A mobilidade urbana no novo governo

Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

O novo governo federal, tal como desejávamos e previmos aqui, recriou o Ministério das Cidades e, dentro dele, a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana. Mais de 80% da população brasileira já vive em áreas urbanas. As cidades, tal como imãs, seguem atraindo as pessoas com as suas oportunidades, utopias e contradições. Faz todo sentido que as cidades sejam objeto privilegiado das políticas públicas, a serem articuladas por um Ministério, com todo o prestígio que essa estrutura da alta administração federal se reveste.

Também comemoramos a recriação da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana, completamente focada no tema do transporte público, da mobilidade ativa e da logística urbana. O tema urbano pode remeter à ideia de competência exclusiva dos municípios. Errado. A União Federal pode e deve fazer muito para articular as políticas públicas, dar o norte e a estratégia e, ainda, apoiar na execução e na implementação, quer seja com recursos ou com apoio técnico.

Porém, ao lado de nosso regozijo pela recriação dessas entidades que contam com prestígio e capacidade de articulação, ainda reside uma ansiedade por conhecer, no detalhe, quais serão os passos a serem trilhados pelo novo governo no campo da mobilidade urbana.

Esperamos, sinceramente, que o tema do financiamento do transporte público seja a prioridade das prioridades. Nossos sistemas locais, sejam de pneus ou de trilhos, enfrentam o maior desafio de sustentabilidade financeira da história. O modelo de repartição dos custos entre os usuários já perdeu a capacidade de responder e arcar com os custos e investimentos necessários à operação dos sistemas. É preciso encarar a realidade de que novas fontes de financiamento precisam ser cultivadas, que não é justo o usuário do sistema arcar com os seus custos, quando toda a sociedade se beneficia do uso do transporte público. A União terá que, de alguma forma, contribuir com o financiamento da operação dos sistemas, quer seja ressarcindo as gratuidades fixadas em legislação federal, quer seja transferindo recursos para os sistemas. Neste caso, fica a sugestão de condicionar a transferência à adoção das melhores práticas, como por exemplo, a adoção da autoridade metropolitana de mobilidade, nas áreas com municípios conurbados e interdependentes.

Nesta direção, há a expectativa que o novo governo, sentado que está na legitimidade outorgada pelas urnas, use seu prestígio e capital político para agilizar a aprovação, no Senado e, depois na Câmara, do novo marco legal do transporte público, representado pelo Projeto de Lei de autoria do ex-senador Antonio Anastasia.

Em outra frente, para os trilhos, espera-se que o governo enfrente a necessidade de investir for temente nas linhas operadas pela CBTU. Enxergar que essas linhas são estruturais e podem, se modernizadas, contribuir significativamente para uma mobilidade sustentável e inclusiva nas cidades por elas beneficiadas. É urgente encarar a CBTU para além de espaço político no governo. É uma empresa que tem responsabilidades sérias e que demanda soluções técnicas e altamente especializadas. Olhar para eventuais parcerias com o setor privado como oportunidades para alavancar investimentos e otimizar a operação. Ou, então, sob gestão pública, priorizar a técnica e as melhores práticas, conjugando com alocação de recursos e prioridades nas ações governamentais.

Não existe mobilidade urbana sustentável, segura e inclusiva divorciada do planejamento urbano. Acabamos de assistir o relançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, também sob a liderança do Ministério das Cidades. Bom sinal, em termos de agilidade (apenas 45 dias depois de empossado, o governo já retoma um programa relevante). Mas é preciso relançar com correções de rumo. Que não volte a política da construção de habitações de interesse social nas áreas remotas das cidades, onde não há emprego nem oportunidades de renda. Essa conta, depois, é paga pelos sistemas de mobilidade, sobrecarregados e ineficientes do ponto de vista econômico.

Por fim, a principal expectativa é que a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana exerça uma posição de liderança, se articulando com as entidades da sociedade civil, com estados e municípios. Faça valer a sua força para induzir a adoção de práticas já testadas e aprovadas, como a implantação das autoridades metropolitanas, já referida aqui, o incentivo à mobilidade limpa, ativa e inclusiva. Os trilhos precisam voltar a crescer. A indústria ferroviária está pronta para voltar a ser pujante e geradora de riquezas e tecnologias. Falta-nos a liderança e o estímulo. Mãos à obra.

2 Comentários

  1. No “novo” velho governo que não admite privatizações, quer o estado cada dia mais inchado e com certeza, nada fará para melhorar a mobilidade urbana e nem mesmo a de carga. Volta Bolsonaro, Tarcísio, o novo marco das ferrovias foi a obra mais importante de todas e se não der andamento, voltamos ao passado de CBTU, RFFSA e etc.

    • O que o “marco legal” de Tarcísio trouxe de bom, na prática? No passado da CBTU e da RFFSA ao menos tínhamos trens de passageiros encurtando distâncias entre Estados e cidades.

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