G1 – A Justiça Federal no Mato Grosso determinou na sexta-feira (12) que os povos indígenas Boe-Bororo sejam ouvidos sobre a construção da ferrovia que vai ligar Rondonópolis a Lucas do Rio Verde (sudeste ao norte de Mato Grosso), antes da emissão de novas licenças para as obras.
A decisão, que atende um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), também obriga a Fundação Nacional do Índio (Funai) a intervir no processo de licenciamento ambiental do empreendimento para concretizar a consulta aos povos em até 90 dias.
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O objetivo é assegurar que as comunidades indígenas que habitam o entorno da região não sejam afetadas negativamente pelo empreendimento.
A Justiça também ordenou que a empresa Rumo Malha Norte S/A, responsável pelas obras, adote as medidas para proceder com os estudos do componente indígena e ajude a viabilizar a audiência junto às comunidades envolvidas.
O pedido
De acordo com o MPF, não foram realizados estudos específicos sobre os impactos da obra sobre a população indígena, bem como a devida consulta prévia e informada junto ao povo impactado.
O traçado da ferrovia está previsto para passar entre as Terras Indígenas Tereza Cristina e Tadarimana, ambas povoadas pelos indígenas da etnia Boe Bororo.
O MPF pede ainda que, caso a licença já tenha sido emitida, seja declarada nula.
Por meio de nota, a Sema informou que não delibera sobre assuntos relacionados à Terra Indígena, e por isso, a Funai se manifestou no processo de licenciamento afirmando que não há necessidade de estudos de componente indígena. O órgão afirmou também que vai esclarecer o processo aos órgãos de controle.
Segundo a empresa, a ferrovia irá contribuir para redução de emissão de gás carbônico no transporte de cargas e no número de caminhões nas estradas. A nota cita também a geração de empregos, ganhos na cadeia de suprimentos e aumento no recolhimento de impostos.
Em nota, a Rumo informou que as licenças para construção do primeiro trecho da ferrovia foram emitidas obedecendo os trâmites legais e seguindo os parâmetros normativos exigidos pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Funai, Ibama e demais órgãos.
“Com relação à necessidade de consulta a comunidades indígenas no entorno do empreendimento antes da emissão das próximas licenças, a empresa está avaliando o teor da decisão, bem como seus eventuais desdobramentos”, diz a nota. (Leia a íntegra do documento ao final da reportagem).
O g1 entrou em contato com a Funai e aguarda um posicionamento.
A ação baseia-se em informações levadas ao MPF pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de que no entorno do empreendimento existem diversos sítios arqueológicos registrados e não registrados, com grande probabilidade de existência de sítios arqueológicos indígenas, especialmente nas proximidades do município de Rondonópolis, na região da Rodovia do Peixe, a 218 km de Cuiabá.
A partir disso, o MPF entende que a participação dos indígenas é essencial no processo de licenciamento do empreendimento pelo conhecimento que possuem sobre o patrimônio material e imaterial que precisa ser protegido e que está ameaçado com a execução do traçado previsto para a ferrovia.
Além disso, foi verificado que a obra afetará negativamente as comunidades indígenas das TIs Tadarimana e Tereza Cristina.
A pedido das lideranças dos Boe-Bororo, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com a ação que torna os indígenas polo ativo no processo contra a empresa Rumo Malha Norte S.A, a Funai e o governo estadual.
O povo Bororo hoje detém seis terras demarcadas em Mato Grosso num território descontínuo e descaracterizado, que corresponde a uma área 300 vezes menor que o território tradicional de origem.
Reivindicações
Em novembro de 2021, os indígenas reivindicaram o direito de serem ouvidos a respeito do empreendimento, sob a alegação de que parte das terras indígenas que foram demarcadas por Marechal Cândido Rondon teriam sido vendidas ilegalmente e que, pela demarcação originária, a ferrovia cortaria a TI Tereza Cristina e também passaria pelo Pontal do Jorigi, parte da TI Tadarimana, tornando o projeto do traçado da obra mais próximo da área indígena, a menos que 10 quilômetros.
Segundo a DPU, a demarcação atual das terras indígenas Tadarimana e Tereza Cristina é apenas uma parte do território que aquele povo ocupou por mais de 7 mil anos.
“O Povo Boe Bororo não foi consultado para a construção da ferrovia passando por suas terras ancestrais, o que fere não apenas os direitos ao consentimento livre, sério e informado, como causa grave dano espiritual, tendo em vista que diversos ancestrais estão enterrados no local, que sempre foi seu território desde o primeiro contato com os não-indígenas”, argumenta o defensor regional de Direitos Humanos Renan Sotto-Mayor.
De acordo com o procurador, tanto a empresa quanto a Funai e o Estado de Mato Grosso estariam impedindo a participação popular, ou seja, dos indígenas, fazendo com que os povos tradicionais acabem por arcar com o ônus do empreendimento, que são os impactos negativos que a obra trará para o seu entorno.
Além disso, o MPF ressalta a pressa ‘desmedida e o afobamento’ para a aprovação do processo de Licenciamento da Ferrovia Rondonópolis – Lucas do Rio Verde, tanto da Sema quanto da empresa, uma vez que, mesmo estando pendente a análise do componente arqueológico do Iphan para a concessão da licença prévia, a empresa já havia pedido, em agosto de 2021, a licença para o órgão estadual.
A ação
Na ação, o MPF pede que, devido ao empreendimento ter um potencial de causar significativo impacto negativo sobre os povos indígenas, a Funai espessa o Termo de Referência Específico e realize a consulta livre, prévia e informada aos indígenas impactados pelo empreendimento.
Já a empresa Rumo deverá realizar o estudo do componente indígena, concluir o estudo arqueológico e garantir a consulta livre, prévia e informada aos indígenas.
Ainda conforme os pedidos da ação, o estado não deve emitir qualquer licença sem realização de processo de consulta livre prévia e informada e deve analisar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório correspondente fornecidos pela Rumo somente após a Funai e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atestarem a viabilidade do empreendimento quanto aos componentes indígena e arqueológico.
Entenda o caso
Após o recebimento dos relatórios do Iphan e realização de perícias, o MPF fez uma recomendação com o mesmo teor da ação à empresa Rumo, à Funai e à Sema, mas todos se recusarem a atender, alegando que a consulta prévia às comunidades não preenche requisito legal e que estão seguindo a Portaria Interministerial 60/2015, que estipula uma distância mínima de 10 km das terras indígenas para viabilidade do empreendimento.
Mas, para o MPF, a portaria interministerial 60/2015 é inconstitucional e a expedição de licença sem consulta prévia aos indígenas impactados contraria normas internacionais como a Convenção 169 da OIT e normas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Além disso, a distância mínima do empreendimento precisa ser definida de forma individual e as características peculiares desse caso precisam ser observadas para evitar um dano irreparável aos povos da região.
A ferrovia e os povos indígenas
Uma dessas características é o fato de o licenciamento da ferrovia ter sido fracionado por trechos, o que prejudica uma visão global do empreendimento e dos impactos do seu conjunto composto por aproximadamente 1.500 km que interligam áreas produtivas de Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso a uma extensa rede ferroviária que atravessa o estado de São Paulo por aproximadamente 900 km até o Porto de Santos, no litoral Paulista.
Outro detalhe é a existência de efeitos que podem se acumular e se associar aos impactos da instalação do Terminal Intermodal Rodoferroviário de Rondonópolis, inaugurado em setembro de 2013.
O procurador sustenta também que é imprescindível seguir o princípio da precaução e, neste caso, avaliar mais que uma distância mínima do empreendimento.
Para ele, o intenso intercâmbio cultural, social, religioso, político, ancestral e econômico dos Boe Bororo das terras Tadarimana e Tereza Cristina, que serão separadas pela ferrovia, deve ser protegido, assim como preveem as normas, e os impactos negativos do empreendimento, quando aceitos, devem ser compensados.
O povo Boe-Bororo
O povo Boe-Bororo é uma comunidade caracterizada por uma complexa organização social e pela riqueza de sua vida cerimonial. No passado, os membros dessa etnia habitavam boa parte da região Centro-Oeste do Brasil, mas hoje estão concentrados, principalmente, em terras indígenas no estado de Mato Grosso.
Nota enviada pela Rumo:
A Rumo esclarece que a Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI) para construção do primeiro trecho da Ferrovia de Integração Estadual de Mato Grosso foram emitidas obedecendo todos os trâmites legais. Ambas as licenças seguem regulares e vigentes, não havendo impacto da decisão judicial em relação às mesmas. Com relação à necessidade de consulta a comunidades indígenas no entorno do empreendimento antes da emissão das próximas licenças, a empresa está avaliando o teor da decisão, bem como seus eventuais desdobramentos.
É importante ressaltar que a Rumo está seguindo todos os parâmetros normativos exigidos pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), FUNAI, IBAMA e demais órgãos competentes. Foram realizados mais de 2.500 estudos de traçados para estabelecer a opção mais viável e sustentável considerando análises ambientais e socioeconômicas das áreas impactadas.
Entendo que o melhor comentário a ser feito seria a determinação de quais ações mitigatórias deveriam ser implementadas para proteger a fauna e isolar a linha férrea, de modo a impactar o mínimo possível no bioma e nos povos indígenas. Em contrapartida, esses “órgãos oficiais” se omitem e preferem impedir que as condições de transporte de MT se modernizem e se desenvolvam.
Essa turma é do contra, para eles quanto pior, melhor, dá pra saber de que lado eles estão