidade no serviço.

O BRT precisa de um choque de autoridade pública para restaurar a operação. Concluir o BRT Transbrasil, mas, até lá, abrir uma faixa emergencial para ônibus na Linha Vermelha. Vamos reativar as estações fechadas, consertar a pista do BRT Transoeste e exigir o número adequado de ônibus articulados.A maioria dos cariocas mora longe do ponto de ônibus ou tem dificuldade de integração para chegar ao trabalho. Regularizar linhas de vans dentro dos bairros, trabalhar pelo passe livre para desempregados e estudantes e pela redução das tarifas de integração com metrô, trem, barca e ônibus intermunicipais.

Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/desafios-do-rio-no-transporte-passageiros-sofrem-com-velhos-problemas-1-24729329

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