Entrada da Cosan como acionista da Vale é vista com cautela

Analistas veem com cautela entrada da Cosan na Vale - Foto: Agência O Globo
Analistas veem com cautela entrada da Cosan na Vale - Foto: Agência O Globo

O Globo – A entrada da Cosan como novo acionista da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, tem sido vista com ceticismo, de acordo com fontes ligadas à alta administração da empresa. O sentimento de cautela de como será a chegada de Rubens Ometto em uma companhia que hoje não tem um controlador definido ocorre em um momento em que a empresa, líder global na produção de minério de ferro, tem se voltado para suas minas de níquel e cobre, matérias-primas essenciais para a produção de baterias para carros elétricos.

Na sexta-feira retrasada, a Cosan anunciou a aquisição de participação acionária na Vale de 4,9%, por meio de uma operação complexa — e indicou interesse em aumentar essa fatia para até 6,5%. Apesar de os investidores terem reagido mal, já que a cotação da empresa caiu 8,71% com o anúncio da operação, analistas consideram a entrada da Cosan positiva para a Vale.

É em meio à entrada de um acionista de peso que a Vale vai decidir, até o fim deste ano, como separar as minas de produção de níquel e cobre em uma nova empresa. Os estudos envolvem a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) ou a busca de um novo sócio minoritário privado.

Números da Vale — Foto: Criação O Globo
Números da Vale — Foto: Criação O Globo

Analistas de mercado avaliam que o valor de mercado da nova empresa poderia atingir US$ 31,5 bilhões. E um relatório do banco BTG a clientes estima que a operação poderia aumentar o valor da Vale em US$ 15 bilhões. Para analistas, o valor da empresa está hoje abaixo do potencial.

Uma fonte ligada ao alto comando da mineradora lembrou que esse potencial pode ter motivado a entrada da Cosan na Vale. Segundo essa fonte, “pode ser uma vantagem para quem entrar agora, com o papel da Vale barato.”

A mineradora já fechou recentemente acordos com Tesla e Ford. Além do fornecimento de níquel, as parcerias buscam desenvolver e explorar oportunidades no segmento de carros elétricos.

Ações baratas

Em relatório a clientes, a XP disse esperar que a Cosan busque o apoio de outros acionistas da Vale para “imprimir seu estilo de gestão” na mineradora. “A possibilidade mais óbvia é a Mitsui”, que tem uma fatia de 6% na Vale e é sócia da Cosan na Commit Gás (novo nome da Gaspetro). A XP lembra que na próxima assembleia de acionistas, em 2023, o Conselho de Administração da Vale será renovado, e a Cosan “buscará indicar e eleger ao menos um conselheiro”.

Segundo uma fonte da Vale, um eventual representante da Cosan traria experiência de logística e energia.

Mas há dúvidas se o novo acionista tentará imprimir seu modelo de gestão na Vale. Para uma fonte, o perfil da Cosan é de “empresa de dono, cabeça de dono, postura de dono no Conselho da Vale”. O alto escalão da mineradora vai se reunir nas próximas semanas para “entender” pontos e objetivos da entrada da Cosan.

A área de metais básicos da Vale, que reúne minas de níquel e cobre, é considerada a menina dos olhos pelo próprio CEO da companhia, Eduardo Bartolomeo. A Vale é uma das maiores produtoras de níquel do mundo, com operações no Brasil, no Canadá e na Indonésia.

A busca de um sócio para os metais básicos está na pauta da Vale há quase dois anos, mas houve atrasos devido a lockdowns na China, guerra na Ucrânia e incerteza econômica global.

Segundo fontes, a segregação de seus ativos de metais básicos em uma nova empresa já começou no Brasil, onde direitos de lavra de cobre e níquel estão sendo reunidos sob o mesmo CNPJ.

Na semana passada, o jornal britânico Financial Times disse que a Vale teria contratado o Morgan Stanley para ajudar na modelagem do negócio. A contratação de assessores foi confirmada pela mineradora. O desenvolvimento do setor de metais básicos (níquel e cobre) tem o objetivo de gerar valor futuro.

Para a XP, a Cosan — “um acionista estratégico bem-vindo” — vê a Vale como “protagonista relevante na transição energética e descarbonização”. Segundo a XP, o fato de a Cosan fazer uma aposta tão alta na Vale mostra o potencial desta.

Os analistas do BTG, por sua vez, acreditam que a entrada da Cosan reforça a avaliação de que há “subvalorização das ações” da mineradora. “A administração da Cosan vê a Vale como uma combinação perfeita de um negócio maduro com pagamentos de dividendos relevantes, mas também com grande exposição ao tema da transição energética por meio de sua divisão de metais básicos”, afirmam em relatório.

Vitor de Bem, sócio da Ável Investimentos, concorda:

— O fato de fazer compra tão expressiva mostra o quanto as ações da Vale estão subvalorizadas frente aos pares do mercado — diz. — Buscar frentes de crescimento em setores diferentes faz parte do DNA da Cosan. Então vejo uma busca de mais uma linha de diversificação de portfólio, em um setor no qual o Brasil tem grande vantagem competitiva.

Em 12 meses, as ações da Vale acumulam queda de 4%, cotadas a R$ 69,83. Desde o anúncio da operação, o recuo é de 7,57%.

Phil Soares, chefe de análises de ações da Órama Investimentos, lembra que a Vale ainda tem cerca de 80% a 90% de suas receitas atreladas ao minério de ferro e tem um longo caminho para impulsionar outras áreas:

— O mercado precisa comprar essa tese da Vale de investir nos metais básicos. A empresa precisa aumentar a produção e desenvolver suas reservas.

Dividendos em questão

Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, o negócio pode ajudar a Vale a destravar o valor dessa parte da companhia:

— A Vale tem uma parte valiosa que é a de metais, mas o mercado não dá preço para essa divisão. Fazendo a venda ou um IPO, pode sinalizar para o mercado que esse segmento vale mais do que está precificado.

Komura não acredita que a Cosan queira se tornar sócia majoritária, mas sim que buscará ter voz ativa para propor melhorias. E aponta o risco de a nova acionista mudar o perfil da mineradora:

— A Vale é conhecida por distribuir bastantes dividendos. Se a Cosan demandar investimento para crescer em novas frentes, tentar ampliar a malha rodoviária ou a parte de metais, vai ser necessário segurar mais caixa e distribuir menos dividendos.

Procurada, a Vale não comenta sobre a operação da Cosan. Sobre o projeto da área de metais básicos, ressalta que nenhuma decisão foi tomada ainda e que está avaliando todas as opções estratégicas. E lembra que os metais básicos são “negócio em crescimento e com muitas oportunidades para veículos elétricos e eletrificação, dentro do contexto de transição energética.”

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2022/10/entrada-da-cosan-como-acionista-da-vale-e-vista-com-cautela.ghtml

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